Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
protestante,
é mestre e doutorando em
teologia
pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando
em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado
em matemática e graduando em filosofia pela UFMG
‘Ouve, ó Israel. Essa é a forma com que se inicia o chamado de
Deus para que seu povo o obedeça e siga seus caminhos. Assim, a comunidade de
Israel, antes de seguir adiante em sua peregrinação e ir ao encontro de seus
inimigos, é chamada a ouvir a voz do seu Libertador.
Jesus, um judeu que viveu na Palestina no século I, entendeu
muito bem essa característica de ouvir. Em toda sua caminhada relatada nas
narrativas evangélicas, percebe-se a atitude de um homem que ouve e responde
àquilo que seu Pai lhe diz.
O Cristianismo, que nasce a partir da experiência dos discípulos
com a pessoa de Jesus, diversas vezes ao longo de sua história perdeu essa
característica da audição, tornando-se uma religião menos disposta a ouvir e
mais disposta a falar. Após se constituir como religião hegemônica no Ocidente,
a atitude de falar antes de ouvir e dar respostas a perguntas não feitas se
mostraram marcantes nessa religião que nasceu, ironicamente, de uma outra, que
tem a audição como base para o cumprimento daquilo que se considera a vontade
divina.
Com esse tipo de atitude, as outras vozes passaram a ser desnecessárias,
errôneas e, em alguns casos, até mesmo consideradas indignas de serem ouvidas. Afinal,
para esse Cristianismo, Deus não estava mais no caminho de peregrinação junto
ao seu povo e de sua Criação, mas havia se instalado dentro de uma estrutura fechada
e somente falava a partir dela. Em outras palavras, um Deus que se mostra como
peregrino se transformou em um Deus monarca que se assenta em seu trono e
governa somente de lá.
Mesmo com algumas renovações trazidas por meio da Reforma
Protestante e, séculos mais tarde, pelo Concílio Vaticano II, ainda é possível notar um Cristianismo que fala demais, ouve de
menos e, em muitas situações concretas, age menos ainda.
Diante desse cenário, recuperar a característica da audição é
uma tarefa imprescindível para o Cristianismo atual. Este deve estar disposto a
abrir os ouvidos para o clamor dos marginalizados e explorados por um sistema
que subjuga os pobres e privilegia os ricos, bem como abrir-se na disposição de
escutar os grupos minoritários que demandam que seus direitos sejam garantidos
e, a partir dessa audição, lutar pelas causas que ferem a dignidade humana.
Para que essa luta em favor dos desfavorecidos aconteça, é
salutar que o Cristianismo ouça primeiro e, somente após ouvir atentamente a
demanda que o outro possui, diga e faça algo que possa gerar vida e trazer
alívio para o demandante. Dizendo de outro modo, é necessário, mais do que
nunca, que os cristãos e cristãs atuais sejam pessoas sábias que consigam
discernir o momento certo de ouvir, falar e agir, reconhecendo que a pregação
das Boas Novas anunciadas nos Evangelhos também se mostra por meio de um ouvir
atento e acolhedor.
Em um mundo em que cada um/a quer ter sua voz ouvida de
qualquer maneira, estar entre aqueles e aquelas que estão dispostas a ouvir
atentamente se mostra como algo subversivo. Estaria o Cristianismo atual
disposto a ouvir o chamado à audição?’
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