*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Um olhar sobre os acontecimentos ao redor do mundo indica que é
urgente superar a violência, transformando as famílias, as cidades e as
instituições todas em canteiros onde se cultive a paz. É preciso contribuir
para que as dinâmicas capazes de criar a harmonia e a fraternidade prevaleçam
no cotidiano de todos. O primeiro passo é fortalecer a paz no próprio coração,
compromisso inadiável para reverter um preocupante cenário : o recrudescimento
da violência. O consequente medo provocado por essa situação faz com que as
pessoas se distanciem umas das outras, causando uma indiferença generalizada.
Esse comportamento não contribui para semear a paz. Alimenta ainda mais a
violência.
Em vez de buscar segurança no isolamento, acentuando distâncias,
a humanidade precisa qualificar o modo como vê o mundo, indica o Papa
Francisco. A percepção da realidade deve ser iluminada pela sabedoria da fé,
permitindo que todos se reconheçam como parte de uma grande família. Assim,
cada pessoa vai compreender que o outro também tem o direito às riquezas da
Terra. A fé contribui para que haja a saudável alegria em ver o outro
feliz. Alimenta o compromisso com a
vivência da solidariedade - partilhar com quem precisa de ajuda.
O olhar contemplativo à luz da fé faz brotar a consciência
indispensável para ser verdadeiramente cidadão - operário que semeia diferentes
canteiros da paz. Imagine uma cidade compreendida como um canteiro da paz. E cada indivíduo, no seu campo de ação, no
exercício de suas tarefas, agindo como operário que cultiva a paz. O resultado
será o compromisso efetivo com a solidariedade, fraternidade e o gosto pelo
bem, pela verdade e pela justiça. Para alcançar esse cenário ideal, uma certeza
precisa ser aprendida e vivenciada : a reverência a Deus tem força educativa,
com incidência transformadora em mentalidades e corações. Corrige descompassos
terríveis que têm raízes na delinquência presente em toda parte.
Singular experiência, cultivar um olhar contemplativo, à luz da
fé, é investir na capacidade para discernimentos e intuição de caminhos novos.
Permite superar o marasmo que enjaula, na mediocridade, os responsáveis pela
construção da sociedade. Esses
descompassos é que contaminam discernimentos, fazendo com que sejam priorizados
interesses contrários ao bem comum e à justiça.
A falta do olhar que ultrapassa as superficialidades cristalizadas,
possibilitando enxergar a própria interioridade, é que diminui, inclusive, a
possibilidade de surgirem novos líderes. Sem clareza, habitua-se à ganância sem
limites, busca-se apenas ajuntar para si.
Ver para além das aparências, graças à luz que se propaga com a
presença amorosa de Deus, permite encontrar respostas para os enormes desafios
que ameaçam a paz neste momento da história. Não bastam as considerações
políticas, as estratégias adotadas com o objetivo de alcançar determinados números.
Capacitar-se para ter um olhar contemplativo, experiência humana e espiritual,
é uma necessidade. Abrir mão ou relativizar essa experiência significa adiar ou
banir do horizonte a possibilidade de se conquistar uma competência
indispensável para se buscar a cultura da paz.
A paz é também uma ciência com gramática específica, a ser
aprendida, ensinada e testemunhada. Ela não ‘cai do céu’. É, pois, uma construção que exige o engajamento
permanente de todos no irrestrito e incondicional dever de promover e respeitar
direitos. Sem esse compromisso, perde-se a possibilidade de alcançar a
verdadeira paz. O olhar contemplativo, que pressupõe a luz da fé e se desdobra
no irrestrito respeito aos direitos de cada pessoa, deve inspirar as atitudes
nos diversos contextos sociopolíticos e culturais. Todos unidos, trabalhando
para fazer com que as cidades, famílias, instituições e outros ambientes sejam
canteiros da paz.’
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