segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A Quaresma exige que nos aproximemos a Deus, ainda com algumas peças faltando


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Colleen Gibson, SSJ,


‘‘Não só nós desejamos a vida em abundância, Deus também a deseja para nós. Não apenas nossos olhos e ouvidos devem estar atentos, os ‘olhos’ e ‘ouvidos’ de Deus estão sempre atentos a nós... Deus não espera que percamos o caminho da vida, Deus vem ao encontro antes que a alma termine sua oração para nos mostrar o caminho. E o caminho é se alegrar com essa Presença constante e amorosa’. - Norveen Vest, Desejando a Vida.
Há algumas semanas, encontrei-me na frente de cerca de 150 estudantes do ensino médio e ensino fundamental em uma escola local, onde uma das agentes pastorais da minha congregação é a diretora. Eu tinha sido convidada para falar sobre vocações e minha própria história.
Depois de falar com um número semelhante de estudantes mais novos, mergulhei na lição preparada pelos nossos diretores vocacionais para estudantes do ensino médio. Começamos olhando para o nosso ser único e como o Deus que nos fez nos chamou unicamente para sermos quem realmente somos vivendo nosso chamado ao amor e a encarnar o amor de Deus no mundo.
Contudo, sem importar a idade, explorar tais tópicos não é simples. E assim, depois de ler um poema e uma oração, tirei uma bolsa cheia de quebra-cabeças de 24 peças com figuras de animais bonitos e personagens de desenho animado. Sem conhecimento dos alunos, intencionalmente faltavam peças em cada quebra-cabeça.
Agrupei os alunos por nível de escolaridade, os organizei em 15 grupos ao redor do ginásio em que estávamos e colocamos a pilha de quebra-cabeças no centro da sala. ‘Sua tarefa’, disse a eles, tentando me fazer ouvir no meio das conversas no espaço, ‘é criar uma imagem completa. O primeiro grupo a completar esta tarefa ganha!
Com esse desafio, os níveis de energia e ruído na sala subiram um tanto. Contando até três, cada grupo enviaria um membro correndo para entregar o quebra-cabeças pronto e correr de volta para que pudessem vencer.
Um, dois, três!’ Gritei no microfone enquanto os estudantes se levantavam em busca do prêmio.
Logo os grupos começaram a perceber que algo não estava certo. Primeiro, os alunos mais velhos me perguntaram. ‘Você sabe onde estão nossas peças?
Eu balancei a cabeça e fiz que não sabia. Quase instantaneamente começaram a refletir sobre o que tudo isso significava. Antes que eu pudesse ouvir o que eles falavam, um estudante mais jovem correu para mim sem fôlego e com um olhar de pânico no rosto. ‘Nós não temos todas as nossas peças... Onde estão?
Novamente, fiz que não sabia. Ele rapidamente saiu correndo e começou a procurar sob cadeiras e nos cantos do ginásio as peças que faltavam. Enquanto isso, seus colegas de classe de ensino fundamental começaram a me perguntar qual era o verdadeiro significado desse exercício.
O que vocês acham?’ Perguntei para eles.
Suas respostas me surpreenderam : ninguém é perfeito. Deus é a peça que falta. Nem sempre podemos juntar a imagem inteira. Você precisa de outras pessoas para juntar as peças e ajudar a completar o quebra-cabeça.
Todas essas lições são verdadeiras.
Quando chamei o grupo de volta e a frustração de não ganhar diminuiu, as lições começaram a ressoar nos alunos e eles começaram a reconhecer que os quebra-cabeça tinham mais para nos ensinar sobre como Deus nos chama e como juntamos ou respondemos a esse chamado, mesmo quando não temos todas as peças.
Então terminei compartilhando partes da minha história e convidando os alunos a se esforçarem para trabalhar com Deus reunindo o quebra-cabeça de seu próprio chamado, agora e no futuro.
Esse é o chamado para cada um de nós. Deixando a escola, pensei na ânsia com que os alunos responderam e as conclusões que eles expressaram. Eu me acariciei nas costas e logo voltei para a rotina da vida cotidiana, mas sem esquecer a experiência. Ou seja, comecei a me preparar para a Quaresma.
Refletindo sobre o que eu poderia renunciar na quaresma (jejum), devolver (esmolas) e dar em oração (rezar) para aproximar-me de Deus neste tempo de Quaresma, a imagem do espaço vazio no quebra-cabeça voltou para mim.
Todos nós temos esses espaços em nossas vidas que precisam de maior clareza, as peças de nossas vidas que exigem tempo, paciência e oração para ser descobertas, encontradas e redescobertas. Os espaços vazios nos lembram das lições que muitos de nós passamos a vida tentando aprender - ninguém é perfeito; ninguém precisa ser perfeito para ser amado; há graça em espaços vazios; Deus nos enche quando nada mais pode.
Refletindo no profundo da minha própria consciência e vida espiritual, lembrei-me do garoto de ensino médio que correu até mim em pânico, sem fôlego e procurando desesperadamente os pedaços. Quantas vezes na vida ou nós mesmos nos ocupamos buscando freneticamente as peças que faltam? Correndo e correndo até o esgotamento, apenas para perceber que poderia nos beneficiar mais nos acostumarmos com o espaço vazio?
Quando damos uma olhada amorosa em nossas vidas, o que poderia nos beneficiar mais : preencher o buraco em nossa vida ou estar no buraco com Deus?
O último é um gesto simples e profundo. No espaço vazio, nos rendemos, nem sabemos nem precisamos saber; podemos simplesmente estar, e estar perfeitamente bem em e com Cristo.
Em seu novo livro (e podcast que o acompanha), Everything Happens for a Rason(And Other Lies I've Loved), Kate Bowler sublinha ‘o que é viver uma vida não brilhante em um mundo que prefere pessoas de purpurinas’. Essa palavra - ‘brilhante’ - ressoa dentro de mim quando considero a vida que vivo e a vida a que cada um de nós é chamado. A vida pode ser bagunçada, e muitas vezes achamos que as peças estão faltando ou que elas não se encaixam no quebra-cabeça da maneira que pensamos que deveriam. O convite de Deus é sujar, rasgar nossos corações como o Profeta Joel declara nas Escrituras que acompanhamos na quarta-feira das cinzas.
A Quaresma não é um tempo de brilho; é um tempo de cinza e dependência. Isso nos obriga a inclinar-nos para Deus enquanto examinamos (e esperançosamente deixamos de lado) o que nos impede crescer em relação com Deus e com os outros. Isso requer determinação. Não é importante apenas fazer o ‘certo’, mas é importante a determinação de deseja-lo, perseverar, ocupar os espaços vazios e abraçar as partes faltantes e, talvez, no processo, recuperar a paz que falta.
Ao entrar nestes 40 dias de reflexão, somos chamados a ficar com Deus. De forma intencional, temos a oportunidade de nos envolvermos profundamente com o Deus que caminha através da vida conosco, estar nos espaços aparentemente vazios de nossas vidas e compartilhar esse espaço com Deus. Que possamos ser fiéis a esse chamado e a Aquele que nos encontra, atentos à presença de Deus e a encontrar a plenitude nos espaços misteriosos onde Deus permanece.’

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