*Artigo
de NCR Editorial Staff
‘É difícil sequer imaginar o sofrimento que as vítimas de
abuso sexual clerical tiveram de suportar. Depois de serem estupradas ou
violentadas por pessoas que suas comunidades tinham lhes ensinado a ver como
quase infalíveis, muitos foram mantidos em silêncio por décadas, envergonhadas
ou apenas sem conseguir falar.
Quando realmente se pronunciaram, seus motivos foram
questionados e sua integridade contestada. Foram atacadas, vitimadas novamente,
em processos judiciais e pronunciamentos públicos, já que bispos, advogados
diocesanos e autoridades da igreja negaram as acusações.
A história mostrou que a maioria das vítimas estava
dizendo a verdade. Qualquer reforma que aconteceu na Igreja deve-se à
sua determinação corajosa. A hierarquia foi apanhada em suas mentiras e
humilhada, mas não antes de uma série de fiéis desconhecidos serem expulsos da
Igreja Católica. O escândalo custou a autoridade moral da Igreja, sua
credibilidade e bilhões de dólares.
Nos últimos anos, pensávamos que os líderes
religiosos punidos tinham começado a corrigir os erros do passado.
Estávamos enganados. O Sumo Pontífice aparentemente não aprendeu essa
lição.
Em quatro dias, o Papa Francisco caluniou vítimas de
abuso duas vezes. No voo papal do Peru, em 21 de janeiro, ele voltou a
chamar o testemunho contra o bispo chileno Juan Barros Madrid de ‘calúnia’. Apesar do relato de pelo menos
três vítimas em contrário, ele voltou a dizer que não havia visto provas do
envolvimento de Barros em um encobrimento para proteger o notório
abusador Pe. Fernando Karadima.
Essas observações são no mínimo vergonhosas. No máximo, sugerem
que Francisco poderia ter-se tornado cúmplice do encobrimento. O roteiro é
bastante familiar : desacreditar o testemunho das vítimas, apoiar o prelado em
questão e contar com o fato de a atenção pública passar para outra coisa.
É difícil de entender a insistência com
que Francisco defende Barros. Três jornalistas no voo papal
deram oportunidade a que o Papa dissesse exatamente por que acreditava no
bispo, e não nas vítimas que o acusavam. A segunda jornalista a perguntar
sobre Barros a Francisco no voo era uma chilena. Ao falar com o Papa, sua voz
ficou embargada pelo nervosismo ao questionar o principal líder da Igreja. Ela
perguntou : ‘Por que os testemunhos das
vítimas não são prova para o senhor? Por que não acredita neles?’ O Papa
não deu nenhuma resposta satisfatória, apenas repetiu a afirmação de que não há
‘nenhuma evidência’ contra o bispo.
Infelizmente, a defesa de
Francisco a Barros é apenas a última de uma série de declarações feitas
por ele nos quase cinco anos de papado que machucaram sobreviventes e todo o
corpo da Igreja.
As declarações do Papa sobre a tolerância zero para
abusadores têm sido fortes, mas ele tem se recusado reiteradamente a lidar com
quem acobertou os abusadores de forma decisiva. Quando se reuniu com os bispos
dos Estados Unidos em setembro de 2015, por exemplo, ele elogiou a ‘coragem’ que tinham demonstrado nos ‘momentos
difíceis’ da crise de casos de abuso e chegou a observar ‘o quanto a dor dos últimos anos pesou sobre vós’.
Um psicólogo que trabalha com vítimas de abuso
sexual disse, na época, que esses comentários eram para elas como ‘um soco no estômago por um papa católico que
descontava o seu sofrimento para evitar o possível sofrimento dos bispos’.
No Chile, na semana passada, Francisco realizou
uma reunião com membros do clero do país. Ele falou sobre vários tipos de dor
que o abuso clerical havia causado no país, como a das vítimas e suas famílias,
mas também falou da dor sofrida por sacerdotes que não foram apanhados no
escândalo.
‘Sei que às vezes alguém
pode ter sido xingado no metro ou andando na rua, e que se paga um preço alto
por andar de traje clerical em muitos lugares’, disse o Papa ao
clero.
Como é que o Papa pode comparar ser xingado no metrô
com o terror de uma criança ser estuprada? Como?
Parece que nenhum dos colaboradores mais próximos
de Francisco ficou chocado com observações de Francisco de dois dias
depois, quando ele se esquivou de perguntas dos jornalistas
sobre Barros e chamou as acusações contra o bispo de ‘calúnia’ pela primeira vez. Em uma
crítica aberta em uma declaração, como as que temos lutado para encontrar casos
semelhantes na história recente da Igreja, o cardeal de Boston, Sean
O'Malley, disse que a calúnia do Papa às vítimas causou-lhes ‘grande sofrimento’.
É preciso aplaudir a ação de O'Malley. Ele poderia ter
falado baixinho para Francisco. Talvez ele soubesse que tinha deixado
vítimas de abuso sem qualquer defensor proeminente mais uma vez.
Francisco tem uma bela metáfora para o trabalho dos bispos e
padres como pastores que andam entre o rebanho e, às vezes, atrás, permitindo
que as ovelhas sigam o caminho que sentem que devem seguir.
O Papa foi muito avisado sobre o que esperar no Chile. O fato de ele
não ter seguido seu próprio conselho e ter ouvido as pessoas é muito mais do
que decepcionante.
A argumentação colorida de Francisco contra o
clericalismo é frequentemente recontada. Ele repreendeu a burocracia do
Vaticano pela fofoca e oportunismo e descreveu as ‘doenças’ que os afligem. Em 2014, disse que uma delas é a ‘petrificação mental e espiritual’
daqueles ‘que têm um coração de pedra e
insistem no erro’.
Será que Francisco iria gostar de saber que é assim que muitos
classificariam suas palavras no Chile e no avião papal? Quando se trata de
confrontar o clericalismo, que é a base do abuso, o semblante de pedra do Papa
também faz parte do problema. A pergunta que devemos fazer é : Por que
Francisco não está ouvindo?’
Tradução : Luísa Flores Somavilla
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1227673/2018/01/comprometimento-de-francisco-com-vitimas-de-abuso-esta-em-questao/
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