quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Chamados a ouvir


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Artigo de Fabrício Veliq,
protestante, é mestre e doutorando em
teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG


Ouve, ó Israel. Essa é a forma com que se inicia o chamado de Deus para que seu povo o obedeça e siga seus caminhos. Assim, a comunidade de Israel, antes de seguir adiante em sua peregrinação e ir ao encontro de seus inimigos, é chamada a ouvir a voz do seu Libertador.
Jesus, um judeu que viveu na Palestina no século I, entendeu muito bem essa característica de ouvir. Em toda sua caminhada relatada nas narrativas evangélicas, percebe-se a atitude de um homem que ouve e responde àquilo que seu Pai lhe diz.
O Cristianismo, que nasce a partir da experiência dos discípulos com a pessoa de Jesus, diversas vezes ao longo de sua história perdeu essa característica da audição, tornando-se uma religião menos disposta a ouvir e mais disposta a falar. Após se constituir como religião hegemônica no Ocidente, a atitude de falar antes de ouvir e dar respostas a perguntas não feitas se mostraram marcantes nessa religião que nasceu, ironicamente, de uma outra, que tem a audição como base para o cumprimento daquilo que se considera a vontade divina.
Com esse tipo de atitude, as outras vozes passaram a ser desnecessárias, errôneas e, em alguns casos, até mesmo consideradas indignas de serem ouvidas. Afinal, para esse Cristianismo, Deus não estava mais no caminho de peregrinação junto ao seu povo e de sua Criação, mas havia se instalado dentro de uma estrutura fechada e somente falava a partir dela. Em outras palavras, um Deus que se mostra como peregrino se transformou em um Deus monarca que se assenta em seu trono e governa somente de lá.
Mesmo com algumas renovações trazidas por meio da Reforma Protestante e, séculos mais tarde, pelo Concílio Vaticano II, ainda é possível notar um Cristianismo que fala demais, ouve de menos e, em muitas situações concretas, age menos ainda.
Diante desse cenário, recuperar a característica da audição é uma tarefa imprescindível para o Cristianismo atual. Este deve estar disposto a abrir os ouvidos para o clamor dos marginalizados e explorados por um sistema que subjuga os pobres e privilegia os ricos, bem como abrir-se na disposição de escutar os grupos minoritários que demandam que seus direitos sejam garantidos e, a partir dessa audição, lutar pelas causas que ferem a dignidade humana.
Para que essa luta em favor dos desfavorecidos aconteça, é salutar que o Cristianismo ouça primeiro e, somente após ouvir atentamente a demanda que o outro possui, diga e faça algo que possa gerar vida e trazer alívio para o demandante. Dizendo de outro modo, é necessário, mais do que nunca, que os cristãos e cristãs atuais sejam pessoas sábias que consigam discernir o momento certo de ouvir, falar e agir, reconhecendo que a pregação das Boas Novas anunciadas nos Evangelhos também se mostra por meio de um ouvir atento e acolhedor.
 Em um mundo em que cada um/a quer ter sua voz ouvida de qualquer maneira, estar entre aqueles e aquelas que estão dispostas a ouvir atentamente se mostra como algo subversivo. Estaria o Cristianismo atual disposto a ouvir o chamado à audição?’


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