*Artigo
de Marcello Neri,
teólogo e padre italiano,
professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha
‘O debate promovido pelo site Settimana News sobre
a teologia, sobre a sua capacidade de destinação no nosso tempo e na Igreja
Católica, que Francisco vai imaginando para além das fronteiras às quais todos
estávamos tranquilamente acostumados, ainda está em andamento. Pensado como
abertura entre mundos e gerações diferentes entre si, seria bom se ele pudesse
continuar sem saber bem quando chegará à conclusão. Será o próprio caminho
empreendido que ditará os ritmos de um discernimento em vista de uma decisão.
Pontos críticos
Neste espaço aberto, em que se inseriram sensibilidades
teológicas, perspectivas pastorais e aspirações geracionais não homogêneas
entre si (mas este é precisamente o sentido do próprio debate), parece-me que
chegou o momento de pôr sobre a mesa da discussão alguns elementos críticos
estruturais da obra teológica na contemporaneidade. Pensar criticamente o saber
da fé significa honrar a sua própria razão de ser na comunidade dos discípulos
e das discípulas do Senhor.
Comunidade que não vive para si mesma, mas está desde sempre
destinada às muitas exterioridades do mundo e da vida comum dos homens e das
mulheres. Não é diferente a tarefa evangélica que pertence à própria teologia.
Ela existe não para falar de si mesma, para encontrar um cantinho de
reconhecimento consolatório cômodo e imediato. Fazer teologia significa, em
primeira instância, cultivar sabiamente a notícia evangélica de Deus na forma
de mediação cultural da fé.
Ela nasce na Igreja e nas vivências de fé que fazem a realidade
da sua presença entre o humano que é comum a todos nós; mas, desde as suas
origens, a teologia nunca se contentou em interromper o seu caminho, uma vez
alcançado o limiar da comunidade cristã. Ao contrário, pensando-se como
acompanhamento da vivência de fé e sua legitimação, nos territórios comuns do
viver humano e nas formas institucionais da sua organização.
Extramuros
Esses limiares, nos seus melhores tempos, sempre foram superadas
por ela para transbordar em dimensões mais amplas do viver e da cultura; sem
temer frequentar territórios externos, pouco conhecidos, talvez até hostis.
Porque é precisamente aqui que é posta à prova a bondade da teologia para a
própria fé. É nas suas capacidades de exterioridade que ela pode se propor à fé
vivida concretamente como um saber que sustenta a sua aventura e que amadurece
culturalmente o seu discernimento sintonizado com o imaginário evangélico de
Deus.
Para poder ser tudo isso também hoje, a teologia pede um sábio
cultivo do tempo. Não pode ser apenas uma aplicação parcial ao lado de muitas
outras, talvez ditadas por urgências contingentes. Se quisermos fazer teologia,
é preciso se dedicar a ela, prontos também para pagar o preço de um trabalho
cotidiano que exige sacrifício e aplicação, além de inteligência.
Profissão teólogo/a : um bem para
a Igreja
Sem um investimento concreto na teologia, ou seja, em homens e
mulheres que podem se dedicar a ela em tempo integral, a Igreja se empobrece,
torna-se dependente na elaboração do seu discernimento cultural do Evangelho e
na adequação do seu juízo de civilização.
A Igreja acaba importando, a esse respeito, em sua própria casa,
vozes e posições que têm muito pouco a ver com o cuidado da fé no tempo
presente e com a incisão evangélica da sua palavra nas vivências dos nossos
contemporâneos. Ela corre o risco de ir em busca de ideologias muito distantes
da tarefa que o Senhor lhe confiou, apenas porque, nelas, se ilude de encontrar
uma espécie de margem que a confirma e a tranquiliza.
Não é possível ser teólogo ou teóloga e fazer mil outras coisas
ao mesmo tempo – mesmo que necessárias, talvez até urgentes para uma Igreja
local. O poder de dispersão acabaria existindo, aqui, em detrimento a um
pensamento teológico à altura da própria tarefa. E a própria Igreja local
sofreria com isso, muito além de qualquer solução provisória para situações de
emergência. Ela simplesmente acabaria sendo mais pobre, ficaria sem aquela
amplitude de imaginação e de inteligência que o Evangelho exige dela.
A pastoralidade da teologia
A pastoralidade não é um acréscimo externo à obra teológica, alcançável
fazendo outra coisa, mas sim um habitus, uma sensibilidade de fundo que deve
ser cultivada cotidianamente como responsabilidade eclesial e cultural do
teólogo e da teóloga. Ela nasce da consciência de que cada discurso seu, cada
pensamento seu são dirigidos ao humano que vive concretamente, dentro de uma
história, de um contexto cultural, de uma conjuntura de época. Na falta disso,
pode-se fazer talvez academia, mas não teologia.
E é precisamente em nome de uma pastoralidade assim entendida
que o teólogo e a teóloga se opõem a esgotar a sua obra e a sua paixão nas
questões caseiras, por mais importantes que possam ser. O seu olhar deve ir
além delas, dirigindo-se constantemente às condições daquele tempo histórico ao
qual o Deus de Jesus deseja ser efetivamente contemporâneo. A teologia deve ser
adequadamente familiar a essas condições do tempo; ou, melhor, deve saber se
dizer justamente nelas, em toda a sua exterioridade em relação ao cotidiano da
comunidade cristã.
Uma necessidade pública de teologia
Grande parte da teologia europeia parece estar em dificuldade
diante do aprendizado dessa familiaridade, desse cultivo de um movimento nas
exterioridades da cultura, do saber, da socialidade humana.
E continua sendo produzida como mundo fechado em si mesmo, sem
porosidades nem contaminações. Impedindo-se, desse modo, de aprender o léxico
elementar do homem e da mulher que vivem concretamente. Acabando por falar uma
linguagem esotérica e alheia para a própria experiência da fé.
Para o sucesso desse itinerário de aprendizado, não basta abrir
as portas das faculdades teológicas ou dos congressos a colegas de disciplinas ‘laicas’
(um artifício com o qual tentamos prover muitas das nossas atividades), se,
depois, tudo para por aqui, se, depois, então o monopensamento teológico não se
encontra posto em discussão por essa fugaz hospitalidade convencional. A
frequência com as exterioridades do saber deve se tornar forma mentis interna
da própria obra teológica.
E também não basta uma inserção da teologia na universidade
pública, se ela for pensada como solução mágica para uma representação do saber
da fé no espaço frequentado por todos. É claro, algo do gênero pode fazer bem
para a teologia, mas, por si só, não é capaz de romper a autorreferencialidade
que a caracteriza.
Isso poderia funcionar, se ela nos obrigasse a um radical
repensamento do currículo teológico, da sua configuração e da sua destinação.
Se, em suma, fôssemos capazes de nos perguntar e de responder à pergunta : ‘Qual
teologia no espaço público da socialidade humana de todos?’.
Mas, diante dessa pergunta, parece surgir apenas um grande
silêncio, uma falta de imaginação e liberalidade em favor de uma
circulação mais ampla da res teológica, de tão acostumados que estamos a
geri-la entre nós, grupo de iguais que se espelham uns nos outros – seja qual
for a nossa colocação nas muitas, e muitas vezes inúteis, disputas eclesiais
que sugam todas as energias que temos à disposição.
Falta-nos o léxico mínimo, até mesmo em nível mental, para
arrastar a teologia ao espaço público da coexistência civil, precisamente no
momento em que esta última evidencia não apenas uma abertura de fundo, mas
também a urgente necessidade de teologias que sejam exercidas justamente lá. A
abertura dessa janela, dadas as transformações e os desafios que a
esfera civil europeia se vê enfrentando neste momento, não é por tempo
indeterminado e ilimitado. É agora, aqui, com condições precisas.
Transversalidade
O hábito de cultivar a teologia em âmbitos nos quais os seus
códigos são imediatamente inteligíveis e não requerem uma reconfiguração da sua
arquitetura geral corre o risco de torná-la incapaz de aproveitar essa
oportunidade que se escancara diante dela.
Corresponde a isso uma visão quase infantil, por parte da
chamada academia secular dos saberes, da obra teológica; ignorante não só
daquilo que a teologia produziu nos últimos 20 anos, mas também atestada em uma
compreensão totalmente inadequada das figuras teológicas fundamentais no seu
desenvolvimento histórico.
Na encruzilhada dessa dupla fraqueza, corre o risco de se
queimar, antes ainda de poder lhe dar alguma forma adequada, a exigência de um
alargamento público de amplo alcance da presença das teologias no contexto
contemporâneo da Europa.
O paradoxo é que não faltam teólogos e teólogas que seriam
capazes de corresponder a essa oportunidade (um verdadeiro sinal dos tempos, eu
diria), mas a sua habilidade e competência na concepção de percursos para um ultrapassamento
público do saber teológico ao âmbito mais amplo da esfera civil da cultura e da
socialidade europeia encalham, de partida, diante das formas estruturais e
institucionais vigentes dentro das quais eles exercem a sua profissão.
Portanto, é preciso idealizar percursos de planejamento a longo
prazo, capazes de convocar em torno de temas específicos, atuais e transversais
as várias disciplinas do saber, que permitam desbloquear a condição das
teologias do impasse em que se encontram neste momento. Imaginando, por todo o
tempo que seja necessário, uma distinção, o mais dialógica possível, entre a
didática e a pesquisa teológica.
Mas isso não será possível sem uma correspondente mudança de
mentalidade e de modus operandi por parte dos próprios teólogos
e teólogas, na consciência de que só o abandono do terreno seguro no qual eles
continuam se movendo será capaz de delinear a legitimidade pública e civil da
sua obra.’
IHU/
Settima News - Tradução: Moisés Sbardelotto
Fonte :
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