quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

E se o céu não for uma verdade, terá valido a pena ser cristão?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  A ideia de um morar no céu é mais gnóstica do que cristã.
*Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


‘É muito comum no Cristianismo evangélico e carismático se ouvir a respeito do céu. Seja nas diversas pregações, seja nos diversos hinos que se cantam, o discurso a respeito da morada celestial se faz presente em diversas cerimônias e rituais realizados nas igrejas espalhadas pelo mundo. Juntamente com o discurso a respeito da morada celestial, que, em algumas pregações, podem até variar de tamanho dependendo do quão íntimo e bom você foi nessa Terra, está também aquele que diz que é necessário fazer boas obras para poder ser galardoado no dia do julgamento final. Assim, quanto melhor você for ao mundo, melhor será sua recompensa na glória.
Esse tipo de pensamento, no entanto, nos leva a perguntar : e se o céu não for uma verdade, terá valido a pena ser cristão? A pergunta, por maior espanto que possa trazer, se justifica se assumirmos aquilo que falamos no parágrafo anterior. Afinal, toda a vida em busca de se fazer o bem, para vários cristãos, só faz sentido se após ela houver algum tipo de recompensa a ser alcançada e que, para muitos, se trata de mansões celestiais e ruas de ouro para se andar nelas.
A ideia de um morar no céu, contudo, está mais para uma ideia gnóstica do que para uma ideia cristã. O Reino de Deus, como dizem diversos textos bíblicos não é um lugar para onde se vai, antes, é algo que vem da parte de Deus, como deixa bem claro tanto o último capítulo do Apocalipse, como também a própria oração do Pai Nosso, ensinada por Jesus. Dessa forma, o Reino de Deus não deve ser entendido como um lugar nas nuvens ou acima do Universo, mas sim como a nova criação de todas as coisas, onde Deus, em seu amor, reina sobre ela.
Dito isso, um discurso que se diz cristão e que se preocupa somente em ser um meio para se alcançar uma morada no céu se revela como o contrário daquilo que Jesus viveu e pregou. A vida de Jesus, que coincide com sua pregação, revela um Deus que ama e está disposto a se doar por aqueles e aquelas a quem ama. Isso nos mostra que o amor, longe de buscar uma recompensa, busca o outro pelo outro e não pelo que ele pode dar de volta. Um Cristianismo que nasce a partir dessa perspectiva deveria, então, ao invés de preocupar-se com as recompensas advindas das boas obras, mostrar que as boas obras são consequências de ter sido alcançado pelo amor do próprio Deus.
Ao fazer isso, esse Cristianismo mostra que a pregação de Jesus não tem a ver com as recompensas de uma vida digna, antes, com o amor que se doa e que se importa com as pessoas e com a criação.
Ao pensar assim, a própria ideia do céu como lugar em que se vai morar no caso de ter tido um bom comportamento se torna sem sentido e até mesmo irrelevante, uma vez que se compreende que o céu (que na tradição bíblica nada mais é que outro nome do próprio Deus) se realiza ali onde Deus é profundamente experimentado.
Se o céu é compreendido como uma recompensa pelas boas obras que se faz, então ser cristão é somente um financiamento terreno assumido por alguns, visando uma morada celestial ao final da vida.
 Se, porém, ele é compreendido como o experimentar da profunda presença de Deus que transforma vidas, ser seguidor de Cristo se torna uma possível resposta dada ao amor de Deus, pelo qual fomos alcançados, o que implica amar ao próximo e viver uma vida disposta a se doar por ele, sem esperar nenhuma recompensa por isso, como é próprio de todo amor que se revela como verdadeiro.’


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