Igreja Luterana de Blumenau com vitrais onde há a figura de Maria
*Artigo
de Fabrício Veliq,
protestante,
é mestre e doutorando em
teologia
pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE),
doutorando
em teologia na Katholieke Universiteit Leuven - Bélgica,
formado
em matemática e graduando em filosofia pela UFMG
‘Falar sobre Maria
no protestantismo é uma tarefa muito interessante. Em um primeiro momento,
porque precisamos fazer uma separação entre aquilo que o protestantismo que
surge da reforma fala a respeito de Maria e aquilo que o movimento pentecostal,
que surge do protestantismo, fala sobre Maria. Dessa forma, uma ótica
protestante sobre a temática se mostra extremamente desafiadora.
Comecemos com o
protestantismo. Lutero foi o primeiro a escrever um texto sobre Maria. Esse
texto é uma análise do Magnificat que se encontra no Livro de Lucas, em seu
primeiro capítulo. Para Lutero, esse cântico surge em resposta da experiência
que Maria faz de Deus por meio do seu Espírito, uma vez que é somente por Ele
que se é possível entender a Deus. Maria, assim, foi uma pessoa iluminada por
Deus para entender, como diz no cântico, que Deus é aquele que exalta o humilde
e humilha aquele que se exalta. Dessa forma, como fruto da sua própria
experiência, é que Maria é capaz de trazer esse ensinamento a respeito de Deus
a todos nós.
Maria é,
consequentemente, da mesma forma que nós, uma recebedora da graça divina, não
sendo distribuidora dessa graça entre os homens. A distribuição da graça é por
meio de Cristo e do seu Espírito. Contudo, isso não implica que ela deva ser
vista com descrédito ou desdém. Há, no protestantismo, grande honra à pessoa de
Maria. Lutero mesmo a considera digna de ser honrada, mesmo que não da mesma
forma que se deva honrar a pessoa de Cristo.
É com o movimento
pentecostal que se inicia, pelo menos em solo brasileiro, certo distanciamento
com a questão mariana. Não é uma característica do movimento evangélico
pentecostal estudar o tema mariano e, nesse sentido, pouca coisa é dita de
forma sistemática sobre esse tema do cristianismo. Em sua maioria, o movimento
evangélico pentecostal coloca Maria na categoria de santos da igreja católica
e, com isso, até evitam falar muito sobre Maria e estudar a questão mariana.
Maria, assim, fica totalmente à margem de qualquer pregação ou ensinamento em
muitas igrejas evangélicas e pentecostais. Infelizmente, esse fato contribuiu
muito para a comum categorização que se tem de católicos como ‘adoradores de santos’ e idólatras e os
evangélicos, aqueles que precisam fazer com que os primeiros se convertam e
deixem a idolatria.
Com a vinda do
movimento pentecostal e neopentecostal, infelizmente, a questão da admiração
pelos santos que viveram entre nós e deveriam ser vistos como exemplos de
conduta e fé se perdeu grandemente no protestantismo brasileiro. Não é com
facilidade que ouvimos um ‘São Paulo’,
por exemplo, em uma igreja evangélica, o que, sem dúvida, revela esse
distanciamento com relação aos primeiros reformadores.
Ao falarmos de
Maria precisamos relembrar o lado maternal que ela traz consigo. Algo
interessante de se trazer à memória é a antiga teologia da Síria e da Armênia
em que se falava a respeito do lado maternal de Deus. Nessa teologia, contudo,
não era Maria que era vista como esse lado maternal, antes, o Espírito Santo.
Mais recentemente,
Jürgen Moltmann, teólogo protestante reformado, também recobra essa
característica para pensar o Espírito como fonte de vida para toda a criação e
para pensar uma cristologia pneumatológica. Para Moltmann, assumir o nascimento
de Cristo do Espírito, implica em retirar muito daquilo que é atribuído à
Maria, passando ela a ser aquilo que os evangelhos narram a respeito dela, ou
seja, que é ela é mãe judaica de Jesus. Os evangelhos, então, narrariam a
experiência de Maria, remetendo à ação do Espírito de Deus que faz renascer a
vida.
Curiosamente,
também Yves Congar, grande teólogo católico no século XX, em sua coletânea a
respeito do Espírito Santo, também chama a atenção para uma mariologia que,
muitas vezes, toma o lugar do Espírito no meio da Igreja.
Mesmo que haja
algumas diferenças de abordagens em relação à mariologia, hoje tem-se
percebido, por parte de alguns teólogos, uma tentativa de diálogo ecumênico a
respeito da questão mariana. Isso, sem dúvida, exige abertura de ambos lados
para que algumas terminologias possam ser mais bem elucidadas, a fim de que o
diálogo possa ser proveitoso para ambas confissões cristãs.
Não podemos nos
esquecer que o catolicismo popular é muito grande em solo brasileiro e a
influência mariana nesses ambientes é muito grande também. Assim, para um povo
que, na maioria das vezes, é sofrido e padece no dia a dia, a visão da mãe de
Cristo que acolhe e intercede é, muitas vezes, uma visão de conforto e
misericórdia, mesmo que não teologicamente correta de acordo com o
protestantismo.
Apesar de muitos
esforços por parte de diversos padres para se tentar fazer uma mariologia que
seja ligada a Cristo e ao Espírito, isso nem sempre tem muito êxito, visto que
é sempre complicado mudar determinada cultura e não se faz isso com violência
contra aqueles e aquelas que creem.
Diante disso,
temos o desafio de, como teólogos e teólogas protestantes e católicos, de
esclarecer a questão mariana de uma maneira que seja fundamentada
teologicamente e que faça sentido para o povo em seu dia a dia, desmitificando,
na medida do possível, concepções que nada tem a ver com o relato bíblico a
respeito de Maria.
Mesmo que não seja
tarefa fácil, tende a ser extremamente prazerosa para todas e todos que seguem
nesse caminho.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.domtotal.com/noticia/1088005/2016/10/maria-sob-uma-otica-protestante/
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