Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Muitas
vezes, aquela imagem do papa renascentista, que desfruta uma vida luxuosa e sem
escrúpulos, segue firme no imaginário popular. Na cabeça das pessoas, o
pontífice continua sendo aquele velho monarca que vive em função do acúmulo de
riquezas. Porém, os tempos mudaram. Ainda bem.
É
certo que a reputação do catolicismo, em algumas fases de sua história, não foi
das melhores. E, na atualidade, alguns cardeais, bispos e padres continuam
apegados àquele ‘espírito de corte’ ao qual o papa atual se opõe de maneira
exemplar.
Mesmo
assim, não podemos olhar para a trajetória do catolicismo pelas lentes de um
anacronismo sem fim. Quando estudamos a disciplina histórica, é justamente esse
tipo de tendência, em relação a qualquer tema, que precisamos evitar. Do contrário,
corre-se o risco de conceber uma ‘história mitológica’, focada numa mera
sucessão de eventos enquadrados pelas modalidades do presente.
O salário do papa
Deixando
de lado os métodos de interpretação, a pergunta que não quer calar : Afinal, o
papa recebe salário? – A resposta é não. Em vez disso, padres diocesanos,
bispos e cardeais recebem uma contribuição pelo serviço prestado à instituição,
que na linguagem eclesial é chamada de ‘côngrua’.
O
pontífice romano é o único chefe de estado que não recebe nenhum tipo de
remuneração. Ele não pode ter jatinhos, carros particulares nem prédios. Suas
despesas e necessidades são pagas pelo Vaticano. Além disso, é proibido
acumular patrimônios em seu nome após a eleição. Cartões de crédito? Nem
pensar.
Um
dos documentos que atestam essa práxis contemporânea é o testamento de João
Paulo II. Em um trecho da carta, ele diz : ‘Não deixo nenhuma propriedade em
meu nome. Somente as coisas que usei no meu quotidiano. E peço que essas coisas
sejam distribuídas como vocês acharem melhor’.
O
papa Paulo VI, que governou a Igreja entre 1963 e 1978, declarou, em seu
testamento, ‘que morreria pobre’, reconhecendo a Santa Sé como ‘sua
herdeira universal’. Conservava imóveis de herança familiar, que eram
administrados por seus parentes.
No
texto, pede que seus dois irmãos fiquem com uma parte e outra parte seja
destinada ‘às boas obras e às pessoas necessitadas’. Pediu que lhe
construíssem uma tumba modesta, sem decorações ou monumentos. E exigiu ‘um
funeral simples e piedoso’, desprovido de todas ‘as pompas pontifícias’.
No
caso do papa Francisco, é ainda mais evidente esse desapego. Por ser religioso
jesuíta, não possuía nenhum tipo de propriedade antes de ser eleito papa. Sem
contar que o seu pontificado, como vemos, é pautado pelo desprendimento.
Condena
os padres que investem o dinheiro em carros luxuosos e faz um apelo para que
esses clérigos, principalmente, adotem um estilo de vida modesto. Essa postura
já é exigida pelo próprio Código de Direito Canônico – a lei
da Igreja –, mais precisamente no artigo (canôn) 282 : ‘Os clérigos cultivem
a simplicidade de vida e abstenham-se de tudo o que tenha ressaibos de vaidade’.
Escolheu
viver numa casa rodeada de funcionários do Vaticano, renunciando ao apartamento
pontifício, onde disse que se sentiria ‘muito sozinho’, caso o elegesse
como sua moradia. Ordenou que o carro utilizado para deslocamentos dentro da
cidade de Roma fosse trocado por um mais simples. E adotou, em 2013, um
Ford Focus azul.
De
acordo com o professor Rudy Assunção, especialista no pensamento de Bento XVI,
o que consta até agora é que o papa emérito tenha somente uma propriedade, que
foi adquirida por ele e pelos irmãos em 1969, quando ele ainda era professor. É
uma casa que fica localizada na cidade de Regensburg, na Alemanha, e é nela que
ele planejava viver sua aposentadoria e o resto de seus dias.
As doações do papa
Existe
um fundo que fica à disposição do papa, caso ele precise fazer uma doação em
seu nome. Se chama Óbulo de São Pedro, e é um sistema de arrecadação de
dinheiro destinado à prática da caridade. Quando lemos uma notícia a respeito
de uma contribuição feita diretamente pelo pontífice em meio a crises
humanitárias, é porque ele fez uso desse recurso.
Todos
os anos, no dia 29 de junho, dia de São Pedro, o dinheiro recolhido pelas
paróquias de todo o mundo é repassado para essa entidade. Durante a pandemia, o
dinheiro usado na compra dos respiradores que foram enviados ao Brasil foi
retirado desse montante.
O papado e o acúmulo
de riquezas
A
Igreja Católica foi governada por um pescador, monges e pontífices ‘antissistema’
que, por causa da sua coerência de vida, foram reconhecidos santos pela Igreja
Católica.
Mas
a instituição também foi conduzida por homens gananciosos, cujo programa de
governo visava tão somente a expansão dos territórios pontifícios e o
enriquecimento de suas próprias famílias. Sem contar os outros desvios morais
que eram cometidos por esses homens, sem qualquer peso na consciência.
Não
por acaso, o termo nepotismo surge, justamente, em âmbito
católico. O nome está associado à prática de dar o título de cardeal a alguns
parentes do papa, difundida entre séculos 14 e 17. O ‘cardinale-nipote’
– do italiano, cardeal-sobrinho –, era nomeado para assumir cargos de confiança
na cúria romana. Em determinado período, ele chegou a atuar como uma espécie de
secretário de Estado, e era um braço direito do sumo pontífice. O nepotismo foi
abolido pela Igreja em 1692, através da bula Romanum decet
pontificem, do papa Inocêncio XII.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1468117/2020/08/as-riquezas-do-papa/
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