Transcrevemos a seguir o
artigo ‘Um novo terreno comum’, de Abdullah Hamidaddin, publicado na edição do
L'Osservatore Romano de 1º de julho. A partir de uma ‘perspectiva muçulmana’ o
autor lança um olhar sobre a Encíclica Laudato Si.
‘Devo
agradecer ao Twitter por muitas coisas, entre estas a Encíclica do Papa
Francisco 'Laudato si, sobre o cuidado da
casa comum'. Há uma semana não tinha sequer consciência da palavra ‘encíclica’. E sobre o Twitter que me
defrontei com ela, seguindo o Papa e os seus tweeets, que na última semana
diziam respeito, entre várias questões sociais, ao ambiente.
Como
muçulmano, ouvi falar muito do Islã como religião, quer da vida após a morte
como desta vida. E de como cada aspecto de nossa vida tenha uma dimensão
religiosa. Esta ideia em si, poderia levar a resultados diversos, mas o que
prevalece no mundo muçulmano é a necessidade de implementar a shari'a.
Assim,
quando iniciei a ler a encíclica pensei ‘sentir-me
em casa, mas num tipo de casa diferente’. Ainda estou procurando
cristalizar o significado, mas estava claro de que não se tratava de um convite
para aplicar leis religiosas. Aqui o Papa estava discutindo questões que nos
dizem respeito como seres humanos com o acréscimo de uma dimensão espiritual. Estava
espiritualizando a nossa busca de soluções para os principais problemas que
afligem a humanidade.
As
ideias expressas na Laudato Si não
são uma novidade, nem exclusivas do Papa. Mas a carga espiritual dada por elas
é fonte de inspiração, ao menos para mim, também nos casos em que não estava de
acordo com ele, como por exemplo sobre o controle dos nascimentos. Me agradou a
abordagem, a maneira com que a espiritualidade foi incorporada na minha vida,
sem nenhuma menção à legislação.
A
Encíclica suscitou muitas polêmicas e debates, e continuará a fazê-lo nos
países e nas comunidades com uma herança católica ou cristã. O cuidado com o
nosso mundo, a fé na justiça social, a empatia com as preocupações dos pobres e
dos oprimidos, além das consequências da tecnologia, não são questões fáceis.
São complicadas e profundamente entrecruzadas com o poder e os interesses. Além
disto, não são questões na espera de serem reconhecidas ou suscitadas por uma
autoridade religiosa. Espiritualizar estes problemas pode ter um forte impacto
sobre a individualização e a concretização de soluções.
Nós
somos seres racionais, podemos, de fato, discutir as preocupações da humanidade
fazendo uma análise custo-benefício; mas somos também morais e portanto podemos
discutir as dificuldades dos outros e as obrigações que aqueles que estão
melhor têm para com os menos privilegiados. Somos porém, também seres
espirituais, ou ao menos muitos de nós acreditam. E é aqui que a autoridade
religiosa é importante, porque acrescenta uma dimensão espiritual às discussões
sobre seres humanos e o bem estar da humanidade.
O
Papa, a meu ver, falou como um racionalista, apresentando as conclusões a que
chegou com base em seu pensamento racional, mas falou também como um moralista,
sublinhando as obrigações que temos para com o outro e pela terra na qual
vivemos. Além disto, falou como autoridade religiosa, insistindo no fato de que
as grandes questões da nossa vida devem fazer parte do nosso caminho
espiritual.
Estava
dizendo que abrir os nossos corações a Deus não diz respeito somente aos
rituais, mas é uma questão de empatia, cuidado e salvaguarda das bênçãos que
Deus nos deu.
Como
muçulmano, acho a sua declaração extremamente confortante. Não importa se
partilha a minha fé. Nem me importa se estou de acordo com todas as suas
conclusões. O que conta para mim é que o Papa criou um novo terreno comum, a
nível espiritual, entre os seguidores de todas as religiões.
Tudo
isto poderia parecer um sonho de olhos abertos para muitos. A violência e o
terror afligem a nossa vida a tal ponto, que alguns de nós agora acreditam que
este seja o nosso destino. Mas existem muitos outros que rejeitam render-se ao
terrorismo, que rejeitam uma atitude fatalista sobre o futuro da humanidade,
que insistem no querer esperar e celebrar todos os esforços para que entre as
pessoas exista paz e empatia pelo outro. Acredito que a Encíclica do Papa seja
um destes esforços que deveria ser celebrado e abraçado por pessoas de todas as
crenças, e até mesmo por quem não crê’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de
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