*Artigo do Cardeal Dom Orani João Tempesta, O.
Cist.,
Arcebispo Metropolitano de
São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
‘No dia primeiro de janeiro, celebramos a
Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus e, também, o Dia Mundial da Paz. Diante disso,
não podemos nos esquecer, de modo algum, que a mesma Virgem Maria, por quem nos
veio o Salvador, cujo nascimento é celebrado em 25 de dezembro, é também a
Rainha da Paz.
Oito dias antes
desta solenidade, celebramos o Natal: uma criança que nasce, mas não uma
criança a mais, e sim o Filho de Deus feito homem por amor de nós. Pois bem, o
Eterno entrou na História, de modo que, como diz São Paulo, ‘o tempo se fez breve’ (1 Cor 7,29). Não
há mais momento a perder. É preciso trabalhar,
incansavelmente, pela nossa santificação e a dos que nos cercam : Uma alma que
se eleva, eleva o mundo inteiro. O contrário também deve ser real : Uma alma
que se perde arrasta muitos consigo. Peçamos a Deus a graça de estar entre os
que desejam a própria salvação e a dos que nos cercam.
Agora nasce um
Novo Ano cronológico, marcado pela sucessão do tempo : desde os segundos até os
meses que o formam. E esta é a desafiante ligação : no Natal, o Eterno entra na
História e Se faz um de nós; no Ano Novo vem um tempo diferenciado, que nos
convida a fazer de cada minuto o tempo oportuno da graça de Deus, o Kairós. O
tempo é o dom básico para a nossa santificação; é nele que nós nos perdemos ou
nos salvamos. Seja 2017 um ano de muita fé e paz, apesar das tantas
dificuldades que nos cercam, mas com Deus as venceremos! O Novo Ano será bom se
procurarmos corresponder ao Plano de Deus a cada dia. Em meio ao caos do mundo
de hoje, os cristãos são chamados a serem sinais de esperança, pois estamos
alicerçados na fé em Cristo que morreu e ressuscitou e está vivo entre nós.
No dia 1º de
janeiro, celebramos, de modo solene, Santa Maria, a Mãe de Deus. Aqui uma
profunda questão teológica ou mesmo de fé se põe a algumas pessoas : como pode
Maria ser a Mãe de Deus se Ele é eterno, portanto não tem começo nem fim? – A
resposta não é difícil a quem se empenha no estudo e melhor compreensão da
nossa fé – afinal, nunca é demasiado lembrar quanta falta faz uma catequese
séria e continuada de cada homem e mulher batizados, mas não devidamente
evangelizados. Eis a resposta à questão: Deus, na sua eternidade não pode ter
mãe. Ele é o criador incriado.
No entanto, na
plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4), Deus se fez homem e quis – dentre as tantas
formas de vir a este mundo – nascer de uma mulher especial, Maria Santíssima.
Ora, o Senhor Jesus é Deus e Homem verdadeiro, assumiu a natureza humana sem
deixar de ser Deus. Nesse ponto, Maria é Mãe de Deus. Não de Deus em sua
eternidade, mas quando assumiu a nossa humanidade. Atente-se bem : Mãe de Deus
feito Homem, pois a mulher que dá à luz traz a este mundo um ser inteiro.
Portanto, Maria nos trouxe o Homem-Deus ou o Deus-Homem, conforme o ângulo que
se queira vê-Lo.
Em Lucas 1,43, ao
ser saudada por Isabel, parenta de Maria, está lhe diz, de modo claro : ‘De onde me vem a graça de que a Mãe do meu
Senhor (Kyrios) me venha visitar’? Ora, a palavra Kyrios foi a forma que a
chamada ‘Bíblia dos Setenta (LXX)’ traduziu o nome santo e impronunciável
de Deus, IHWH (o tetragrama sagrado), de modo que bem se pode dizer que a Mãe
de Deus visitou Isabel. Aliás, esse título de Maria, como Mãe de Deus
(Theotokos), foi definido como dogma pelo Concílio de Éfeso, em 431, atestando
assim essa fé da Igreja. Se Cristo é Deus e Homem verdadeiro, Maria é também
Mãe de Deus. Tal doutrina, antiquíssima na Igreja, sempre foi mantida, de modo
que até o fim dos tempos celebraremos Nossa Senhora como Mãe de Deus e nossa
Mãe.
Junto a isso,
importa dizer que a Virgem Maria é invocada como a Rainha da Paz, ou seja, a
Mãe do Príncipe da Paz, Jesus Cristo, e que deseja o bem dos Seus filhos. Por ‘Paz’ entendemos a tranquilidade da
ordem, ou seja, cada coisa em seu devido lugar, quer no plano espiritual, quer
no âmbito material. Com falta de confissão sacramental, de Eucaristia, de
oração, de caridade, de misericórdia etc. é muito difícil ou mesmo impossível
ter a paz de alma duradoura. Também no aspecto material, só a correria diária,
a corrupção, a mentira, o empoderamento, as vantagens só para si etc. nunca
trarão paz de consciência.
Afora isso, temos
a guerra ora declarada, ora velada, mas existente entre não poucos países, em
nossos Estados ou nossas cidades, sem que nem sempre se valorize a saúde, a
moradia digna, a educação de qualidade, a segurança adequada pela devida honra
a ser prestada àqueles que, por profissão, mas também poderia se dizer, por
vocação, arriscam suas vidas a fim de salvar as de outros. Aí não pode haver
paz que se prolongue. É nesse contexto, um tanto sombrio, mas permeado pela
esperança cristã, que pedimos à Mãe de Deus e Senhora da Paz para, junto ao seu
Filho Jesus Cristo, interceder por nós, como fez em Caná da Galileia (cf. Jo
2,1-12).
Destaco
importantes eventos marianos deste ano : o Ano Mariano, no Brasil, o centenário
das visões de Fátima, em Portugal, e o tricentenário de Nossa Senhora
Aparecida, em nosso País.
Possa Maria
Santíssima, a Estrela da Evangelização, ajudar-nos a mais e melhor anunciar
Jesus Cristo em todos os recantos desta Nação-Continente. Sejamos, de fato, ‘uma Igreja em saída’, como nos exorta o
Papa, e caminhemos ao encontro de todos aqueles e aquelas que vivem nas
periferias existenciais e geográficas, a fim de lhes dizermos – enquanto Igreja
– como Maria Santíssima, sob o título de Guadalupe, disse no México : ‘Não estou eu aqui que sou tua Mãe’?
Também no dia 13
de maio haverá a comemoração dos 100 anos das chamadas aparições de Nossa
Senhora, em Fátima, a três pastorinhos : Lúcia, Francisco e Jacinta. Em
síntese, nessa revelação particular (cf. o
Catecismo da Igreja Católica n. 67), Maria pediu oração e penitência em
favor da humanidade envolta em perigos.
Com relação aos ‘segredos de Fátima’, vem a interpretação
do então Cardeal Ratzinger, depois Papa Bento XVI, um dos maiores teólogos da atualidade,
a dizer o seguinte : ‘Os diversos
acontecimentos [previstos em Fátima – nota nossa], na medida em que lá são
representados, pertencem já ao passado. Quem estava à espera de impressionantes
revelações apocalípticas sobre o fim do mundo, ou sobre o futuro desenrolar da
História, deve ficar desiludido. Fátima não oferece tais satisfações à nossa
curiosidade, como, aliás, a fé cristã em geral que não pretende nem pode ser
alimento para a nossa curiosidade. O que permanece – dissemo-lo logo ao início das
nossas reflexões sobre o texto do ‘segredo’ – é a exortação à oração como
caminho para a ‘salvação das almas’, e, no mesmo sentido, o apelo à penitência
e à conversão’. Por fim, o Seu Imaculado Coração triunfará (cf. Congregação para a Doutrina da Fé. A
Mensagem de Fátima. www.vatican.va,
acessado em 01/12/15).
Dia 12 de outubro,
encerrando o Ano Mariano e a celebração dos 300 anos do encontro da Virgem
Maria nas águas do Rio Paraíba do Sul, celebraremos, como fazemos todos os anos
e neste de modo especialíssimo, a Solenidade de Nossa Senhora com o título de
Conceição Aparecida.
Sua história é
bela e pode-se dizer que se prende de algum modo ao Evangelho da pesca
milagrosa (cf. Lc 5,4-7), pois em
ambos os casos os peixes só aparecem em tamanha quantidade depois de uma
intervenção divina. No Evangelho, é o próprio Cristo quem fala e, em Aparecida,
é a Sua Mãe quem se manifesta. Ela, que não faz nem mais nem menos do que é a
vontade do Filho. Nada fala com palavras, mas se mostra como a Mulher solícita de
sempre junto aos necessitados. Era o tempo terrível da escravidão e sua cor
relembra isso : em seu Filho somos todos irmãos e irmãs, sem quaisquer
barreiras ou distinções. O Brasil é país da acolhida e da cordialidade, não da
guerra fratricida a dividir pessoas em suas opções políticas ou classes
sociais. Uma separação entre ‘nós e eles’
não pode existir aqui. Não faz parte da nossa cultura nem de nosso espírito
cristão.
Assim o Papa
Francisco rezou em Aparecida por ocasião de sua visita em 2013, quando esteve
no Rio de Janeiro para a Jornada Mundial da Juventude : ‘Mãe Aparecida, como Vós um dia, assim me sinto hoje diante do vosso e
meu Deus, que nos propõe para a vida uma missão cujos contornos e limites
desconhecemos, cujas exigências apenas vislumbramos. Mas, em vossa fé de que ‘para
Deus nada é impossível’, Vós, ó Mãe, não hesitastes, e eu não posso hesitar’.
‘Assim, ó Mãe, como Vós, eu abraço minha
missão. Em vossas mãos coloco minha vida e vamos, Vós-Mãe e Eu-Filho, caminhar
juntos, crer juntos, lutar juntos, vencer juntos como sempre juntos caminhastes
vosso Filho e Vós. Mãe Aparecida, um dia levastes vosso Filho ao templo para
consagrá-Lo ao Pai, para que fosse inteira disponibilidade para a missão.
Levai-me hoje ao mesmo Pai, consagrai-me a Ele com tudo o que sou e com tudo o
que tenho. Mãe Aparecida, ponho em vossas mãos, e levai até o Pai a nossa e
vossa juventude, a Jornada Mundial da Juventude : quanta força, quanta vida,
quanto dinamismo brotando e explodindo e que podem estar a serviço da vida, da
humanidade’.
‘Finalmente, ó Mãe, vos pedimos : permanecei
aqui, sempre acolhendo vossos filhos e filhas peregrinos, mas também ide
conosco, estai sempre ao nosso lado e acompanhai na missão a grande família dos
devotos, principalmente quando a cruz mais nos pesar, sustentai nossa esperança
de nossa fé.’
Nossa Senhora, Mãe
de Deus e nossa Mãe, sob os diversos títulos que sois lembrada, protegei e
amparai o nosso Brasil neste ano de 2017 e sempre. Amém!’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.domtotal.com/noticia/1112692/2016/12/maria-mae-de-deus-e-rainha-da-paz/
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