quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Olhar para a Sociedade : Consequência do ser cristão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Um Cristianismo que prega somente uma salvação individual e desassociada das questões atuais não compreendeu a mensagem do texto bíblico.
 *Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


‘É comum para muitas pessoas cristãs, sejam católicas, sejam protestantes, pensar a relação com Deus de maneira individualista, preocupando-se somente em como, no dia a dia, ser uma pessoa digna de receber algum reconhecimento por parte do Divino. Que nisso se perceba uma das consequências do advento da Modernidade que se volta para o ‘eu’ de uma maneira mais intensa, nos parece claro. Esse tipo de discurso que se preocupa somente com a salvação individual e entende a mensagem cristã como somente uma mensagem para a alma ainda se mostra grandemente difundida em diversos seguimentos cristãos, de maneira que não conseguem perceber a estreita ligação que o texto bíblico e a própria doutrina cristã fazem, desde o Antigo Testamento, da salvação divina com a restauração social.
Ao longo da narrativa da história do povo de Israel, Deus é reconhecido como aquele que cumpre suas promessas e liberta o seu povo da escravidão e da opressão nas quais se encontravam no Egito. Dessa forma, Deus é compreendido por Israel como aquele que caminha junto com seu povo e faz da história de Israel a sua própria história.
Da mesma forma, no Novo Testamento, a narrativa cristã a respeito da pessoa de Jesus o coloca como uma pessoa que se importa com os problemas de seu tempo e não somente com sua relação pessoal com o Pai. A narrativa, se lida com atenção, mostra que a preocupação social de Jesus com os pobres, excluídos e oprimidos do seu tempo vem como consequência do seu relacionamento com Deus, de maneira que podemos entender que aproximar-se de Deus implica aproximar-se dos que sofrem e que o amor a Deus somente é percebido no amor ao próximo, como a carta de I João deixa muito claro ao nos interpelar dizendo que ‘quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê’ (I Jo 4,20b).
Mais tarde, no desenvolvimento do dogma da Trindade, o Deus cristão é pensado como comunidade trinitária. Na perichoresis, essa relação de mútua intimidade entre Pai, Filho e Espírito, se revela aquilo que João diz que Deus é para o Cristianismo, a saber, amor. Mas, se Deus é amor e é próprio do amor o sair de si em direção a um outro, fica impossível pensarmos que o Deus cristão é um Deus solitário que somente se preocupa em exercer seu domínio sobre a humanidade, o que nos leva a ver Deus, a partir da vida de Jesus Cristo, como comunidade do Pai, Filho e Espírito, e isso, por sua vez, nos convida a entender que a Igreja não é chamada para ser uma comunidade fechada em si mesma, mas aquela que sai de si em direção aos marginalizados e excluídos desse mundo.
Dessa forma, é possível perceber que o Cristianismo está estritamente conectado com a história do pensamento comunitário e não com o pensamento individualista, de maneira que um Cristianismo que não se preocupa com as questões sociais de seu tempo, mas prega somente uma salvação individual e desassociada das questões atuais não compreendeu a mensagem do texto bíblico, que mostra um Deus que se importa com a humanidade e tem o desejo de libertá-la das diversas forças de morte que insistem em atuar nela.
A libertação do povo de Israel da escravidão do Egito e a libertação da morte trazida por meio da ressurreição de Cristo revelam a mesma mensagem e implicam o mesmo comprometimento com a sociedade, ou seja, o comprometimento na luta contra a miséria, a desigualdade social, a opressão aos mais pobres e a libertação dos oprimidos por esse sistema mundano que gera a morte.
 Se Deus é amor como diz o Cristianismo, então se relacionar com a sociedade é tarefa cristã, e se voltar para ela é resposta óbvia de uma Igreja que compreendeu o dogma trinitário.’

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