*Artigo
de Fabrício Veliq,
protestante,
é mestre e doutorando em
teologia
pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando
em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado
em matemática e graduando em filosofia pela UFMG
‘É comum para muitas pessoas cristãs, sejam católicas, sejam
protestantes, pensar a relação com Deus de maneira individualista,
preocupando-se somente em como, no dia a dia, ser uma pessoa digna de receber
algum reconhecimento por parte do Divino. Que nisso se perceba uma das
consequências do advento da Modernidade que se volta para o ‘eu’ de uma maneira mais intensa, nos
parece claro. Esse tipo de discurso que se preocupa somente com a salvação
individual e entende a mensagem cristã como somente uma mensagem para a alma
ainda se mostra grandemente difundida em diversos seguimentos cristãos, de
maneira que não conseguem perceber a estreita ligação que o texto bíblico e a
própria doutrina cristã fazem, desde o Antigo Testamento, da salvação divina
com a restauração social.
Ao longo da narrativa da história do povo de Israel, Deus é
reconhecido como aquele que cumpre suas promessas e liberta o seu povo da escravidão
e da opressão nas quais se encontravam no Egito. Dessa forma, Deus é
compreendido por Israel como aquele que caminha junto com seu povo e faz da
história de Israel a sua própria história.
Da mesma forma, no Novo Testamento, a narrativa cristã a respeito
da pessoa de Jesus o coloca como uma pessoa que se importa com os problemas de
seu tempo e não somente com sua relação pessoal com o Pai. A narrativa, se lida
com atenção, mostra que a preocupação social de Jesus com os pobres, excluídos
e oprimidos do seu tempo vem como consequência do seu relacionamento com Deus,
de maneira que podemos entender que aproximar-se de Deus implica aproximar-se
dos que sofrem e que o amor a Deus somente é percebido no amor ao próximo, como
a carta de I João deixa muito claro ao nos interpelar dizendo que ‘quem não ama a seu irmão, a quem vê, não
pode amar a Deus a quem não vê’ (I Jo 4,20b).
Mais tarde, no desenvolvimento do dogma da Trindade, o Deus
cristão é pensado como comunidade trinitária. Na perichoresis, essa
relação de mútua intimidade entre Pai, Filho e Espírito, se revela aquilo que
João diz que Deus é para o Cristianismo, a saber, amor. Mas, se Deus é amor e é
próprio do amor o sair de si em direção a um outro, fica impossível pensarmos
que o Deus cristão é um Deus solitário que somente se preocupa em exercer seu
domínio sobre a humanidade, o que nos leva a ver Deus, a partir da vida de
Jesus Cristo, como comunidade do Pai, Filho e Espírito, e isso, por sua vez,
nos convida a entender que a Igreja não é chamada para ser uma comunidade
fechada em si mesma, mas aquela que sai de si em direção aos marginalizados e
excluídos desse mundo.
Dessa forma, é possível perceber que o Cristianismo está
estritamente conectado com a história do pensamento comunitário e não com o
pensamento individualista, de maneira que um Cristianismo que não se preocupa
com as questões sociais de seu tempo, mas prega somente uma salvação individual
e desassociada das questões atuais não compreendeu a mensagem do texto bíblico,
que mostra um Deus que se importa com a humanidade e tem o desejo de libertá-la
das diversas forças de morte que insistem em atuar nela.
A libertação do povo de Israel da escravidão do Egito e a
libertação da morte trazida por meio da ressurreição de Cristo revelam a mesma
mensagem e implicam o mesmo comprometimento com a sociedade, ou seja, o
comprometimento na luta contra a miséria, a desigualdade social, a opressão aos
mais pobres e a libertação dos oprimidos por esse sistema mundano que gera a
morte.
Se Deus é amor como diz o Cristianismo, então se
relacionar com a sociedade é tarefa cristã, e se voltar para ela é resposta
óbvia de uma Igreja que compreendeu o dogma trinitário.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1224108/2018/01/olhar-para-a-sociedade-consequencia-do-ser-cristao/
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