*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘A responsabilidade de conduzir a própria vida
reconhecendo-a como dom de Deus é muito séria e desafiadora. Uma tarefa que
contempla responsabilidades profissionais, familiares e cidadãs. Pensar e
julgar, de modo adequado, está entre os maiores desafios existenciais. O
apóstolo Paulo, em sua carta aos Romanos, mostra que superar dinâmicas viciadas
e obscuras nos modos de pensar e julgar é ‘regra
de ouro’. Um desafio a ser assumido por todos. Afinal, o exercício de
pensar e julgar determina procedimentos e escolhas que norteiam o conjunto da
vida, a competência para superar crises e encontrar novas respostas para os
desafios cotidianos.
Frequentemente, esse exercício está emoldurado de maneira rígida
por certa mentalidade vigente. Por isso mesmo, há dificuldade para admitir
a necessidade de transformações no próprio modo de pensar e julgar. A tendência
é a cristalização - com pouca abertura para o diferente, para outras
perspectivas que ensejem novas percepções. Perde-se, consequentemente, a
oportunidade para enriquecer a própria vida, conhecer mais e amadurecer a
mundividência. Na sociedade brasileira, o preço que se paga por esse
aprisionamento à mentalidade vigente é a carência de novos líderes, além da
falta de credibilidade que se desdobra no caos político. Repetem-se
esquemas e dinâmicas porque não há amplo engajamento em um permanente processo
de renovação existencial.
É verdade que a capacidade para pensar e julgar, discernir e
escolher, depende das próprias vivências, da influência cultural, familiar e de
muitas instituições. Mas, acima de tudo, esse processo é uma experiência
eminentemente espiritual. Sem reconhecer a importância da espiritualidade, a
tendência é se encastelar nas próprias convicções, sem a necessária
disponibilidade para permanentemente reavaliá-las. São perpetuados vícios e
modos equivocados de lidar com problemas que exigem soluções urgentes.
Tudo se torna mais difícil.
Quando a
dimensão espiritual não ilumina a capacidade de pensar e julgar, as pessoas se
prendem à mediocridade. Não conseguem proporcionar às suas instituições o fôlego da
renovação. Em vez disso, ganham espaço a corrupção, a mesquinhez e a ganância
sem limites. Desconsidera-se a sabedoria que alimenta a lucidez. É fácil
constatar que a carência de novos modos de pensar e julgar é problema comum a
governantes, líderes e muitas pessoas que integram o contexto social.
Gente que apresenta um discurso articulado, mas que se revela equivocado do
ponto de vista ético-moral. Homens e mulheres que não se valem de critérios
que objetivam o bem, a justiça e a paz para interpretar, discernir e
fazer escolhas.
Investir na espiritualidade é imprescindível. Porém, o momento
em que todos vão reconhecer a importância da espiritualidade na fecundação de
novos modos de pensar e julgar é realidade distante. Isso porque a
cristalização de convicções obsoletas perpetua, nos indivíduos, sentimentos
ruins. Ora, ao se reconhecer que a espiritualidade é fundamental para a saúde
física e mental, deve-se também considerar que a dimensão espiritual tem força
para fazer desabrochar a sabedoria. A espiritualidade permite enxergar até
mesmo o invisível. É um fundamental remédio para romper com os parâmetros
da mediocridade que são hegemônicos na sociedade brasileira.
O segredo para melhorar a realidade não é abraçar
incondicionalmente convicções que já estão cristalizadas, discursos políticos,
partidários e ideológicos. Deve-se conquistar a liberdade que ultrapassa o
apego ao dinheiro, pois a ganância aprisiona consciências. A espiritualidade é
remédio que cura a doença das mentiras e do egoísmo. A dimensão espiritual
alimenta novos modos de pensar e julgar. Todos são convocados para uma
autoavaliação, observando as próprias convicções e formas de ver o mundo. Vale
acolher a orientação espiritual e humanística do Padre José Tolentino, escritor
português : ‘Que os nossos olhos, feitos
para olhar as estrelas, não morram olhando para os nossos sapatos’.’
Fonte :
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