*Artigo de Paulo Vasconcelos Jacobina
A maior força do Mal consiste
em nos fazer pensar que a nossa luta pelo bem é uma resposta desproporcional e
injusta aos pequenos males que eles querem nos impor em troca do grande ‘bem’
que as suas políticas estragadas prometem falsamente para um futuro melhor.
‘Se
o grande autor cristão C. S. Lewis estivesse vivo hoje, talvez pudesse
acrescentar ao seu belo livro ‘Cartas de um Diabo a seu Aprendiz’
uma carta mais ou menos assim :
‘Meu caro diabinho aprendiz,
A banalidade do mal é um aspecto da
nossa realidade que os seres humanos contemplam pouco, mas que nos é
extremamente útil. Precisamos explorá-lo cada vez mais.
De fato, se fizéssemos uma leitura com
olhos demoníacos do capítulo 3 do Livro do Gênesis, o célebre trecho da
tentação de Adão e Eva pela serpente, nosso mestre diabólico maior, no Paraíso,
surpreenderíamo-nos com a banalidade do gesto ali descrito : um animalzinho
falante oferece uma fruta apetitosa ao casal, e o casal come. Descobrem que
estão nus, vestem-se com folhas de figueira e escondem-se, envergonhados com a
própria nudez, ao ouvirem os passos de Deus que se aproximava. E isto é tudo :
um animalzinho, uma pequena mordida numa fruta apetitosa. E eis o mal instalado
no mundo, eis o fim do paraíso, eis a humanidade inteira irremediavelmente
comprometida (pelo menos até a redenção em Cristo) pela ferida hereditária do
pecado original. Veja como a banalidade do mal é eficiente! E como, diante
dela, a reação de Deus parece desproporcional e arrogante!
Como seria fácil até para um humano bem
treinado em técnicas jurídicas de tribunal, se devidamente inspirado por um de
nós, distorcer a reação aparentemente desproporcional de Deus à banalidade do
gesto dos primeiros humanos, de modo a fazer com que pareça desproporcional e
autoritária : por que excluir todo o gênero humano do Paraíso por causa de uma
mordidinha numa fruta? Uma fruta que, diga-se de passagem, foi criada pelo
próprio Deus, e por ele feita apetitosa aos olhos de sua criatura. Não é difícil
a um argumentador treinado em retórica jurídica transformar Deus no grande
culpado pelo que ocorreu nessa passagem bíblica; as criaturas, Adão e Eva, sem
esquecer a serpente, não pediram para ser criadas. Não escolheram morar num
paraíso em que uma das frutas lhe era proibida. Além disso, Deus não se
comporta como um burguês egoísta, um capitalista possessivo, ao negar ao
primeiro casal justo o fruto da árvore que ‘está no meio do jardim’? E o
princípio da proporcionalidade, não estaria desatendido quando, por causa de
uma frutinha, Deus condena a serpente a ‘caminhar sobre seu ventre e comer
poeira todos os dias’, sem possibilidade de livramento condicional? Não seria
machista, ao condenar somente Eva às dores do parto e a ser dominada pelo
marido? Não seria explorador do proletariado ao condenar Adão a extrair seu
sustento ‘com o suor do rosto’, expulsá-lo do Paraíso e retirar dele o acesso à
Árvore da Vida, condenando-o, ademais, à crudelíssima ‘pena de morte’, que
nossas sociedades já não admitem no atual estágio de civilização? Ademais, com
um gesto militarista, põe à entrada do Paraíso seus ‘policiais militares’, os
querubins com suas espadas em chamas fulgurantes.
Restar-nos-ia apenas convencer à
humanidade contemporânea que a única postura adequada das criaturas hoje seria,
então, a justa revolta contra um Deus arbitrário, arrogante, machista,
patrimonialista e cruel, desproporcionado em sua reação e autoritário em seu
agir. E assim, o nosso argumento infernal poderia prosseguir : incentivarmos o
ser humano a progredir no sentido da sua própria ‘libertação’ frente a um Deus
assim : desconstruir a fé! Incentivemos as pessoas a repetir, todos os dias, os
gestos mais banais para demonstrar sua independência, sua autonomia frente a
Deus e à religião, para expulsar da sua vida, num gesto humano de resposta à
altura, esse mesmo Deus que um dia os expulsou do Paraíso.
E com base nesse mesmo raciocínio,
vamos conclamar todos os diabos a propor, hoje, como solução para todas as
misérias humanas, a progressiva liberação das drogas, o aborto primeiro como
exceção, depois como regra, a eutanásia, o divórcio, a pornografia, a
promiscuidade, o sexo casual e o descompromisso afetivo, o consumismo
desenfreado e a ostentação, a mutilação vaidosa do próprio corpo, a acumulação
de riquezas e poder, tudo com a marca da banalidade que é muito própria do mal.
Assim, digamos aos humanos : que mal há num divórcio, se as pessoas estão
apenas buscando a própria felicidade ao romper uma família que já não lhes era
mais agradável? E a miséria social se abate muito mais duramente contra uma
família empobrecida, sem emprego, sem pai ou sem mãe, numa economia atravessada
pela ambição desmedida! Quando Já não houver quem derrame lágrimas quando as
famílias se desfazem assim, diremos a eles, estaremos numa sociedade evoluída,
livre de Deus e seus dogmas insuportáveis. Que mal há, digamos a eles, quando
alguém mata no útero um pequeno bebê de semanas? Tudo em nome da ‘libertação da
mulher’! Quando já não houver lágrimas por ele, visto como um ‘pequeno
amontoado de células’ que parasita o corpo da mulher, que deve ser eliminado
como um manifesto de liberdade feminina contra o velho castigo do Paraíso,
seremos vitoriosos. Ah, quão doce para nós é ver um bebê arrancado de sua mãe
verdadeira e biológica, sob os aplausos da grande imprensa mundial, em favor de
quem ‘alugou seu útero’, aproveitando-se da sua mais absoluta miséria : incapaz
de ter um filho como fruto de amor, natural ou adotado, alguém decidiu tê-lo
como fruto de dinheiro. Arrancar filhos dos braços das mães em lugares
paupérrimos para entregá-los a endinheirados de países prósperos já foi
considerado pela maior parte da humanidade como um gesto abominável de
escravização. Hoje, graças ao nosso trabalho, é vanguarda comportamental. Seu
filho traz na mochila um pouco de droga, e você está escandalizado? Tolo
moralista. Digamos a eles : os governos malvados e opressores usam a questão da
droga para fazer a polícia reprimir os pequenos prazeres juvenis! Não são
tantos grandes artistas, muitas vezes inspirados por nós abertamente, os
grandes ícones da rebeldia drogada? Seu filho é um inconformista, um
vanguardista. Por outro lado, se ele está viciado, diremos que já não tem
jeito, abandone-o e pronto! Despreze o seu filho que cai, despreze seu familiar
que cai, destrua seu lar e vá em busca de seu próprio prazer!
Eduquemos, com as nossas hordes
infernais, as próximas gerações, para que todos os prazeres sejam permitidos, e
as velhas repressões e preconceitos dos tolos crentes sejam superados. Usaremos
os avanços que Deus (nosso adversário) permite e inspira nas ciências médicas e
químicas para convencer aos humanos que os limites humanos serão curados pelas
ciências, e que reconstruir a Árvore da Vida que o velho Deus guardou no seu
Paraíso, sem precisar do próprio Deus, é só uma questão de tempo. Vamos
convencer que é necessário dar acesso pleno aos recursos políticos, econômicos
e sociais aos de nossos partidos, para que possamos construir a justiça na
terra com meios estritamente humanos (se trabalharmos bem os políticos, isso
parecerá possível a eles), pela rejeição de qualquer menção a Deus nos espaços
públicos. E quem dentre os humanos levantar dúvidas contra o nosso plano, que
será proposto como um plano ‘libertador’ em favor de todos os humanos, será
tachado de retrógrado, supersticioso, egoísta, antidemocrático e obscurantista.
Para que tudo isto? Ora, quando eles
renunciarem a Deus completamente, já não haverá quem os proteja de nós. Serão
nossos escravos eternos. Ora, meu pequeno aprendiz diabólico, será que você não
leu a Bíblia? Não conhece a Tradição da Igreja? Não viu que aquele gesto de
expulsão do Paraíso foi só o início de uma história de salvação absolutamente
eficaz contra nós? Sim, vou te lembrar, apesar do asco que esta história causa
em nós, demônios : a partir daquela queda, Deus enviou seu próprio Filho para
que nós já não pudé ssemos fazer de novo com os seres humanos o que um dia
fizemos com Adão e Eva : prometer-lhes o que jamais poderíamos dar, em troca da
renúncia ao amor de Deus. Prometemos o poder e a eternidade, mas o que temos
para dar? Só escravidão e morte...’
Quem
nunca testemunhou essa banalidade do mal em suas próprias vidas? Não falo aqui
daqueles, tantos de nós, que, muitas vezes movidos por escolhas desacertadas,
praticaram estas coisas e merecem todo nosso apoio e compaixão para superá-las.
Falo, isto sim, daqueles que estão lutando para transformar tantos males, estes
e outros, em políticas públicas, com o argumento de que na verdade são apenas
pequenos males que, se praticados, gerarão enormes bens. A maior força destes
consiste em nos fazer pensar que a nossa luta pelo bem é apenas uma resposta
desproporcional e injusta aos pequenos males que eles querem nos impor em troca
do grande ‘bem’ que as suas políticas
estragadas prometem falsamente em nome de um suposto futuro melhor. Esta foi a
estratégia da serpente no Paraíso. Esta ainda é o comentário que frequentemente
escutamos quando nos opomos publicamente a alguma dessas políticas que São João
Paulo II um dia chamou de ‘cultura da
morte’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/uma-carta-do-inferno
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