*Artigo
de Goffredo Boselli,
monge e liturgista da Comunidade Monástica de Bose (Itália)
‘Devido às suas raízes bíblicas e desde suas origens pascoais, a
fé cristã não foi somente professada, testemunhada e vivenciada, mas também
celebrada. Isso quer dizer que não pode haver uma fé confessada que não seja ao
mesmo tempo fé celebrada pela comunidade cristã por meio das palavras, gestos,
linguagem, tempo e espaço gerados pelo encontro entre a palavra de Deus e da fé
da Igreja.
A fé celebrada é a fé orada, é a fé alimentada pelo Corpo de
Cristo que é o Evangelho e a Eucaristia, a fé professada juntamente com os
irmãos e irmãs, é a fé zelada pela comunidade na forma da comunhão e do
compartilhamento. A fé unicamente professada, mas não comemorada, reduz-se a
mero conhecimento e acabe se endurecendo em doutrina. A fé unicamente
testemunhada, mas não comemorada, assume o tom de propaganda e o estilo do
proselitismo. A fé unicamente vivenciada, mas não comemorada, é destinada, em
longo prazo, a se transformar em simples moral, em simples compromisso social e
promoção humana. Celebrar significa trazer a vida de fé para a sua fonte única
e inesgotável, que é a escuta da palavra de Deus e a epiclese do Espírito
Santo. Somente a Palavra e o Espírito vivificam o mistério pascal que não é só
a morte e a ressurreição, mas toda a vida do Filho.
O vasto tesouro das tradições
litúrgicas
Não é, portanto, possível comunicar o conteúdo da fé ao homem e
a mulher de hoje, sem introduzir ao crente o significado e o valor da
celebração da fé. Nunca será autêntica iniciação na fé aquela que não sabe
preparar também à celebração da fé.
Mas como foi possível pensar em proclamar a boa vida do
Evangelho sem afirmar o papel decisivo da liturgia na transmissão da fé? Sem
mencionar que é nos sacramentos que a bondade do Evangelho toma forma, a fim de
se tornar vida vivenciada? Para um grande Padre da Igreja, como Clemente de
Alexandria, os não iniciados nos mistérios, ou seja, os crentes que não sabem
celebrar a própria fé, se assemelham aos que na dança não acompanham a música.
O Catecismo ainda hoje, vinte e cinco anos depois, continua a ser o ponto mais
maduro e avançado do ensinamento da doutrina católica sobre a liturgia. A
catequese litúrgica que ele oferece representa um importante crescimento da
inteligência do sentido da celebração do mistério.
Isso é especialmente por causa da qualidade evangélica e pelo
genuíno espírito cristão expressos pelo ensinamento litúrgico do Catecismo,
pelo tributo bíblico e patrístico que o atravessa, por sua busca constante no
vasto tesouro das tradições litúrgicas orientais, valorizando a riqueza da
liturgia romana renovada pelo Vaticano II.
O Catecismo combina fidelidade à grande tradição litúrgica
cristã com a capacidade de expressar o sentido e o valor da celebração do
mistério no hoje da Igreja e do mundo. A renovação litúrgica desejada pelo
Concílio Vaticano II e implementada na vida das Igrejas locais e nas páginas
Catecismo atingiu a maturidade teológica e espiritual completa.
A autoridade doutrinária singular que o Catecismo possui faz de
todo o seu conteúdo um ponto de não retorno na compreensão do mistério da
liturgia. E, ao mesmo tempo, uma referência particularmente conceituada diante
de todo eventual questionamento dos princípios teológicos que são a base da
renovação litúrgica realizada pela Igreja desde o Concílio. Da mesma forma, é
uma base sólida e indispensável para a renovação litúrgica dos próximos anos. O
Catecismo ensina a fé da Igreja em sua liturgia, enquanto crer na Igreja, como
se professa no Símbolo de fé, também significa crer na liturgia que ela
celebra. O ensino litúrgico do Catecismo declara imediatamente o seu estilo
pedagógico : ‘Esta catequese fundamental
sobre as celebrações sacramentais responde às primeiras perguntas que os fiéis
fazem sobre o assunto : quem celebra? como celebrar? quando celebrar? onde
celebrar?’ (1135).
‘A assembleia celebrante’
A escolha do Catecismo de expor o ensino da liturgia na forma de
respostas a quatro perguntas simples apresentadas pelos fiéis, não só define a
escolha precisa da mistagogia como método de catequese, mas transforma o Catecismo
em um verdadeiro Mistagogo e, portanto, para aqueles que dele se aproximam,
iniciados nos santos mistérios. Essa inequívoca opção entre as várias
possíveis, revela e, ao mesmo tempo, chancela a consciência da íntima conexão
entre liturgia e catequese, própria não só da tradição patrística, mas já
visível nas mesmas Escrituras Sagradas desde o evento cujo memorial fundamenta
todo o ritualismo judaico e cristão : a Páscoa.
Como exemplo da pedagogia litúrgica do Catecismo, vejamos a
resposta que ele dá à primeira pergunta : ‘Quem
celebra’. A liturgia não é a ação de um, ou alguns, aos quais a comunidade
cristã delega a celebração dos sagrados mistérios, mas ‘é toda a Comunidade, o Corpo de Cristo unido ao seu Chefe, que celebra’
(1140); ‘a assembléia que celebra é a
comunidade dos batizados’ (1141), em nome do sacerdócio comum de Cristo, no
qual todos os seus membros participam. Apontando, portanto, o serviço essencial
e exclusivo representado para a comunidade pelos ministros ordenados, que ‘operam na pessoa de Cristo-Chefe, para o
serviço de todos os membros da Igreja’ (1142), o Catecismo formula uma nova
e audaciosa expressão : ‘Toda a
assembléia é ‘o liturgista’’ (1144).
Diante da resistência ao uso da expressão ‘assembleia celebrante’ - também objeto de explícitas proibições - o
Catecismo vai muito além ensinando que não só a comunidade cristã é ‘sujeito integral da ação litúrgica’
(como o título de um famoso artigo de Congar), mas que a comunidade reunida em
assembleia não é só plenamente sujeito da celebração litúrgica, mas é ela mesma
liturgia enquanto Ecclesia congregada.
Se a promulgação do Catecismo de 11 outubro de 1992, trinta anos
depois do Concílio, foi acolhida e reconhecida como um evento particularmente
importante para a vida da Igreja, ainda hoje, vinte e cinco anos depois,
continua a ser uma ferramenta indispensável e decisiva para a transmissão da fé
da Igreja que comporta em si mesma também a transmissão do verdadeiro sentido
da liturgia.’
IHU/ Vita Pastorale – Tradução : Luisa Rabolini.
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1214244/2017/12/a-transmissao-da-fe-nao-pode-acontecer-sem-a-transmissao-do-verdadeiro-sentido-da-liturgia-crista/
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