*Artigo
de José Couto Nogueira,
Jornalista
‘A batalha pela
cidade iraquiana de Mossul, controlada pelo Califado Islâmico (Daesh) decorre
há vários dias, com as forças do ISIS a defender a cidade contra uma coligação
de trinta forças diferentes e por em certos casos antagônicas. O desfecho
parece inevitável; vai demorar semanas, mas a segunda maior cidade do Iraque
deixará de fazer parte do Califado Islâmico.
Está sendo dura, a
batalha, mas o mais difícil virá a seguir; o braço de ferro pelo domínio da
cidade.
Mossul é segunda
maior cidade do Iraque fica ao Norte de Bagdade, perto da fronteira com a
região curda. Sunita, foi a primeira cidade importante ocupada pelo ISIS, em
Junho de 2014, e foi lá que se auto proclamou o Califado Islâmico.
Como o ISIS é
sunita, na altura a população da cidade aderiu ao movimento, pois receava a
descriminação do Governo shiita de Bagdade. Nestes dois anos, a violência do
ISIS fez com que uma parte fugisse, mas não se sabe como os habitantes que
ainda permanecem reagirá à chegada das tropas iraquianas, apoiadas por milícias
shiitas. Além disso, os curdos também reivindicam Mossul, argumentando que
foram eles que travaram a expansão do Daesh quando o exército iraquiano bateu
em retirada. Portanto já temos aqui três forças a reivindicar a cidade :
sunitas, shiitas e curdos.
Estas forças são
apoiadas, mais ou menos abertamente, pelos países da região.
Os turcos, que até
1918 dominavam toda a península da Arábia, insistem em ter um papel na refrega,
contra a vontade dos iraquianos, que consideram sua presença uma invasão. Mas
Haider al-Abadi, o primeiro ministro iraquiano, neste contesto não tem forças
para os empurrar de volta para a Turquia.
O Irão, shiita,
tem atacado o Daesh, mas não gosta dos iraquianos, com quem teve uma guerra
brutal ente 1980 e 1988. A Arábia Saudita – que muitos analistas consideram
tratar-se do verdadeiro Califado Islâmico, pelo seu radicalismo religioso – diz-se
que tem apoiado o Daesh, embora não abertamente, uma vez que é aliada dos
Estados Unidos, que são contra o ISIS
A Síria é
evidentemente contra o ISIS, que ocupa uma parte do país – a capital do
Califado, Raqqa, é em território sírio - mas neste momento não está em situação
de atacar o ISIS, a braços com a guerra civil entre-portas que envolve várias
facções.
A estes países da
região há que acrescentar os americanos e os russos, ambos contra o Califado,
mas com prioridades diferentes no teatro de guerra.
Os Estados Unidos
basicamente são contra o ISIS e também contra o Governo sírio de Bashar
al-Assad, e a favor dos insurgentes sírios (os chamados ‘movimentos islâmicos moderados’), dos curdos e dos iraquianos.
Continuam a querer a saída de Al-Assad, mas a agressividade do ISIS e a
dificuldade em distinguir os diversos grupos ‘islâmicos moderados’ levou a escolher como inimigo principal o
Daesh.
Os russos, ao
contrário, são aliados de Bashar al-Assad e, embora digam que querem destruir o
Daesh, de fato tem atuado mais contra os insurgentes sírios ‘moderados’ que ameaçam o regime do
sanguinário ditador.
Difícil de
entender todas estas amizades e inimizades? Sem dúvida. Os próprios
beligerantes por vezes parece que não entendem e mudam de adversário preferencial
conforme a evolução do conflito.
Voltando a Mossul.
Houve uma ofensiva iraquiana na primavera, que não conseguiu desenvolver-se. Os
Peshmerga, famosos guerrilheiros curdos, têm vindo a aproximar-se de Mossul
lentamente, conquistando cidades dentro da sua região. Desta vez a ofensiva,
que demorou meses a coordenar e tem, supostamente, 80 mil homens, é constituída
por forças do governo de Bagdade, milícias xiitas (Unidades de Mobilização
Popular), milícias de tribos sunitas, milícias iranianas, milícias do
Hezbollah, Peshmerga curdos, forças fiéis ao antigo governador de Mossul, e
turcos. Pelo ar e como conselheiros no terreno estão os americanos, ingleses e
iranianos. Há ainda que considerar os guerrilheiros do PKK (curdos da Turquia)
e das Unidades de Proteção Popular (sírias), bem como milícias Yazidis.
Uma questão que
com certeza não interessa muito a nenhuma destas forças, mas que está a
assustar as organizações humanitárias internacionais, é os perigos que corre a
população civil de Mussul, calculada entre um milhão e um milhão e meio de
pessoas.
Afirmou o
coordenador da ONU para os Direitos Humanos : ‘não acusem os civis de Mossul de pertencerem ao ISIS, e que não haja
execuções sumárias, nem de civis nem de membros do Califado Islâmico’. Os que
ainda permanecem na cidade, em parte porque querem, em parte porque o ISIS não
os deixa sair, apanhados no fogo cruzado, são potenciais vítimas de
franco-atiradores ou podem ser utilizados como escudos-humanos. A ONG Save the
Children calcula que há 500 mil crianças entre eles.
Há muito mais em
jogo nesta batalha do que a tomada da cidade. Joga-se o futuro do Iraque como
um país unido, com as fronteiras tradicionais. Está em causa o Governo de
Bagdad, que poderá não resistir a uma derrota ou a uma vitória pouco nítida. A
autonomia dos curdos e yazidis também depende do terreno que conseguirem
conquistar, para negociações posteriores sobre o seu estatuto. É a primeira vez
que os Peshmerga curdos e os soldados iraquianos, inimigos desde sempre, estão
do mesmo lado numa batalha.
Moqtada al Sadr, o
clérigo xiita que liderou o exército de Mahdi no combate à ocupação
norte-americana, (ainda não tínhamos falado neste...) disse que a batalha de
Mossul é uma guerra entre o governo de Bagdad e os terroristas, e que o Iraque
deve recusar o apoio turco em nome da soberania iraquiana; o Presidente turco,
Erdogan, atirou que ‘está fora de questão
a Turquia ficar fora da ‘operação Mossul’’ acrescentando que o pais estará
na operação militar e na mesa de negociações; o parlamento iraquiano já votou
uma moção em que considera a presença turca como ‘ocupação’ e violação de soberania.
O antigo
governador de Mossul, acusado de ser o responsável pela queda de Mossul às mãos
do ISIS também tem a sua milícia pessoal, que é apoiada pela Turquia e também
quer ter uma palavra a dizer à mesa dos vitoriosos.
Calcula-se entre
30 mil e 80 mil atacantes a Mossul, mas é impossível saber o número certo, dada
a diversidade das forças e a desconfiança mútua. Quanto ao ISIL, avalia-se que
terá entre quatro a oito mil combatentes. Não se sabe como será possível
distinguir entre combatentes e civis, ou entre os combatentes dos diversos
grupos. Certamente que alguns aproveitarão para abater outros atacantes no meio
da confusão, e entre os defensores há oportunidades para ajustes de contas.
Finalmente, os
europeus, que não têm nenhum papel numa região que é estrategicamente essencial
para a Europa, também se pronunciaram sobre a tomada de Mossul, pela voz do
Comissário da Segurança, Julian King :
‘O retomar [do controle] do reduto do
Califado no norte do Iraque, Mossul, pode levar a um regresso à Europa de
combatentes violentos do ISIS’.
Com todos estes
interesses em jogo, o mais provável é que depois da tomada de Mossul se
realizem as tais conversações à volta de uma mesa em que, logo para começar, se
discutirá quem terá direito a sentar-se. E enquanto se briga à mesa, com
certeza se brigará nas ruas, casa a casa, para ocupar espaço vital, proteger
pessoas desta ou daquela facção e liquidar famílias da outra e aqueloutra, por
ódio e por contas antigas, nunca saldadas.
Não é exagero
dizer que Mossul e Alepo, a outra cidade mártir, devem ser os piores lugares do
planeta nos próximos meses.’
Fonte :
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