Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘O
tempo irá passar e, sem dúvida, papa Francisco será reconhecido como o
pontífice romano que enfrentou uma das maiores crises da era contemporânea.
Nenhum outro, na história do catolicismo, ‘exorcizou’ tão veemente uma
doença através de seus gestos, palavras e obras de caridade.
É
certo que, em muitas dessas situações dramáticas, o trabalho da igreja de Roma
foi reconhecido como fundamental. No entanto, estamos diante de um cenário que
sinaliza uma mudança de época. E temos um papa que já se prepara para isso. Ele
está pronto para colocar a igreja nos trilhos dos novos tempos que virão.
Alguns
vaticanistas, colegas nossos, veem a pandemia como a última etapa do
pontificado de Francisco, a qual é marcada pela revisão criteriosa de
prioridades e, ao mesmo tempo, pela certeza de que a igreja, mais que nunca,
deve deixar uma marca indelével para a posteridade. É hora de demonstrar que,
muito além de ‘expedir documentos’, como o próprio santo padre fez
questão de frisar algumas ocasiões, ‘a maternidade da instituição deve ser
palpável e concreta’.
Na
catequese da última quarta-feira (19), Francisco deu um outro passo além :
destacou que o assistencialismo é importante, mas fez um apelo para que os
governos ‘redesenhem a economia’, de modo que o pobre seja colocado no
centro de suas ações. E mais : pediu que as autoridades pensem com cuidado
antes de investir dinheiro público no resgate de indústrias que não trabalham
pela inclusão dos mais necessitados.
O
pontífice atual tem sido respeitado não só por causa de sua visão de mundo, mas
por atuar, brilhantemente, na gestão de crises. Não à toa, é consultado
frequentemente por chefes de estado. Recorrem ao papa não só para apaziguar
conflitos, mas para resolvê-los. Francisco não é só bem articulado, mas
reconhecido pela comunidade internacional como um líder global.
O
historiador italiano Alberto Meloni afirma que a pandemia motivaria ‘o
início do fim’ do atual pontificado. Segundo ele, a bênção Urbi et Orbi, na
qual o papa rezou sozinho pelo fim da pandemia na praça de São Pedro, em março
deste ano, transformou a figura do papa solus - do latim, o papa solitário - em
um ícone.
‘Não
que o papa esteja perdendo o seu poder - acrescenta o historiador -, mas
tem sido um momento decisivo para averiguarmos se o vigor evangélico de
Francisco será adotado como um estilo de vida por todos ou será calado pela
mediocridade de muitos’, disse. E questiona se as várias realidades locais
estão preparadas para atender aos apelos do papa ou se o deixarão jogado à
própria sorte nessa fase de retomada.
Sendo
assim, mesmo que ele viva uma solidão ‘institucional’, como alguns
interpretam, o mundo o abraça. A pandemia coroaria a conclusão de um
pontificado que ‘não foi feito para a instituição’, mas para
transformá-la nas bases. É uma grande ‘reforma espiritual’, que mesmo
que não passe pela adesão dos próprios católicos, é propagadora de sentido para
‘os homens de boa vontade’.
Por
colocar em evidência ‘as periferias’ que nunca foram tão contempladas em
documentos pontifícios, ele revela, concretamente, essa face universal do
catolicismo, que abarca tudo e todos. É por isso que seu governo, mesmo numa
época de pós-cristandade, consegue a façanha de despertar o interesse pelo que
a instituição tem a dizer.
Francisco
sobe seu calvário, rodeado de inimigos e admiradores. Porém, de maneira
heróica, ‘não quer que ninguém seja deixado para trás’, insistindo
naquela missão de promover um novo ordenamento social baseado nos valores do
cristianismo.
Talvez,
esse ‘dilúvio que nos pegou de surpresa’, como ele disse numa das missas
celebradas no Vaticano, referindo-se ao coronavírus, tenha atrapalhado ou
adiado muitos de seus planos. É provável, inclusive, que isso afete a reforma
que ele pretendia executar até o fim do ano.
Muitos
católicos, ainda resistentes às moções de Francisco, interpretam o papado como
uma mera estrutura de autopreservação. Mal sabem eles que a soberania
espiritual do pontífice romano se manifesta, sobretudo, na capacidade de
dialogar com o mundo, nas mais variadas esferas.
O
que vem pela frente? Um concílio, um sínodo especial ou uma encíclica? Difícil
saber. Mas é certo que, independente dos rumos que o pontificado tome daqui pra
frente, a pregação de Francisco nunca deixará de privilegiar o ser humano e
seus mais duros desafios.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1466646/2020/08/francisco-prepara-o-fim-do-pontificado/
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