*Artigo
de Xaquín López,
Jornalista
‘Os guias
turísticos de Moçambique vendem o arquipélago das Quirimbas como uma das
últimas jóias do Índico : recifes de coral; praias com coqueiros; estâncias de
luxo para turistas com Visa Gold e aviões particulares. Mas se o visitante
dedicasse algumas horas a percorrer a ilha de Ibo, a mais povoada do
arquipélago, graças aos seus aquíferos de água doce, veria que o paraíso tem
outra face : crianças subnutridas; pessoas a viver em cabanas infra-humanas;
famílias inteiras cuja dieta diária é arroz e peixe; fundamentalismo islâmico
no auge... Isso, sim, tudo temperado com os pores-do-Sol mais vermelhos da
África Austral.
Foi esta dura
realidade que cativou o empresário espanhol Luis Alvarez e a sua esposa, Elena
Raposo, restauradora de arte, quando aterraram em Ibo, pela primeira vez, há
dez anos. «Foi como um sonho ameaçado por
um desafio. Tanta beleza natural corrompida pela desnutrição infantil endêmica.
No dia em que deixamos a ilha, decidimos fazer algo por ela. Mal regressamos a
Barcelona, criamos a Fundação Ibo», lembra Luis.
Lutar contra a
subnutrição, educando
A Fundação Ibo
começou o seu serviço principal em 2010. Chama-se Centro de Assistência à
Nutrição Infantil, mas todos na ilha o conhecem pela sua sigla, CANI. Ocupa um
edifício senhorial na rua principal e, todas as manhãs, fervilha com o
movimento de mães que alimentam os seus bebês, ao mesmo tempo que aprendem
receitas para enriquecer as papas. Pela tarde, o CANI torna-se
jardim-de-infância. Três dias por semana, os monitores da fundação percorrem a
ilha (dez quiôlmetros de comprimento por cinco de largura). «Ao início, era tudo muito complicado, porque
as mães desconfiavam de nós e recusavam-se a trazer os seus filhos para o
centro. Agora é tudo mais fácil : as próprias vizinhas nos avisam quando sabem
que uma criança está desnutrida», diz-nos, apoiado na sua bicicleta, Mussa
Momade.
Após cinco anos a
ajudar as mães a criar os seus bebês, o CANI percebeu que o problema do Ibo não
se encaixa nos parâmetros da fome africana. «O assunto é mais complexo : não se trata de falta de recursos, mas de
uma questão de cultura. Fome não é o mesmo que desnutrição. Na ilha há comida
suficiente para os 5000 habitantes. O que estamos a tentar ensinar-lhes é o que
fazer para terem uma dieta equilibrada», refere Estrella León, uma mulher
das Canárias que dedica a sua vida à cooperação internacional. Está há quatro
anos em Moçambique, onde se estabeleceu depois de passar por vários países
africanos. Chegou à ilha para coordenar os projetos da Fundação Ibo. «A coisa mais importante é ensinar às
famílias receitas que favoreçam uma alimentação nutritiva das crianças, tendo
sempre em consideração que esta é uma ilha no oceano Índico. Trabalhamos com os
recursos locais, sem esperar que lhes cheguem coisas de fora.»
Refeitório
Abdul é o
médico-chefe do centro de nutrição. Supervisiona todas as manhãs a pesagem e
medição das crianças, para fazer um seguimento individualizado. «O segredo do nosso êxito está nas papas.
Usamos os produtos locais que as mães têm mais à mão coco, peixe, banana, por exemplo. A chave é
ensinar as mulheres a combinar estes alimentos.»
Na cozinha do
Centro de Assistência à Nutrição, a primeira coisa que se destaca é o quão
limpo e arrumado está tudo e, a segunda, é o painel de papel onde são registados
os menus da semana. «Fazemos papas várias
: de ovo, peixe e coco, batata-doce, arroz, banana e mel», recita,
orgulhosa, Totina Nuro, a cozinheira.
O êxito do serviço
da fundação é confirmado pelas estatísticas. «Cada vez vêm menos crianças e bebês ao CANI, e esse é o diapasão da
eficácia do projeto. Por isso, estamos a estendê-lo a outras ilhas de
Quirimbas, como Matame, mas temos de ir passo a passo», diz Estrella.
Aposta no
desenvolvimento sustentável
A Fundação Ibo
está a fazer uma aposta integral visando o desenvolvimento harmonioso e
sustentável da ilha. A poucos metros do CANI está a escola de carpintaria.
Aproveitou-se um edifício antigo que tinha sido uma carpintaria durante a era
colonial e agora ensina-se ali aos jovens da ilha a arte de trabalhar madeira.
Maujudo Lja, capataz do centro, sabe como tratar os seus alunos. «A primeira coisa que lhes digo quando chegam
é que têm de cumprir o horário estipulado. Em seguida, ensinamos-lhes que devem
respeitar os professores. O último conselho é que tenham cuidado com as mãos.»
Um dos estudantes
veteranos, Nacir Anlaue, move-se com soltura entre as ripas de umbila, uma
madeira levada do continente. «Se eu
tivesse de escolher uma ferramenta fundamental para o nosso trabalho,
escolheria a plaina. Quando a deslizo sobre uma tábua, e a aliso, dou conta do
quão bonito é este trabalho. O mais complicado de fazer são as janelas que
levam persiana acoplada.»
Os desafios a
precisar da cooperação internacional na província de Cabo Delgado são vários.
Em algumas áreas da Fortaleza de São João, sempre em Ibo, há um plano para
melhorar as condições de trabalho dos ourives de prata que trabalham dentro dos
seus muros, por exemplo. E o objetivo geral é o mesmo : acabar com a
desnutrição no último paraíso de Moçambique.
Geografia e história
de Ibo
O arquipélago das
Quirimbas está apenas a uma hora de barco da costa norte de Moçambique (mais um
pouco se a viagem for feita num dhow
(barco de vela triangular de origem árabe).
Pertence à província de Cabo Delgado, de que Ibo foi capital até que, em 1929,
Portugal decidiu transferi-la para Pemba – uma cidade em franca expansão e
crescimento, em virtude dos enormes poços de petróleo e gás descobertos na
região.
Os primeiros a
ocupar Ibo foram os árabes. Tinham a seu favor a vela dhow, que lhes permitiu navegar por todo o oceano Índico.
Depois, foram os
Portugueses que colonizaram a ilha e a converteram num dos principais portos do
comércio de escravos da África Austral. Do enorme legado colonial destacam-se
três fortalezas, duas belas igrejas, imponentes armazéns à beira-mar e uma
série de mansões e palácios de estilo manuelino.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuZVVZVlZpJXPWybVK
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