*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘Estas preciosas quatro semanas que precedem a celebração do
Natal, o Advento, têm na força da Palavra de Deus um convite a cada ser humano
para se renovar. No Advento, ecoa forte a voz do profeta Isaías, que apresenta
esse convite a partir de metáforas interpelantes. Conforme anuncia o profeta, o
povo, ao afastar-se da luz de Deus-Pai, torna-se ‘pano sujo’, ‘folha seca’.
Com isso, a humanidade sofre, convive com retrocessos e prejuízos. Assim, o
Advento é uma ‘oportunidade de ouro’
concedida por Deus para que a humanidade reflita sobre suas desconexões.
Na perspectiva espiritual, essas desconexões são os pecados. Já
no que se refere ao exercício da cidadania, relacionam-se com as incivilidades,
desrespeito ao bem comum, à verdade e à justiça social. Invariavelmente, quando
o ser humano se desconecta da luz de Deus, perde a paz. Para recuperá-la, cada
pessoa deve engajar-se nas dinâmicas que façam nascer uma nova consciência
moral, com incidência sobre a conduta individual, no poder público, nas
instituições, nas famílias.
O Advento é oportunidade para se conectar novamente com a luz de
Deus, inspirando cada pessoa a reconhecer que não basta buscar somente os ‘lugares confortáveis’, obter títulos,
benesses e ganhos financeiros. O egoísmo incapacita as pessoas para
estabelecerem conexões e as mantêm aprisionadas na faixa que gera desconexões.
Essa inércia alimenta a corrupção, os desmandos, a indiferença, a mesquinhez,
comprometendo a vida cidadã. O tratamento terapêutico e penitencial da atual
condição humana, que compromete a paz, pede a reconfiguração das instituições e
suas dinâmicas. Requer também investimentos na qualificação de processos
socioculturais, educativos e da comunicação. É preciso, sobretudo, reconhecer a
sacralidade das famílias. Para isso, cada pessoa precisa confrontar a própria
consciência e se abrir ao Advento de conexões.
Urge, pois, uma reconfiguração nas mentalidades para alcançar as
grandes mudanças que a sociedade demanda. Essas transformações significativas,
quando ocorrem, são muito lentas, exatamente pela dificuldade individual em
produzir e gerenciar as conexões imprescindíveis ao adequado exercício da
cidadania. Desse modo, é indispensável sair da comodidade buscar a renovação
pessoal necessária para assumir a responsabilidade na tarefa de transformar o
mundo.
As desconexões que produzem ‘cegueira’
diante dos graves problemas sociais geram situações que enfraquecem as
instituições. Sabe-se amplamente da existência de processos e procedimentos que
comprometem a saúde financeira, a lisura moral, o cumprimento de metas. Mais
preocupante ainda é o vício de indivíduos em buscar apenas ganhos pessoais, em
seguir as leis do carreirismo, querendo alcançar posições hierárquicas mais
elevadas, a qualquer custo. Há ainda um desajuste na gestão das instituições.
Por preferir não lidar com os que já se consolidaram em suas comodidades, esse
tipo de gestão condena a instituição a transitar entre a mediocridade e a
conivência. Essa incompetência humana para relacionar-se com o próximo e com a
própria realidade é claro sinal da desconexão com Deus.
É lamentável quando um indivíduo tem sólida formação intelectual
e técnica, mas mantém uma condição afetivo-espiritual acanhada.
Inevitavelmente, essa pessoa produzirá desconexões em série. Ao contrário, as
várias áreas do conhecimento – a exemplo da neurociência e dos estudos da
psicogenética – devem servir para apontar caminhos que possam ajudar no
processo de renovação pessoal, tão necessário para evitar que a sociedade seja
marcada pela delinquência e mediocridade.
O cérebro humano tem um número de conexões sinápticas que, em
quantidade, se assemelham às dimensões de uma galáxia. Cada pessoa guarda no
coração sentimentos que definem modos de agir e de perceber o mundo. Todos
precisam reconhecer o próprio potencial para despertar e engajar-se em novos
processos de qualificação humana e espiritual. Se cada cidadão não abrir seus
próprios olhos para as muitas desconexões, a humanidade ficará ainda mais
semelhante a um ‘pano sujo’ ou ‘folha seca’, bem diferente do plano de
Deus. A mudança começa pelo humilde compromisso de bater no próprio peito,
assumir responsabilidades, e exercitar a difícil tarefa de se observar.
Para ajudar cada pessoa a reconhecer-se como importante na
transformação do mundo, a respeitar e a amar o seu semelhante, resgatando a
dignidade humana, é que o Filho de Deus vem, nasce e entra na história, com o
paradigma de sua encarnação : um broto de esperança para o mundo, Advento de
conexões.’
Fonte :
Nenhum comentário:
Postar um comentário