domingo, 30 de agosto de 2015

A lei de Deus e as leis humanas

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA


‘Quanto mais cresce a sociedade, maior a necessidade de leis e normas que facilitem a convivência de pessoas diferentes, segundo as classes sociais, as culturas presentes naquele ambiente, os grupos que reivindicam seu espaço de participação e seus direitos. O equilíbrio entre as diversas forças tantas vezes é difícil de ser alcançado, pelo radicalismo das mesmas e a incapacidade para conviver com os opostos, a serem considerados como complementares e não inimigos. A presença dos cristãos em nosso tempo é continuamente desafiada, cabendo-lhes a coerência com o Evangelho de Jesus Cristo, a paixão pela verdade, a capacidade de ouvir e considerar as razões dos outros, a misericórdia e um ponto basilar da Doutrina Social da Igreja, que é a busca do Bem Comum. Sua vida há de ser exemplar, de forma que os que os veem de longe se aproximem e se sintam atraídos. Não somos donos do poder no mundo, mas servidores e colaboradores da Verdade.

Vede, eu vos ensinei leis e decretos, conforme o Senhor meu Deus me ordenou para que os pratiqueis na terra em que ides entrar e da qual tomareis posse. Guardai-os e ponde-os em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência diante dos povos. Ao tomarem conhecimento de todas essas leis, dirão : ‘Sábia e inteligente é, na verdade, essa grande nação’. Pois qual é a grande nação que tem deuses tão próximos como o Senhor nosso Deus, sempre que o invocamos? E qual a grande nação que tenha leis e decretos tão justos quanto toda esta Lei que hoje vos proponho?’ (Dt 4, 5-8) Somos herdeiros do imenso tesouro dado por Deus a seu povo, conscientes de sermos guardiães de um relacionamento com o Senhor que nos possibilita uma vida digna, pensada por ele para toda a humanidade, no maravilhoso plano de amor expresso na Sagrada Escritura, na História Sagrada e na História da Igreja.

No entanto, na Antiga Aliança, aos Dez Mandamentos da Lei de Deus foram acrescentados muitos outros mandamentos, normas e preceitos, que tantas vezes dificultaram a vida religiosa fiel, especialmente dos mais simples. Tornou-se, no correr do tempo, muitas vezes insuportável carregar o peso da lei, enquanto esta deveria ser justamente o caminho para a realização e a felicidade. Jesus se confrontou com pessoas e grupos que tinham a tarefa de interpretar a Lei de Deus e as leis dela decorrentes, cuja pretensa competência suscitou discussões acirradas e perseguições àquele que é a Palavra de Deus feita Carne (Cf. Mc 7,1-23). Também no tempo da Igreja, que é nosso, corremos continuamente o risco de transformarmos as leis do Senhor em opressão, peso insuportável para as outras pessoas. O risco oposto também nos cerca, quando podemos relaxar no cumprimento da lei de Deus. 

O justo equilíbrio é buscado na vida da Igreja com afã no correr dos séculos. A moral cristã é uma tarefa exigente, atenta à revelação de Deus nas Escrituras e às exigências da vida das pessoas. Seu ponto de partida não é a norma fria das leis a serem compridas, mas o encontro com Cristo, que exige muito mais do que a eventual vigilância ou muitas placas escritas ou não, expostas pelos cruzamentos da vida. Faz-se necessário escutar o Senhor, alimentar-se de sua Palavra, orar com frequência e confiança, buscar a necessária orientação de pessoas que têm a graça e a capacidade de contribuir no discernimento, alimentar-se dos Sacramentos, especialmente a Penitência e a Eucaristia, a fim de dar passos seguros, na crescente fidelidade ao Espírito Santo que conduz nossas almas.         

Há poucos dias recebi o texto da Oração pela Beatificação do Servo de Deus Dom Helder Câmara, o grande Arcebispo de Olinda e Recife. Anteriormente, numa viagem a Roma, tive a graça de acompanhar um emissário daquela Arquidiocese quando foi entregue o processo na Congregação das Causas dos Santos. A oração diz assim : ‘Nós vos agradecemos pelo dom de sua vida e vos bendizemos por suas virtudes. Exercendo o seu ministério em favor da justiça e da paz e dedicando sua vida à causa dos pobres, imitou o Bom Pastor, que deu a vida por suas ovelhas’. Um homem de imensa liberdade interior, com vida sóbria em seus hábitos, exigente consigo e pobre, capaz de edificar a todos com seu olhar ao mesmo tempo perspicaz e carregado de simplicidade evangélica. Sua vida, assim como de outros homens e mulheres santos, atrai pela coerência e fidelidade a Deus! Não foram coniventes com a mentira e a maldade, apontaram seu olhar para o alto, e são exemplos a serem seguidos. Fazem parte de uma grande nação, cuja herança perpassa os séculos.

Os legisladores e governantes, quando coerentes com sua própria consciência e quando honestos em sua busca da verdade, podem constatar que a Lei de Deus consignada nos Dez Mandamentos é o que existe de melhor para a humanidade de qualquer tempo. Mais ainda é consistente o que a Nova Lei em Cristo oferece à humanidade. Em nosso tempo, os cristãos lutam com firmeza pelo respeito à vida, desde sua concepção até seu ocaso natural, batalham pela fidelidade a projeto de Deus, que criou o homem e a mulher, são conscientes de que os esforços contra a corrupção em todos os níveis é dever de todos, unem-se a todos os esforços pela justiça e pela paz, sonham e trabalham por um mundo de maior respeito à dignidade de todos.

Estamos para iniciar, nesta semana, o mês dedicado à Bíblia, com o qual desejamos voltar continuamente ao Evangelho, num esforço redobrado de fidelidade à Palavra. Valha para todos nós a recomendação de São Tiago (Tg 1, 21-27), que nos oferece o caminho de coerência necessário para fermentarmos a sociedade de uma forma nova : ‘Recebei com mansidão a Palavra que em vós foi implantada, e que é capaz de salvar-vos. Todavia, sede praticantes da Palavra, e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, aquele que ouve a Palavra e não a põe em prática é semelhante a alguém que observa o seu rosto no espelho : apenas se observou, sai  e logo esquece como era a sua aparência. Aquele, porém, que se debruça sobre a Lei perfeita, que é a da liberdade e nela persevera, não como um ouvinte distraído, mas praticando o que ela ordena, esse há de ser feliz naquilo que faz. Se alguém julga ser religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo : a sua religiosidade é vazia. Religião pura e sem mancha diante do Deus e Pai é esta : assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.cnbb.org.br/artigos-dos-bispos-1/426-dom-alberto-taveira-correa/17230-a-lei-de-deus-e-as-leis-humanas

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Cicatrizes dos imigrantes comprovam crueldade das máfias

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
   

‘Profundos cortes feitos com armas brancas, ferimentos à bala e sinais de violência sexual são algumas das marcas que os imigrantes resgatados no mar Mediterrâneo que desembarcam na Itália apresentam como mostra do que viveram nas mãos das máfias.

Cicatrizes que os médicos que atendem essas pessoas descobrem que foram feitas com maior crueldade quando se trata de mulheres e crianças, que mal conseguem relatar o que aconteceu porque as quadrilhas continuam com as ameaças e as vítimas têm envergonha de falar dos abusos.

Encontramos muitos casos de torturas, fraturas ósseas, ferimentos de faca, golpes de fuzil e danos neurológicos após fortes impactos na cabeça. As mulheres e as crianças são as mais vulneráveis, as que sofrem mais violência nas torturas e são muitas vezes vítimas da exploração sexual, mas não dizem isso abertamente porque os criminosos as perseguem e porque se envergonham de terem sido estupradas e agredidas’, descreveu Anna Crepet, médica da organização Médicos sem Fronteiras, em declarações à Agência Efe.

Muitas mulheres, a maioria menores de idade, sobretudo vindas da Nigéria e do nordeste africano foram prostitutas na Líbia durante muito tempo, até juntar dinheiro suficiente para fazer a viagem pelo Mediterrâneo.

Muitas delas chegam grávidas e nem sabem. Só descobrimos quando fazemos o exame. Depois nos dizem que foram estupradas. Também há muitas crianças que sofreram violência’, ressaltou a médica.

Crepet contou que já se deparou com casos muito graves nos quais ‘não importa se é menino ou menina para que apliquem violência sobre eles. Quase todos os menores, e especialmente os que viajam sozinhos, chegam com cicatrizes no tronco e marcas de tortura na cabeça e no rosto’.

A médica relatou alguns dos casos mais difíceis que enfrentou, como o de um menor que de tanto apanhar teve o tímpano perfurado e a história de uma menina de 15 anos que chegou com traumatismo craniano e danos neurológicos. ‘Temos um repertório de histórias horríveis’, lamentou.

Horríveis como as mortes nos últimos dias de dois jovens, um deles menor de idade, por causa de maus-tratos das máfias : um deles era somali e tinha 15 anos. Morreu a bordo do navio Dignity I da MSF após ser resgatado perto do litoral da Itália. A segunda vítima era um jovem sudanês que faleceu por causa de diabetes agravado pelas difíceis condições da viagem, conforme informou a Agência da ONU para Refugiados (Acnur).

Para a diretora do programa Itália-Europa da organização Save the Children, Raffaela Milano, o drama que milhares de menores sofrem nos navios confirma a violência que passaram durante a permanência na Líbia, de onde partem as embarcações.

Desde o começo ano, pelo menos 7.600 menores não acompanhados chegaram à Itália, a maioria da Eritreia e da Somália, quase sempre em condições críticas por causa da violência e dos abusos’, acrescentou.

Crianças e adolescentes contaram à ONG como ao longo de suas viagens - tanto nos países que percorrem quanto na Líbia - foram obrigadas a trabalhar para juntar dinheiro e conseguir entrar em um dos navios que partem rumo à Europa.

São histórias como a de um adolescente de 16 anos forçado a colher frutas de plantas com espinhos que machucavam as mãos e os braços e que os mafiosos quebraram após baterem nele, ou a de outro garoto de 15 anos que quebrou dois dedos depois de receber marteladas dos criminosos.’


Fonte :
* Artigo na íntegra http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/08/28/cicatrizes-dos-imigrantes-comprovam-crueldade-das-mafias.htm
  

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Tarde te amei

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 O poema-oração que resume a vida de Santo Agostinho


1. Tarde Te amei, oh Beleza tão antiga e tão nova... Tarde Te amei... Trinta anos estive longe de Deus. Mas durante esse tempo algo se movia dentro do meu coração... Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava... Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob Tua Guia e o consegui porque Tu Te fizeste meu auxílio.

2. Tu estavas dentro de mim e eu fora... «Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior». Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava... Eis que estavas dentro e eu fora. Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo...

3. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu minha surdez... «Me fizeste entrar dentro de mim mesmo... Para não olhar para dentro de mim, eu havia me escondido. Mas Tu me arrancaste de meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo estava». Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse : ‘Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne’. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer ‘Amanhã, amanhã’... Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha... Uma voz que dizia : ‘TOMA E LÊ, TOMA E LÊ!

4. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste minha cegueira. Então corri à Bíblia, a abri ao acaso e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim : «Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo» (Rm 13,13s). Aquelas Palavras RESSOARAM dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida...

5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti... Deus... de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus... de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus... a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Assim foi como descobri a Deus e me dei conta de que no fundo era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente meu coração.

6. Provei-Te, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. «Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo». Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!...

7. E agora, Senhor, só amo a Ti ! Só sigo a Ti ! Só busco a Ti ! Só ardo por Ti !...

8. Tarde te amei! Tarde Te amei, oh Beleza tão antiga e tão nova ! Tarde demais eu Te amei !... Eis que estavas dentro e eu, fora. E fora Te buscava e lançava-me, disforme e nada belo, ante a beleza de tudo e todos que criaste. Estavas comigo e não eu Contigo...Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste minha surdez. Brilhaste, resplandeceste e Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste Teu Perfume e respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei,Te saboreei, e agora tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora estou ardendo em desejos por Tua Paz !’


Fonte :
*Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29


terça-feira, 25 de agosto de 2015

No mundo existem 65 muros de fronteira

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



‘Existem no mundo 65 muros de fronteira erguidos ou em vias de construção, em comparação com os 16 que existiam quando o de Berlim caiu, em 1989.

 A lista dos mais recentes e mais importantes :

- Hungria : O muro de fronteira mais recente é obra do governo húngaro, que iniciou a construção de uma barreira de 177 km ao longo de sua fronteira com a Sérvia depois de receber 80 mil pedidos de asilo desde o início do ano.

- Saara Ocidental : um muro de areia de 2.700 quilômetros separa desde os anos 1980 o território do reino do Marrocos das regiões controladas pelos independentes da Frente Polisário.

- Arábia Saudita – Iraque : Os sauditas, diante da ameaça do grupo Estado Islâmico, completam um muro de areia já existente de sete metros de altura com uma barreira de 900 km, 78 pontos de observação, 8 centros de controle, 32 centros de reação rápida.

- Israel : a construção da barreira que separa Israel dos territórios ocupados começou em 2002, com o objetivo de impedir os ataques palestinos. Seus opositores consideram que serve para confiscar terras e estabelecer uma fronteira de fato, violando a legislação internacional.

- Estados Unidos – México : O Presidente Bill Clinton iniciou o reforço da fronteira nos anos 90. O temor das infiltrações de membros da Al-Qaeda e agora do Estado Islâmico levou à construção de uma das maiores e mais sólidas barreiras, enquanto a imigração ocupa um lugar primordial na próxima eleição presidencial.

- Grécia – Turquia : A melhora das relações entre os dois países e a retirada das minas colocadas na fronteira levou a Grécia a se converter em um dos pontos de entrada importantes da migração que deseja chegar à União Europeia. Em 2012, o muro Evros foi edificado na fronteira entre os dois países.

- Irlanda do Norte : Em Belfast há 99 ‘linhas de paz’ que separam as comunidades católicas e as protestantes. A mais antiga remonta a 1969. Mas apesar da assinatura dos acordos de paz, tanto o número quanto o tamanho aumentaram.

- Espanha – Marrocos : os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla na costa marroquina estão rodeados por cercas difíceis de cruzar. Muitos candidatos à migração morreram ao tentar saltá-las e outros faleceram pelas mãos das forças marroquinas.

- Índia – Bangladesh : desde 1993, a Índia se separa de Bangladesh com uma cerca para reduzir a tentação da imigração. Isso levou a conflitos sobre o traçado exato da fronteira e ao abandono de 100 mil pessoas em terras de ninguém, isoladas de todos os serviços públicos.

- Chipre : Um muro segue dividindo em dois a capital Nicósia, entre as duas metades grega e turca desde a invasão turca de 1974.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/no-mundo-existem-65-muros-de-fronteira
  

domingo, 23 de agosto de 2015

Novo tecido político

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


‘A pluralidade ideológico-partidária é um vetor de grande importância para alimentar as dinâmicas que provocam reflexões, discernimentos e escolhas na construção da sociedade. A política partidária, assim, é constitutiva do tecido democrático, porém, neste momento, se desenvolve sem o respaldo de uma cultura político-cidadã consistente, com capacidade para sustentar os embates pautados pelo inegociável compromisso com o bem comum. A responsabilidade com o país não pode ser jamais negociada por interesses mesquinhos e por esquemas de corrupção.  Para além de sua competência específica, os políticos são cidadãos como todos os outros, alimentados no horizonte de uma mesma sociedade, portanto filhos iguais da mesma cultura.  Se essa cultura cidadã, que é básica, está comprometida, será sofrível o nível da política partidária.

A falta de envergadura nos exercícios políticos, ao se constatar equívocos em administrações, mediocridades em representações e obscuridades, evidencia desajustes nessa cultura cidadã. Assim, é indispensável investir num novo tecido político para subsidiar uma cidadania que consiga produzir líderes mais nobres, capazes de abrir frentes e encontrar novas respostas, ajudando no avanço inadiável de instituições e instâncias todas da sociedade. É necessário cultivar uma consistência nova que sustente a cidadania na sociedade brasileira. Esgotou-se a tentativa muito comum, ante os desarranjos da política, de alguém se apresentar no cenário político partidário como ‘salvador da pátria’, com soluções quase mágicas para os muitos problemas.

A política partidária, ao cair nas mazelas dos interesses mesquinhos pela sedução terrível do dinheiro e do poder, perde a moral e compõe um cenário rejeitado pela população. Candidatos, quando eleitos, com pouco tempo expõem suas fragilidades e inércias. Exercem responsabilidades, quando o fazem, a ‘passo de tartaruga’. E, no período eleitoral, começa a mesma cantilena partidária. Falta uma dinâmica mais adequada para o exercício da política, o que agrava crises por carência de líderes lúcidos e competentes. Tudo se resume num falatório e em discussões sem força para mudar cenários ou para alcançar respostas assertivas.  Há de se considerar o investimento diuturno em busca de um tecido político mais qualificado na sociedade brasileira.  Agora é hora oportuna, no enfrentamento das crises, para se abrir um novo horizonte, superar vícios e procedimentos que, mantidos, impedirão transformações importantes e na velocidade esperada. Sem essas mudanças, a sociedade continuará a amargar atrasos e a perda de oportunidades para seu esperado crescimento.

O investimento em educação, sem dúvida, é um ponto de grande relevância, mas não basta somente investir no ensino formal. A intervenção precisa ser mais abrangente, no âmbito da cultura. Nessa dimensão, muitos aspectos merecem análises para serem modificados. Sabe-se que não basta apenas ser detentor de conhecimento. É preciso ser capaz de valer-se da riqueza das informações para articulações de alta complexidade e, assim, alargar horizontes, acionar a lucidez da inteligência que aponta soluções e a disposição cidadã de tudo fazer para dar ao conjunto da sociedade o desenvolvimento almejado.

Exercícios precisam ser praticados para que se avance no processo de melhorias do tecido político.  Um rosário de tarefas pode ser apontado. Quando se considera os cenários de pobreza e miséria que desenham a sociedade brasileira, é indispensável priorizar os clamores dos pobres, como princípio e lei acima de normas vigentes, de direitos do Estado ou de defesa de interesses particulares. Também é hora do empresariado investir em projetos sérios, de credibilidade. É o momento dos agentes na política partidária abrirem mão de benesses que estão na contramão das expectativas de seus representados. Devem-se qualificar melhor, humanisticamente, para o exercício da liderança. De um modo geral, são necessárias novas práticas cidadãs, o que inclui respeitar tudo o que se relaciona ao bem comum. Não se avançará muito e não se conseguirá superar os graves problemas deste momento se não se encontrar o caminho, as dinâmicas, os modos e a boa vontade de todos para se constituir um novo tecido político.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5324
  

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Não deixar de manifestar nossas próprias convicções, ainda que soem diferentes

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Alberto Taveira Corrêa,
Arcebispo Metropolitano de Belém, PA


Palavra do Senhor! Palavra da Salvação! Palavra de Vida Eterna! São expressões que ressoam continuamente em nossos ouvidos! No entanto, estamos mais acostumados com palavras que nos chegam através dos muitos meios de comunicação de nosso tempo. Ficamos até acostumados com as notícias da última alta do dólar, as chacinas do dia a dia, a crise política e econômica, as muitas ‘operações’ efetuadas pelos órgãos de segurança. Nada nos assusta nem causa reação ou escândalo, quase vacinados diante das imagens e sons que entram em nossas casas e corações. As pessoas são capazes de permanecer impávidas diante de noticiários sanguinários e sanguinolentos, às vezes continuando suas refeições ou tratando de amenidades.

Entretanto, quando a Igreja fala da verdade o Evangelho, ou prega as consequências morais e éticas do seguimento de Jesus, alguns consideram intervenção indevida, agressão à laicidade do Estado, que sabemos não ter necessidade de ser ateu para ser laico! Num mundo paganizado, falar dos Sacramentos, ou da prática de Missa dominical, ou ter convicções claras e correspondentes à Verdade revelada, tudo pode parecer anacrônico e fantasioso. Falar de família monogâmica, formada a partir da união de homem e mulher, fiel e fecunda, como a Igreja insistirá fortemente neste período que antecede o Sínodo dos Bispos, soa retrocesso, diante do que se pensa ‘progresso’, outro nome da destruição da família e da desagregação de laços consistentes, que sabemos ser essenciais para a garantia da dignidade humana pessoal e a sustentação da vida, como foi pensada por Deus, tudo isso receberá ataques de toda ordem.

Não é de hoje! Quando o Povo de Deus, tendo atravessado o Rio Jordão e vencido as primeiras etapas de ocupação da Terra Prometida, foi convocado a uma grande Assembleia, no lugar chamado Siquém, Josué (Cf. Js 1,1-9), cuja liderança se consolidava, falou a todas as tribos de Israel com palavras provocantes : ‘Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir : se aos deuses a quem vossos pais serviram no outro lado do rio ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor’ (Js 24, 15). Mesmo escolhido por Deus para uma grande missão, aquele povo sempre esteve sujeito à tentação e à queda, pelas suas próprias limitações e pelo contato com o paganismo. Com frequência, através de seus enviados, o Senhor lhe pedia a renovação dos compromissos. A resposta à palavra de Josué corresponde a um verdadeiro refrão, que ocorre em variações em outros textos da Escritura Sagrada : ‘Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir a deuses alheios. Pois o Senhor, nosso Deus, foi quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem realizou esses grandes sinais diante de nossos olhos e nos guardou por todos os caminhos por onde peregrinamos, e no meio de todos os povos pelos quais passamos... Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus’ (Js 24, 16-18).

Quando veio Jesus, sua pregação e seus milagres arrebanharam multidões, como mostram os textos evangélicos. No entanto, muitos ficaram escandalizados com suas palavras e seus gestos. Sua presença se tornou verdadeira provocação a pessoas acomodadas, que se tinham ajeitado numa prática religiosa superficial, o que lhe granjeou significativo grupo de inimigos, inclusive no meio das autoridades civis e religiosas do tempo. Aquele que é a Verdade (Cf. Jo 14,4-5; Jo 18, 33-38) foi rejeitado por muitas pessoas, mesmo sendo estas tocadas por seu amor (Mc 10, 17-23). Tendo chamado discípulos do meio da multidão, esta marcada por expectativas messiânicas algumas vezes confusas, ou limitada formação religiosa, o Senhor Jesus sabia que seria necessária uma grande paciência para formá-los, trabalhando para a maturidade apostólica, que só viria com a Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão de Jesus e a vinda do Espírito Santo no Pentecostes.

Uma das crises dos discípulos ocorreu após a Multiplicação dos Pães e o Discurso a respeito do Pão da Vida, quando Jesus pronuncia palavras cuja consequência desfrutamos e a Igreja o fará até a volta do Senhor : ‘Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo’ (Jo 6, 50-51). Trata-se do anúncio da Eucaristia! Justamente os discípulos entraram em pânico, junto com outras pessoas : ‘Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’ (Jo 6, 60). Como fez Moisés com o Povo de Deus no Sinai, ou Josué em Siquém, é hora da decisão : ‘Jesus disse aos Doze : 'Vós também quereis ir embora?' Simão Pedro respondeu : 'A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus'’ (Jo 6, 67-69).

Diante das provocações do tempo em que vivemos, é possível alinhavar algumas atitudes ao mesmo tempo respeitosas e corajosas. Não nos escandalizemos com a diversidade existente em nosso mundo. Antes, na pessoa que é diferente ou pensa de modo diverso de nós, identificar os canais de diálogo fecundo, cooperando, o que quer dizer trabalhando juntos, pelo bem comum. Não deixar de manifestar nossas próprias convicções, ainda que soem diferentes, como nos ambientes de trabalho, tantas vezes eivados de conceitos espúrios ou meias verdades tiradas da última mensagem recebida em redes sociais, consideradas a última palavra. Respeitar o diferente, mas dizer com simplicidade e força que a própria consciência mostra outra visão da vida e do mundo. Ora, para tanto, buscar a necessária formação, nas várias possibilidades oferecidas pelas Paróquias ou Pastorais e Movimentos Eclesiais. E é na vida em Comunidade, especialmente na Paróquia, que se fortalecem as convicções.

A todos os irmãos e irmãs chegue o convite a dizer com São Pedro, que, com suas fragilidades parecidas com as nossas, não foi propriamente um herói da primeira hora, pronunciou palavras tão fortes, que repetiremos no coração todas as vezes em que ressoar, em nossas missas ‘Palavra do Senhor’ ou ‘Palavra da Salvação’ : ‘Só tu tens palavras de Vida Eterna!’’.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/nao-deixar-de-manifestar-nossas-proprias-conviccoes-ainda-que-soem-diferentes


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Os 1.500 anos da Abadia de Saint-Maurice, 'um farol de fé'

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

St-Maurice, son abbatiale  

‘A Abadia São Mauricio de Agaunum (Saint-Maurice de Agauno), no Cantão suiço de Valais, celebra com um Ano Jubilar, a ser concluído em 22 de setembro – os 1.500 anos de fundação. Em 1º de agosto passado, acolheu o 95º abade de sua história, Jean Cesar Scarcella.

Foi por desejo do Rei dos burgúndios, Sigismundo – o primeiro rei bárbaro a converter-se ao cristianismo – que a Abadia de Saint-Maurice foi construída, em 22 de setembro de 515, sobre um maciço de rocha nos Alpes, em torno ao vale do Rio Rodão. Sigismundo, que sucedeu ao pai Gondebaudo em 516, fez da abadia uma meta de peregrinação para o seu povo, obrigado a segui-lo na adesão à nova fé. Talvez por isto, tenha escolhido o lugar em que, em 381, o Bispo de Martigny eregiu um primeiro santuário dedicado a acolher os restos mortais de São Maurício. Também Maurício era pagão, um general romano que, convertendo-se ao cristianismo, foi morto junto a todos os soldados da Legião Tebaica no final do século III, pois se recusava a oferecer sacrifícios ao imperador.


A mais antiga abadia da Europa Ocidental ocupada de modo permanente, desempenhou um papel fundamental na história da região. O centro monástico – não obstante o saque dos Longobardos em 574 – floresceu nos primeiros dois séculos de existência, com 500 monges que se alternavam dentro da Igreja para oficiar o rito da laus perennis. O ininterrupto louvor a Deus era o preço da expiação de seu fundador, Sigismundo, manchado pela morte do filho Sigerico. Esta forma de oração foi mantida até o século IX. No entanto, a presença dos monges começou a declinar, enquanto diversos terremotos, obrigaram a reconstrução dos prédios.

Reis e Imperadores arrogaram a sua posse na mudança das dinastias e das alianças políticas. O Rei dos francos, Carlos, o Calvo (840-877) a obtém por meio do tio materno Umberto, que a presenteou ao sobrinho Boson V de Provença. Em 888, foi coroado em Saint-Maurice o primeiro Rei da Borgonha, Rodolfo.

Entre 1103 e 1147, Amadeu III de Savoia, que era um abade leigo, favoreceu o renascimento do complexo monástico. Em 1128 os canônicos, que neste meio tempo haviam substituído os monges - abraçaram a regra de Santo Agostinho.

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A Alta Idade Média foi o período em que a abadia desempenhou um relevante papel político no território, pelos abades que acabaram tornando-se também Bispos de Sion e portanto, Condes de Valais, e em outros casos, se aliando com a Casa de Savoia em oposição ao Bispo-conde de Valais. Esta influência política cessou em 1789 com a revolução valesana, quando a Saint-Maurice torna-se abadia territorial.

Em 3 de Julho de 1840 com o breve ‘In amplissimo’ do Papa Gregorio XVI dirigido aos abades de Saint-Maurice, foi concedido ‘in perpetum’ o título de Bispos de Belém. Em 4 de agosto do mesmo ano, o próprio Papa com o breve ‘Ea est dignitas’ concedeu à abadia numerosos privilégios, enquanto os confins com a Diocese de Sião foram sancionados em 11 de outubro de 1933 com a Bula ‘Pastoralis cura’, do Papa Pio XI

A abadia, assim como a localidade de Saint-Maurice, formam o percurso da Via Francígena – a antiga via das peregrinações em direção à Roma – e se coloca no centro do diálogo intercultural e inter-religioso das diversas Igrejas Cristãs presentes em seu percurso.



Em 1º de agosto, Jean Cesar Scarcella, o 95º abade da história da Abadia de Saint-Maurice, recebeu das mãos do Bispo de Sion, Jean-Marie Lovey, as insígnias pontifícias – o anel, a mitra e o báculo – enquanto a leitura do mandato apostólico do Papa Francisco assinalou a ligação com a Igreja universal. ‘Sim, o quero’, respondeu o abade às perguntas do rito : a fidelidade ao compromisso canônico, a instrução e a guia dos irmãos, a obediência à Igreja, a oração pelo povo de Deus.

Em um comunicado redigido pelo abade anterior, Joseph Roduit, os prelados da Conferência Episcopal Suiça, da qual o abade faz parte, sublinharam a importância da religião na história do país, ‘quer na promoção do bem, quer, às vezes, do mal, infelizmente suscitado. Mesmo que a Suiça tenha conhecido as tristes guerras de religião – reiteram - é necessário reconhecer o papel essencial das Igrejas. Elas perseveraram no anúncio do Evangelho’.

No contexto de um mundo que muda constantemente – escreveu ainda o Abade Riduit – esta abadia permanece como um farol dentro da tempestade de ideias que em tantas ocasiões buscaram desacreditar os valores da oração e a ação cristã inspirada no Evangelho’.

São Maurício é um dos santos mais populares da Europa ocidental. Existem mais de 650 lugares sagrados que levam seu nome na França. Mais de setenta cidades levam o nome dele. Sua memória, junto com seus companheiros, é celebrada na Igreja em 22 de setembro. A maioria das relíquias dos corpos dos soldados cristãos da Legião Tebana, são veneradas no Convento de São Mauricio de Agaunum’.

 

Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/os-1500-anos-da-abadia-de-saint-mauriceum-farol-de

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Papa encoraja o trabalho do Serviço Sacerdotal Noturno de Urgência na Argentina

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  


 Iniciativa nasceu há 60 anos com o objetivo de assegurar os sacramentos aos fiéis necessitados, em momentos que não é fácil encontrar um padre


‘O próximo Jubileu extraordinário da Misericórdia será ‘uma boa ocasião para intensificar a colaboração entre os pastores e os leigos, na missão de apoiar com assistir com ternura os doentes e os moribundos’, expressou o Papa Francisco em carta enviada a Manuel Martin Sjöberg, presidente da Federação dos Serviços Sacerdotais Noturnos de Urgência.

A iniciativa nasceu em 1952 na cidade argentina de Córdoba, a fim de garantir os sacramentos aos fiéis, em horários que não é fácil encontrar um padre.

Além disso, o Santo Padre reitera na carta o seu apoio e incentivo à obra de misericórdia cristã, que há 60 anos é realizada por voluntários da Federação dos Serviços Sacerdotais Noturnos de Urgência.

Ao falar dos necessitados, Francisco exortou : ‘as nossas mãos seguram as mãos deles, e as trazemos a nós, para que o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade’.

Não podemos escapar das palavras do Senhor segundo as quais seremos julgados. Dediquemos tempo para acompanhar os que estão doentes ou na prisão, sabendo que em cada um destes ‘pequenos’ está presente o próprio Cristo’.

Para terminar a carta, o Pontífice encorajou ‘todos aqueles que já realizam esse serviço’ e pediu para rezarem por ele.

O Serviço Sacerdotal de Urgência Noturno é um serviço gratuito oferecido pela Igreja, que presta assistência espiritual e religiosa à pessoas doentes, deficientes ou em estado terminal, em horários difíceis de encontrar um padre. O serviço é realizado por um religioso e dois ou quatro leigos que, das 21:30 as 06:30, estão atentos às chamadas de quem pede ajuda’.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/papa-encoraja-o-trabalho-do-servico-sacerdotal-noturno-de-urgencia-na-argentina


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Imigrantes são espancados, torturados e estuprados

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


‘Imigrantes são estuprados, baleados e torturados em sua jornada para a Europa antes mesmo de arriscarem a vida cruzando o Mediterrâneo, revela uma médica. Ao tratar de homens, mulheres e crianças que chegam à Itália, Anna Crepet, dos Médicos sem Fronteiras (MSF), se sente ‘em uma zona de guerra’.

No porto siciliano de Pozzallo, muitos imigrantes chegam com ferimentos que podem ser fatais, mas que só são tratados quando estes alcançam segurança.

Às vezes parece que estamos trabalhando em uma zona de guerra, mas acho que é ainda pior, porque vemos casos que não receberam tratamento por semanas — conta. — Vemos fraturas resultantes de espancamento, muitas feridas de tiros. Encontramos balas nos músculos e sob a pele.

Ela lembra de um homem que chegou à Sicília com um buraco de bala que atravessou uma coxa e se alojou na outra perna. Mas algumas feridas são mais difíceis de serem notadas. Crepet diz que grande parte das mulheres que fazem a travessia de suas casas na África ou no Oriente Médio é estuprada no caminho, muitas vezes chegando grávidas à Itália.

Elas costumam falar muito pouco sobre o que passaram, mas algumas vezes identificamos marcas do estupro — comentou. — Sabemos que a maioria das que chegam sozinhas deve ter sido estuprada. E não são poucas que viajam assim.

Crepet já ouviu relatos de tortura, de imigrantes sendo estuprados diante dos familiares, fossem homens ou mulheres. Alguns com apenas 13 anos.

As histórias são similares : sequestros, feitos reféns e espancados por gangues na Líbia que exigem dinheiro. Mesmo antes de chegarem ao país, de onde muitos barcos de traficantes partem em direção à Europa, pessoas originárias da África subsaariana ou do Oriente Médio passam semanas em picapes superlotadas.



Para a médica, o Saara é ‘uma das partes mais fatais da jornada’, com muitos imigrantes sendo assassinados ou morrendo em acidentes de carro ou de desidratação.

Ela conheceu um eritreu que teve a perna amputada, após cair do caminhão e ser atropelado. Um adolescente da Somália contou que quando seu grupo chegou à Líbia foi sequestrado e cada um foi obrigado a pagar mais US$ 300. Uma das mulheres, após ser solta, tentou se matar.

Não podíamos falar entre nós e apanhávamos constantemente — contou o jovem, que só foi solto após a mãe enviar o dinheiro’.


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://oglobo.globo.com/mundo/imigrantes-sao-espancados-torturados-estuprados-caminho-da-europa-17206786
  

domingo, 16 de agosto de 2015

Estado Islâmico justifica estupros generalizados ‘em nome de Deus’

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 *Artigo de Rukmini Callimachi,
Do ‘New York Times’


 Intepretação distorcida do Alcorão é utilizada com escravas sexuais yazidi

‘Momentos antes de estuprar a menina de 12 anos, o combatente do Estado Islâmico (EI) tomou o tempo de explicar que o que estava prestes a fazer não era um pecado. Já que a garota era adepta de uma religião diferente do Islã, o Alcorão não apenas lhe dava o direito de estuprá-la — ele encorajava isso, insistiu o jihadista. Após amarrar suas mãos e amordaçá-la, ele se ajoelhou ao lado da cama e se prostrou em oração antes de consumar o ato sexual. Quando acabou, se ajoelhou para orar de novo, cercando o estupro com atos de devoção religiosa.

— Eu fiquei dizendo que estava machucando, para ele parar por favor. Ele disse que segundo o Islã ele pode estuprar uma infiel, que isso o deixa mais perto de Deus — disse ela em uma entrevista ao lado da sua família no campo de refugiados para o qual escapou após 11 meses cativa.

O estupro sistemático de mulheres e meninas da minoria religiosa yazidi se entranhou na organização e na teologia radical do EI no ano que se passou desde que o grupo anunciou que decidira reviver a instituição da escravidão. O comércio de mulheres yazidis criou uma infraestrutura permanente, com uma rede de armazéns onde as vítimas são mantidas, salas de exibição onde elas são inspecionadas e vendidas e uma frota de ônibus usada para transportá-las.

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Um total de 5.270 yazidis foram sequestrados no ano passado, e ao menos 3.144 ainda são mantidos cativos, de acordo com líderes da comunidade. Para negociá-los, o EI desenvolveu uma detalhada burocracia de escravidão sexual, incluindo contratos de venda registrados por cortes islâmicas. A prática também se tornou uma ferramenta para recrutar homens de sociedades muçulmanas profundamente conservadoras, onde sexo casual é tabu e namoros são proibidos.

Um crescente número de memorandos internos e discussões teológicas estabeleceu diretrizes para a escravidão, incluindo um manual divulgado pelo Departamento de Pesquisa e Fatwas (decretos religiosos) no mês passado. Repetidamente, as lideranças do EI enfatizam uma leitura seletiva do Alcorão que não apenas justifica a violência, mas que celebra cada ataque sexual como espiritualmente benéfico, e até virtuoso.

— Todas as vezes que ele vinha me estuprar, ele rezava. Ele ficava dizendo que era ibadah (adoração religiosa)— diz uma menina de 15 anos capturada no Monte Sinjar ano passado e vendida para um combatente iraquiano de 20 e poucos anos, de quem escapou após nove meses com a ajuda de contrabandistas. — Ele dizia que o estupro era sua oração. Eu dizia : ‘O que você está fazendo comigo é errado e não vai te aproximar de Deus’. E ele dizia : ‘Não, é permitido. É halal (permitido pela religião)’.


  
Conquista Calculada

A introdução da escravidão sexual sistemática pelo EI data de agosto de 2014, quando seus combatentes invadiram as vilas no flanco sul do Monte Sinjar, no Norte do Iraque, lar dos yazidis, uma minoria religiosa que representa menos de 1,5% da população do país. Os sobreviventes dizem que homens e mulheres foram separados logo após a captura. Homens e meninos mais velhos eram executados; as mulheres, meninas e crianças eram levadas embora em camionetes. Depois, eram mantidas em confinamento por dias ou meses, e então enviadas em grupos menores a outras partes do Iraque e da Síria, onde eram vendidas como escravas.

— O ataque ao Monte Sinjar foi tanto uma conquista sexual quanto territorial — diz Matthew Barber, um especialista em yazidis da Universidade de Chicago.

Relatórios detalhados da Human Rights Watch e da Anistia Internacional chegaram à mesma conclusão sobre a natureza do tráfico sexual.

— Foi algo 100% planejado. Falei por telefone com a primeira família que chegou a Mossul, e o local já estava preparado para eles. Havia colchões, pratos e talheres, comida e bebida para centenas de pessoas — diz Khider Domle, um ativista comunitário yazidi.

Da mesma maneira que passagens da Bíblia foram usadas séculos mais tarde para apoiar o tráfico de escravos nos EUA, o EI cita versos específicos do Alcorão ou a Sunna — as tradições baseadas nas falas e atos do profeta Maomé — para justificar o tráfico humano. Estudiosos da teologia islâmica se dividem sobre a interpretação.

— No meio no qual o Alcorão surgiu, havia a prática difundida de homens terem relações sexuais com mulheres que não eram livres. Não era uma instituição religiosa, era apenas como as pessoas faziam as coisas — diz Kecia Ali, professor de religião na Universidade de Boston e autor de um livro sobre escravidão.


Cole Bunzel, professor de teologia islâmica na Universidade de Princeton, discorda, apontando a numerosas referências à frase ‘aquelas que sua mão direita possui’ no Alcorão, que por séculos foi interpretada como ‘mulheres escravas’.

— Você pode argumentar que essas passagens não são mais relevantes e hoje são aberrações. Mas o EI argumentaria que essas instituições precisam ser revividas, porque era isso que o profeta e seus companheiros faziam — diz.’


Fonte :