*Artigo
de Fabrício Veliq,
protestante,
é mestre e doutorando em
teologia
pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando
em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado
em matemática e graduando em filosofia pela UFMG
‘Sou eu
responsável pelo meu irmão? Essa pergunta se encontra no início do livro do
Gênesis (Gn 4:9) e faz parte da narrativa a respeito de Caim e Abel. Ela surge
em resposta a uma outra feita por Deus a Caim a respeito do paradeiro de Abel
que havia sido morto. Embora seja um simples diálogo, ainda hoje ele nos faz
refletir a respeito da nossa relação com nossos irmãos e irmãs. Gostaria de
propor dois aspectos que a resposta de Caim à pergunta feita por Deus nos faz
pensar a respeito da nossa relação com nossa irmandade.
O primeiro,
diretamente ligado à narrativa, tem a ver com a indiferença. A resposta de Caim
denota uma postura indiferente em relação ao seu irmão Abel. Se trouxermos para
nossos dias, isso quer dizer que simplesmente não nos é importante saber aquilo
que acontece com quem está próximo de mim e com minha irmandade que está na
Terra. Dessa forma, tanto faz se quem mora na mesma região que eu passa fome,
tem necessidades, é violentado ou violentada em seus direitos ou em seus
corpos, não tem os filhos e filhas na escola, etc. Se não faz parte do meu
convívio e se não tem minha amizade, então, simplesmente, não preciso fazer
nada para ajuda-los ou me importar, verdadeiramente, com eles. Basta passar a
ideia de alguém engajado com justiça social e equidade de todos nas redes
sociais para me ver como alguém que realmente se importa com todos. Em um mundo
virtual, em que ações efetivas tem se tornado cada vez mais raro, passar a
impressão de que se é alguma coisa se torna mais importante do que realmente
ser aquilo que se fala. Porém, ao fazermos isso, não estamos simplesmente dando
a mesma resposta que Caim deu com uma pitada de hipocrisia? No final, nossa
atitude continua a mesma a de Caim com relação à Abel, seu irmão.
O segundo,
trazendo de uma maneira interpretativa da atualidade, tem a ver com o
julgamento que fazemos em relação àqueles e àquelas que pensam diferente de
mim. Não dificilmente, ouvimos pessoas dizerem frases do tipo sempre que algum
escândalo acontece : ‘não tenho nada a
ver com isso’; ‘eu, ser igual a
esses? Jamais’; ‘Que eu tenho a ver
com essa pessoa que faz isso?’; ‘Eu
jamais faria algo assim’, dentre diversas outras que poderíamos listar e,
com certeza, seria do mesmo teor. Ao fazermos isso, nos colocamos em posição de
julgamento em relação ao nosso irmão sem reconhecermos que também seríamos
capazes de cometermos os mesmos atos que esse cometeu. Dessa forma, a pergunta
de Caim, se tomada em seu sentido justificador, nos coloca não como
indiferentes, antes, como superiores em relação ao nosso irmão ou irmã.
Qual o perigo
disso? O perigo está, justamente, ao nos considerarmos fortes o suficiente para
não sucumbir às tentações e nos transformamos nos monstros que combatemos. Se
observarmos bem, transformarmos nos monstros que combatemos é o que mais
acontece em cenários atuais. Basta vermos que os que mais condenavam a
corrupção têm se revelado pertencerem aos mais corruptos, os que mais
condenavam os homossexuais se revelaram, com o passar do tempo, também
homossexuais, os que condenavam veemente a teologia da prosperidade se
transformaram em um de seus pregadores e a lista segue indefinidamente.
Nisso tudo, o que
é importante de percebermos é que, quanto mais nos colocarmos como aqueles que
dizem : ‘que tenho eu a ver com meu irmão?’
maior será a probabilidade de, dadas as circunstâncias propícias, nos tornarmos
naquilo que condenamos. Assim, reconhecermo-nos como capazes do mal em sua pior
forma é, talvez, a maneira mais sábia de nos tornarmos pessoas mais humanas.
Como disse Paulo : ‘quando sou fraco, aí
que sou forte.’ (2 Co 12:10).
Estejamos sempre
atentos para que nosso olhar em relação ao nosso próximo não se encaixe em
nenhum desses, antes, que seja um olhar que reconheça a importância e também se
reconheça nas dificuldades e fracassos que todos e todas passamos ao longo da
vida. Assim, no lugar da indiferença surgirá um importar verdadeiro e no lugar
do julgamento, a misericórdia entre nós que somos todos iguais.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.domtotal.com/noticia/1117554/2017/01/sou-eu-o-responsavel-por-meu-irmao/
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