Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Tânia da Silva Mayer,
mestra e bacharela em Teologia
‘O ser humano contemporâneo parece caminhar sem rumo e por
estradas que conduzem a lugar nenhum. E essa nossa caminhada errante é sintoma
da enfermidade de sentido que vivemos. Na tentativa de preencher o vazio que a
perda do sentido provoca, tornamo-nos itinerantes em busca do que possa
fomentar em nós sensações de completude. Nessa esteira de ver satisfeito nosso
desejo, tornamo-nos consumidores materiais e espirituais à espera que o cartão
de crédito ou um frasco de água benta nos faça saturar definitivamente a
incompletude que somos. Isso é um grande engano. Sentir falta, não nos
sentirmos preenchidos define também nossa existência, permitindo também que
desejemos e nos mobilizemos para estancar a sede que sentimos.
E por falar em sede, o salmo 42-43 serve bem para ilustrar a
sede e o desejo humano de Deus, bem como a abertura para acolher o Deus que se
revela em Jesus Cristo e se dá a conhecer ao mundo. Tal salmo é fiel
representação da existência humana (pessoal e/ou comunitária), que no âmago de
sua alma sente desejo de Deus. O salmista é reflexo do desejo antropológico por
Deus, aqui representado pela alma do orante que está angustiado. Sua situação é
a de alguém que está longe do seu espaço familiar, distante de sua terra,
exilado. Provavelmente está fora de Jerusalém, do Templo, na região montanhosa
do sul do Hermon. O salmista vive nostalgicamente, uma vez que já não contempla
mais a ‘face de Deus’ em seu
Santuário. E é em meio à opressão que ele o busca para não perdê-lo.
O salmo 42 compõe seu cenário no contexto da natureza: uma corça
sedenta está em busca de um poço para matar sua sede (v. 2). A figura da corça,
(também podemos chamar de cervo) é muito apreciada dentro da literatura
bíblica. Muitas vezes é relacionada com o mundo da divindade, tomada como a
mediadora do céu e da terra; quando associada ao ser humano, diz respeito à
imortalidade, ao sucesso. A crítica textual ressaltará que o v. 2 ao descrever
tal animal o apresenta na qualidade de um animal macho, sobrepondo-se a sua
figura feminina. No entanto, esta está mais próxima das questões vitais, tal
como o parto e do nascimento. De modo geral, a figura do animal é representação
da força humana em sentido físico e espiritual. No salmo em questão, o desejo
vital pela água que a corça sente é metáfora da ansiedade que o salmista tem
por Deus. De fato, tal como a água é fundamental para o florescimento da vida
na terra dura e seca, assim Deus é fundamental para o ser humano, pois é o
único capaz de estancar nossa sede de sentido e de fé.
Ainda no v. 2, há outro termo bastante importante, a alma (nefesh).
Na tradição bíblica, a alma é expressão da energia vital do ser. Ela está
vinculada a uma parte do corpo responsável por engolir e respirar, a garganta.
Podemos, uma vez mais, perceber a profundidade da imagem utilizada pelo
salmista ao aproximar a imagem do ser humano de desejos à composição
físico-corpórea dos animais.
Em muitos casos, o termo ‘alma’
pode designar o estômago, outras vezes, a respiração e o sopro. No salmo 42, a
alma é expressão da fome, do desejo pelo alimento que garante sua
sobrevivência. Ampliando a hermenêutica, a alma não está somente referida à
sobrevivência físico-biológica, mas à sobrevivência emocional e espiritual da
pessoa, ela é o espaço da saudade e do desejo humano. Não se refere a ‘algo imaterial’, como estamos
acostumados a cogitar em nossas catequeses, mas designa aquilo que é ‘centro da vida da pessoa, em seu sentir,
respirar, reagir e no seu decidir’. Refere-se, em todo caso, ao ser humano
como um ser de desejo, capaz de desejo. Assim como a corça estica a garganta
para buscar água, o orante do salmo abre a sua alma para beber daquela fonte
que é princípio de vida : Deus; sem o qual sua vida já não apresenta nenhuma
força, sem o qual nossas vidas continuarão errantes e sem sentido.’
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