*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Esta é uma verdade que deve inspirar os horizontes do povo
brasileiro na construção de uma nova ordem social, econômica e política para se
alcançar a paz : não há paz sem justiça. Sem esse entendimento, haverá um
recrudescimento das diferentes formas de violência. A sociedade se transformará
em um campo de guerras, de todo tipo, corroendo, cada vez mais, as riquezas do
tecido cultural e histórico que caracterizam o país. A nova ordem a ser buscada
exige o fim da inaceitável situação de injustiça que se escancara na forma de
desigualdades sociais, se desdobrando em miséria, desemprego e indiferença com
os que sofrem.
Conviver com a desigualdade social e tantos outros males, que
são frutos da injustiça, é particularmente vergonhoso para uma nação que tem ‘recursos de sobra’, bem mais que o
suficiente para edificar e manter uma sociedade justa. Diante de tantas
possibilidades, percebe-se que a grave situação atual, de desigualdade, não é ‘obra do acaso’. As análises históricas
mostram que é opção deliberada, emoldurada pela incompetência de muitas
pessoas. E o resultado é a injustiça que compromete a paz.
Assim, eis a tarefa ética que é da Igreja e de todos os que
vivem os compromissos da fé: cada pessoa precisa guiar a própria vida a partir
dos ensinamentos de Jesus Cristo com a urgente e laboriosa missão de não se
omitir diante dos problemas sociopolíticos atuais. A desigualdade social e
outros males evidenciam a carência generalizada de iluminação ética. Por isso,
muito além de interesses partidários e grupais, o que deve ser priorizada é a
dimensão ético-moral. Cuide-se, assim, para que igrejas não se tornem
instrumentos para ações de partidos políticos. Em vez disso, devem contribuir
substantivamente para as indispensáveis transformações necessárias neste momento.
A Igreja é desafiada, sempre à luz de princípios do Evangelho, a
auxiliar os diferentes segmentos sociais na adoção de critérios mais
consistentes na elaboração de planejamentos, iniciativas e reformas. Daí a
necessidade de debates, reflexões, para qualificar projetos e possibilitar
escolhas inteligentes, capazes de impulsionar a sociedade rumo a um futuro
melhor. A história mostra que não é possível avançar quando se tem apenas
propostas demagógicas, como tantas que já induziram a população a opções ruinosas.
Por isso, temas de reconhecida importância para o país precisam ser debatidos,
com abertura, para alcançar entendimentos, a partir da participação de todos.
Esse exigente e complexo processo requer um sentido pleno de
justiça, alcançado a partir da conduta cidadã que deve nortear cada pessoa, em
todas as instâncias – de governos e parlamentos ao mundo empresarial, das
instituições religiosas aos campos da cultura, arte, ciência e tecnologia.
Afinal, em construção está a paz que é tão preciosa para a sociedade. E essa
construção é uma obra de justiça e de amor.
O compromisso com a justiça é caminho que leva ao integral
restabelecimento da ordem moral e social, tão ferida. Diz o profeta Isaías,
apontando caminhos novos para o povo, que a paz é obra da justiça. E há de se
reconhecer que a justiça é uma virtude moral, a garantia legal que vela sobre o
respeito a direitos e deveres. Essa virtude é enfraquecida quando posturas
ideológicas contaminam interpretações, pessoas passam a considerar somente o que
interessa aos seus próprios grupos. Por isso, importante e urgente é
fazer com que a prática da justiça seja mais abrangente. Ultrapasse a dinâmica
comum aos tribunais para se tornar compromisso cotidiano de cada cidadão.
Quando atitudes - simples ou com impacto mais amplo no contexto social - são
pautadas pelos parâmetros da justiça, há uma efetiva contribuição para o
restabelecimento da ordem social e política que equilibra as relações de um
povo.
O brasileiro convive com uma lista enorme de metas e compromissos
a serem efetivados. Entre as necessidades, está a urgente responsabilidade de
debelar a miséria. Essa situação triste e tantas outras igualmente lamentáveis
são produtos da injustiça, alimentada pela ganância sem limites e pela
mesquinhez. Combater a pobreza é, pois, um compromisso determinante que precisa
da força da justiça – capaz de equilibrar o exercício de direitos e deveres.
Somente a justiça, instrumento para a construção da paz, pode
reconfigurar fundamentalmente as posturas que geram desequilíbrio social e
submetem grande parte da população a agressões à sacralidade da vida humana.
Assim, a inteligência normativa que busca garantir o funcionamento justo da
sociedade precisa ser fecundada pela lucidez de princípios sólidos, não
imediatistas e utilitaristas. Investir na justiça é imprescindível para a
conquista da paz.’
Fonte :
Nenhum comentário:
Postar um comentário