domingo, 10 de dezembro de 2017

A transmissão da fé não pode acontecer sem a transmissão do verdadeiro sentido da liturgia cristã

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A fé unicamente professada, mas não comemorada, reduze-se a mero conhecimento e acabe se endurecendo em doutrina.
*Artigo de Goffredo Boselli
monge e liturgista da Comunidade Monástica de Bose (Itália)


‘Devido às suas raízes bíblicas e desde suas origens pascoais, a fé cristã não foi somente professada, testemunhada e vivenciada, mas também celebrada. Isso quer dizer que não pode haver uma fé confessada que não seja ao mesmo tempo fé celebrada pela comunidade cristã por meio das palavras, gestos, linguagem, tempo e espaço gerados pelo encontro entre a palavra de Deus e da fé da Igreja.
A fé celebrada é a fé orada, é a fé alimentada pelo Corpo de Cristo que é o Evangelho e a Eucaristia, a fé professada juntamente com os irmãos e irmãs, é a fé zelada pela comunidade na forma da comunhão e do compartilhamento. A fé unicamente professada, mas não comemorada, reduz-se a mero conhecimento e acabe se endurecendo em doutrina. A fé unicamente testemunhada, mas não comemorada, assume o tom de propaganda e o estilo do proselitismo. A fé unicamente vivenciada, mas não comemorada, é destinada, em longo prazo, a se transformar em simples moral, em simples compromisso social e promoção humana. Celebrar significa trazer a vida de fé para a sua fonte única e inesgotável, que é a escuta da palavra de Deus e a epiclese do Espírito Santo. Somente a Palavra e o Espírito vivificam o mistério pascal que não é só a morte e a ressurreição, mas toda a vida do Filho.

O vasto tesouro das tradições litúrgicas
Não é, portanto, possível comunicar o conteúdo da fé ao homem e a mulher de hoje, sem introduzir ao crente o significado e o valor da celebração da fé. Nunca será autêntica iniciação na fé aquela que não sabe preparar também à celebração da fé.
Mas como foi possível pensar em proclamar a boa vida do Evangelho sem afirmar o papel decisivo da liturgia na transmissão da fé? Sem mencionar que é nos sacramentos que a bondade do Evangelho toma forma, a fim de se tornar vida vivenciada? Para um grande Padre da Igreja, como Clemente de Alexandria, os não iniciados nos mistérios, ou seja, os crentes que não sabem celebrar a própria fé, se assemelham aos que na dança não acompanham a música. O Catecismo ainda hoje, vinte e cinco anos depois, continua a ser o ponto mais maduro e avançado do ensinamento da doutrina católica sobre a liturgia. A catequese litúrgica que ele oferece representa um importante crescimento da inteligência do sentido da celebração do mistério.
Isso é especialmente por causa da qualidade evangélica e pelo genuíno espírito cristão expressos pelo ensinamento litúrgico do Catecismo, pelo tributo bíblico e patrístico que o atravessa, por sua busca constante no vasto tesouro das tradições litúrgicas orientais, valorizando a riqueza da liturgia romana renovada pelo Vaticano II.
O Catecismo combina fidelidade à grande tradição litúrgica cristã com a capacidade de expressar o sentido e o valor da celebração do mistério no hoje da Igreja e do mundo. A renovação litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano II e implementada na vida das Igrejas locais e nas páginas Catecismo atingiu a maturidade teológica e espiritual completa.
A autoridade doutrinária singular que o Catecismo possui faz de todo o seu conteúdo um ponto de não retorno na compreensão do mistério da liturgia. E, ao mesmo tempo, uma referência particularmente conceituada diante de todo eventual questionamento dos princípios teológicos que são a base da renovação litúrgica realizada pela Igreja desde o Concílio. Da mesma forma, é uma base sólida e indispensável para a renovação litúrgica dos próximos anos. O Catecismo ensina a fé da Igreja em sua liturgia, enquanto crer na Igreja, como se professa no Símbolo de fé, também significa crer na liturgia que ela celebra. O ensino litúrgico do Catecismo declara imediatamente o seu estilo pedagógico : ‘Esta catequese fundamental sobre as celebrações sacramentais responde às primeiras perguntas que os fiéis fazem sobre o assunto : quem celebra? como celebrar? quando celebrar? onde celebrar?’ (1135).

‘A assembleia celebrante’
A escolha do Catecismo de expor o ensino da liturgia na forma de respostas a quatro perguntas simples apresentadas pelos fiéis, não só define a escolha precisa da mistagogia como método de catequese, mas transforma o Catecismo em um verdadeiro Mistagogo e, portanto, para aqueles que dele se aproximam, iniciados nos santos mistérios. Essa inequívoca opção entre as várias possíveis, revela e, ao mesmo tempo, chancela a consciência da íntima conexão entre liturgia e catequese, própria não só da tradição patrística, mas já visível nas mesmas Escrituras Sagradas desde o evento cujo memorial fundamenta todo o ritualismo judaico e cristão : a Páscoa.
Como exemplo da pedagogia litúrgica do Catecismo, vejamos a resposta que ele dá à primeira pergunta : ‘Quem celebra’. A liturgia não é a ação de um, ou alguns, aos quais a comunidade cristã delega a celebração dos sagrados mistérios, mas ‘é toda a Comunidade, o Corpo de Cristo unido ao seu Chefe, que celebra’ (1140); ‘a assembléia que celebra é a comunidade dos batizados’ (1141), em nome do sacerdócio comum de Cristo, no qual todos os seus membros participam. Apontando, portanto, o serviço essencial e exclusivo representado para a comunidade pelos ministros ordenados, que ‘operam na pessoa de Cristo-Chefe, para o serviço de todos os membros da Igreja’ (1142), o Catecismo formula uma nova e audaciosa expressão : ‘Toda a assembléia é ‘o liturgista’’ (1144).
Diante da resistência ao uso da expressão ‘assembleia celebrante’ - também objeto de explícitas proibições - o Catecismo vai muito além ensinando que não só a comunidade cristã é ‘sujeito integral da ação litúrgica’ (como o título de um famoso artigo de Congar), mas que a comunidade reunida em assembleia não é só plenamente sujeito da celebração litúrgica, mas é ela mesma liturgia enquanto Ecclesia congregada.
Se a promulgação do Catecismo de 11 outubro de 1992, trinta anos depois do Concílio, foi acolhida e reconhecida como um evento particularmente importante para a vida da Igreja, ainda hoje, vinte e cinco anos depois, continua a ser uma ferramenta indispensável e decisiva para a transmissão da fé da Igreja que comporta em si mesma também a transmissão do verdadeiro sentido da liturgia.’

IHU/ Vita Pastorale – Tradução : Luisa Rabolini.


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