quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Jibuti : O pregador do deserto

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Sebastián Ruiz-Cabrera,
Jornalista


‘A história de como este padre norte-americano de quase dois metros de altura se tornou vigário-geral do Jibuti, em África, tem duas explicações. Ambas começam em Detroit. Uma, as orações provindas das mesquitas que faziam vibrar a sua curiosidade. A segunda, o contexto do seu trabalho como engenheiro na indústria automóvel. «Eu trabalhava com muçulmanos. E sempre me tocou a questão da paz no Médio Oriente. Como americano típico, pensava que com projetos e com escolas íamos mudar o mundo... Depois de uma confissão, percebi que o problema não radicava aí. Essas opções podem ajudar, mas as respostas encontram-se nas profundezas dos nossos corações. É necessário reconciliar-nos com Deus», conta Mark Desser.

A sua aproximação à fé católica teve muito que ver com a sua mãe. Ele foi o penúltimo de 17 irmãos. «A minha mãe rezava para que pelo menos um fosse padre. E o Senhor ouviu os seus pedidos depois de tanto tempo», diz, sorrindo.


Pregando no deserto

Depois da etapa de discernimento vocacional em Detroit, abriram-se para Mark Desser novas portas. «Estive na Espanha e depois no Peru durante três anos e meio, com os Servos dos Pobres, mas o amor aos muçulmanos estava no meu coração e eu não conseguia apagá-lo; tinha de continuar à procura. Essa busca levou-me a França, a uma paróquia onde tinha de evangelizar porta a porta

Desser continuou a rezar para discernir a sua encruzilhada. E depois de muita oração, percebeu que «o Senhor queria que fosse missionário num país muçulmano. Li uma carta de D. Giorgio Bertin, bispo do Jibuti, que implorava sacerdotes. Não demorei sequer meia hora a obter o seu número de telefone».

Não sabia nada acerca do Jibuti, mas «como dizia S. João da Cruz, o que faz falta no mundo são missionários de misericórdia, homens e mulheres portadores da graça de Deus em contextos onde não a há», afirma, sublinhando que «o resto não importa».

Era a sua primeira vez em África e Desser lembra o que lhe toca a alma : «Reencontrar-me com o mundo muçulmano, com o chamamento para a oração às quatro e meia da manhã, e encontrar a igreja no meio desta turbulência, encontrar esta jóia no meio do deserto, é muito bonito!» E nisto evoca outra figura que, além do místico espanhol S. João da Cruz, lhe ilumina o caminho : Charles de Foucauld, «um bem-aventurado que levou uma vida apaixonante entre os muçulmanos».


Educação e desenvolvimento

O Jibuti está situado num lugar estratégico. Domina a entrada para o Corno de África, mas também as águas entre o mar Vermelho e o golfo de Áden. Com 830 mil habitantes e uma área de 23 200 quilómetros quadrados, é uma nação pequena, mas muito cosmopolita.

Além dos 96 por cento de muçulmanos, há cerca de 1000 ortodoxos coptas etíopes e eritreus, e algumas centenas de protestantes (europeus ou africanos), entre outras confissões. A população católica não chega a 15 000 fiéis, entre os quais cinco sacerdotes, incluindo o bispo, e um pequeno grupo de consagrados.

Com esta realidade tão heterogênea, a missão principal da Igreja é viver a presença de Cristo junto dos muçulmanos, sobretudo na educação. As escolas ao cuidado da Igreja existem no Jibuti desde a chegada dos primeiros missionários capuchinhos, em 1885. «As primeiras escolas do país foram católicas, ainda que agora a nossa representação tenha diminuído, porque o Estado nos reduziu a margem de manobra. Temos cerca de 2700 alunos e a maioria são muçulmanos», anota Desser, que é diretor de uma escola técnica na Missão Católica de Tadjorurah, no Norte do país, que proporciona a alfabetização a 71 meninos e meninas da etnia afar – um povo nômade –, e onde leciona soldadura.

Em todo o país, a Igreja tem quatro escolas primárias credenciadas pelo Estado e cinco (entre as quais está a de Tadjorurah onde o padre Desser ensina) dedicadas aos mais pobres e vulneráveis, aos que não têm documentos ou não podem frequentar a escola pública por diversas razões.

Também há uma pequena presença no campo da saúde, com algumas religiosas que trabalham com doentes de tuberculose, ou o trabalho realizado pela Cáritas com meninos de rua. E atendendo à importância do porto do Jibuti, surgiram iniciativas relacionadas com a prostituição. A Cáritas trabalha com essas pessoas para evitar as doenças, explica o padre Desser.

O envolvimento do missionário no dia-a-dia é essencial para a sua aceitação na comunidade onde vive. É a peculiaridade das missões : trabalho partilhado. Como observa Desser, «aprendemos uma estima recíproca que não se cria com um discurso ou uma reunião. Temos de partilhar a refeição, comer com as mãos. As pessoas apreciam muito isso».


Diálogo inter-religioso

Nos tempos atuais, em que a comunicação social fala de choque de religiões, este missionário norte-americano recorda que «o próprio presidente foi aluno da escola Charles de Foucauld nos anos 1950 e 1960. Graças a esse contato, católicos, autoridades públicas e muçulmanos respeitam-se. Jesus é muito estimado por estes. Não é o grande profeta, mas respeitam-n’O. No Natal, o município ofereceu a iluminação da fachada da catedral. Foi muito bonito. Além disso, sem pedirmos, eles enviam a polícia para evitar qualquer contenda. Há hotéis geridos por muçulmanos frequentados por cristãos, e vice-versa. O que deve ser evitado são as divisões».


A Igreja e os refugiados

Entre todas as histórias deste sacerdote que vive e prega entre os muçulmanos, Desser recorda especialmente como, há um ano, a realidade da migração forçada se cruzou no seu caminho. «Havia um traficante que levava etíopes por uma zona à beira do lago Assal – o lago do mel – o ponto mais baixo de África. Normalmente, quando chegam à costa do Jibuti, embarcam para o Iêmen e, de lá, viajam para Riad ou Dubai para procurar trabalho. Neste caso, quem conduzia era um jovem de 22 anos, com pelo menos 90 etíopes no caminhão. Quando deixaram a povoação, uns polícias viram-nos e foram no encalço do veículo. Mas a estrada é terrível. No dia seguinte, quando fiz o mesmo caminho, havia 26 corpos espalhados por toda a parte. O sol ardia. Foi terrível. Estava com uma família franco-etíope e alguns outros. O presidente da edilidade e o embaixador da Etiópia, depois de avisados, conseguiram ferramentas para abrir as sepulturas. Eu não tinha água benta. Somente as minhas ferramentas. Mas desde aquele dia, eu celebro todos os anos a Missa dos Defuntos por eles, pois morreram buscando uma vida melhor em outro lugar

O trabalho do missionário no Jibuti – como em muitos outros lugares do planeta – tem muitas facetas e o padre Mark Desser confessa não saber como se poderia resolver este problema da migração, porque é enorme. «É preciso mudar os corações para que as pessoas percebam que devemos ter as nossas necessidades econômicas satisfeitas, mas não viver exclusivamente para isso. Um país não vive do produto interno bruto, mas do que fazem as suas pessoas. Esta é a riqueza de um país. Quero que as pessoas possam trabalhar e não só sensibilizar, mas também educar nas escolas os jovens para o valor da vida. Essa é a raiz de toda a convivência.»’


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