*Artigo
de Sebastián Ruiz-Cabrera,
Jornalista
‘A história de
como este padre norte-americano de quase dois metros de altura se tornou
vigário-geral do Jibuti, em África, tem duas explicações. Ambas começam em
Detroit. Uma, as orações provindas das mesquitas que faziam vibrar a sua
curiosidade. A segunda, o contexto do seu trabalho como engenheiro na indústria
automóvel. «Eu trabalhava com muçulmanos.
E sempre me tocou a questão da paz no Médio Oriente. Como americano típico,
pensava que com projetos e com escolas íamos mudar o mundo... Depois de uma confissão,
percebi que o problema não radicava aí. Essas opções podem ajudar, mas as
respostas encontram-se nas profundezas dos nossos corações. É necessário
reconciliar-nos com Deus», conta Mark Desser.
A sua aproximação
à fé católica teve muito que ver com a sua mãe. Ele foi o penúltimo de 17
irmãos. «A minha mãe rezava para que pelo
menos um fosse padre. E o Senhor ouviu os seus pedidos depois de tanto tempo»,
diz, sorrindo.
Pregando no deserto
Depois da etapa de
discernimento vocacional em Detroit, abriram-se para Mark Desser novas portas.
«Estive na Espanha e depois no Peru
durante três anos e meio, com os Servos dos Pobres, mas o amor aos muçulmanos
estava no meu coração e eu não conseguia apagá-lo; tinha de continuar à
procura. Essa busca levou-me a França, a uma paróquia onde tinha de evangelizar
porta a porta.»
Desser continuou a
rezar para discernir a sua encruzilhada. E depois de muita oração, percebeu que
«o Senhor queria que fosse missionário
num país muçulmano. Li uma carta de D. Giorgio Bertin, bispo do Jibuti, que
implorava sacerdotes. Não demorei sequer meia hora a obter o seu número de
telefone».
Não sabia nada
acerca do Jibuti, mas «como dizia S. João
da Cruz, o que faz falta no mundo são missionários de misericórdia, homens e
mulheres portadores da graça de Deus em contextos onde não a há», afirma,
sublinhando que «o resto não importa».
Era a sua primeira
vez em África e Desser lembra o que lhe toca a alma : «Reencontrar-me com o mundo muçulmano, com o chamamento para a oração às
quatro e meia da manhã, e encontrar a igreja no meio desta turbulência,
encontrar esta jóia no meio do deserto, é muito bonito!» E nisto evoca
outra figura que, além do místico espanhol S. João da Cruz, lhe ilumina o
caminho : Charles de Foucauld, «um
bem-aventurado que levou uma vida apaixonante entre os muçulmanos».
Educação e
desenvolvimento
O Jibuti está
situado num lugar estratégico. Domina a entrada para o Corno de África, mas
também as águas entre o mar Vermelho e o golfo de Áden. Com 830 mil habitantes
e uma área de 23 200 quilómetros quadrados, é uma nação pequena, mas muito
cosmopolita.
Além dos 96 por
cento de muçulmanos, há cerca de 1000 ortodoxos coptas etíopes e eritreus, e
algumas centenas de protestantes (europeus ou africanos), entre outras
confissões. A população católica não chega a 15 000 fiéis, entre os quais cinco
sacerdotes, incluindo o bispo, e um pequeno grupo de consagrados.
Com esta realidade
tão heterogênea, a missão principal da Igreja é viver a presença de Cristo
junto dos muçulmanos, sobretudo na educação. As escolas ao cuidado da Igreja
existem no Jibuti desde a chegada dos primeiros missionários capuchinhos, em
1885. «As primeiras escolas do país foram
católicas, ainda que agora a nossa representação tenha diminuído, porque o
Estado nos reduziu a margem de manobra. Temos cerca de 2700 alunos e a maioria
são muçulmanos», anota Desser, que é diretor de uma escola técnica na
Missão Católica de Tadjorurah, no Norte do país, que proporciona a
alfabetização a 71 meninos e meninas da etnia afar – um povo nômade –, e onde
leciona soldadura.
Em todo o país, a
Igreja tem quatro escolas primárias credenciadas pelo Estado e cinco (entre as
quais está a de Tadjorurah onde o padre Desser ensina) dedicadas aos mais
pobres e vulneráveis, aos que não têm documentos ou não podem frequentar a
escola pública por diversas razões.
Também há uma
pequena presença no campo da saúde, com algumas religiosas que trabalham com
doentes de tuberculose, ou o trabalho realizado pela Cáritas com meninos de
rua. E atendendo à importância do porto do Jibuti, surgiram iniciativas
relacionadas com a prostituição. A Cáritas trabalha com essas pessoas para
evitar as doenças, explica o padre Desser.
O envolvimento do
missionário no dia-a-dia é essencial para a sua aceitação na comunidade onde
vive. É a peculiaridade das missões : trabalho partilhado. Como observa Desser,
«aprendemos uma estima recíproca que não
se cria com um discurso ou uma reunião. Temos de partilhar a refeição, comer
com as mãos. As pessoas apreciam muito isso».
Diálogo
inter-religioso
Nos tempos atuais,
em que a comunicação social fala de choque de religiões, este missionário
norte-americano recorda que «o próprio
presidente foi aluno da escola Charles de Foucauld nos anos 1950 e 1960. Graças
a esse contato, católicos, autoridades públicas e muçulmanos respeitam-se.
Jesus é muito estimado por estes. Não é o grande profeta, mas respeitam-n’O. No
Natal, o município ofereceu a iluminação da fachada da catedral. Foi muito
bonito. Além disso, sem pedirmos, eles enviam a polícia para evitar qualquer
contenda. Há hotéis geridos por muçulmanos frequentados por cristãos, e
vice-versa. O que deve ser evitado são as divisões».
A Igreja e os
refugiados
Entre todas as
histórias deste sacerdote que vive e prega entre os muçulmanos, Desser recorda
especialmente como, há um ano, a realidade da migração forçada se cruzou no seu
caminho. «Havia um traficante que levava
etíopes por uma zona à beira do lago Assal – o lago do mel – o ponto mais baixo
de África. Normalmente, quando chegam à costa do Jibuti, embarcam para o Iêmen
e, de lá, viajam para Riad ou Dubai para procurar trabalho. Neste caso, quem
conduzia era um jovem de 22 anos, com pelo menos 90 etíopes no caminhão. Quando
deixaram a povoação, uns polícias viram-nos e foram no encalço do veículo. Mas
a estrada é terrível. No dia seguinte, quando fiz o mesmo caminho, havia 26
corpos espalhados por toda a parte. O sol ardia. Foi terrível. Estava com uma
família franco-etíope e alguns outros. O presidente da edilidade e o embaixador
da Etiópia, depois de avisados, conseguiram ferramentas para abrir as sepulturas.
Eu não tinha água benta. Somente as minhas ferramentas. Mas desde aquele dia,
eu celebro todos os anos a Missa dos Defuntos por eles, pois morreram buscando
uma vida melhor em outro lugar.»
O trabalho do
missionário no Jibuti – como em muitos outros lugares do planeta – tem muitas
facetas e o padre Mark Desser confessa não saber como se poderia resolver este
problema da migração, porque é enorme. «É
preciso mudar os corações para que as pessoas percebam que devemos ter as
nossas necessidades econômicas satisfeitas, mas não viver exclusivamente para
isso. Um país não vive do produto interno bruto, mas do que fazem as suas
pessoas. Esta é a riqueza de um país. Quero que as pessoas possam trabalhar e
não só sensibilizar, mas também educar nas escolas os jovens para o valor da
vida. Essa é a raiz de toda a convivência.»’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EulFyEulEFHADdPQYz
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