quinta-feira, 2 de julho de 2015

Um olhar muçulmano sobre a Laudato Si

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  

 Transcrevemos a seguir o artigo ‘Um novo terreno comum’, de Abdullah Hamidaddin, publicado na edição do L'Osservatore Romano de 1º de julho. A partir de uma ‘perspectiva muçulmana’ o autor lança um olhar sobre a Encíclica Laudato Si.


‘Devo agradecer ao Twitter por muitas coisas, entre estas a Encíclica do Papa Francisco 'Laudato si, sobre o cuidado da casa comum'. Há uma semana não tinha sequer consciência da palavra ‘encíclica’. E sobre o Twitter que me defrontei com ela, seguindo o Papa e os seus tweeets, que na última semana diziam respeito, entre várias questões sociais, ao ambiente.

Como muçulmano, ouvi falar muito do Islã como religião, quer da vida após a morte como desta vida. E de como cada aspecto de nossa vida tenha uma dimensão religiosa. Esta ideia em si, poderia levar a resultados diversos, mas o que prevalece no mundo muçulmano é a necessidade de implementar a shari'a.

Assim, quando iniciei a ler a encíclica pensei ‘sentir-me em casa, mas num tipo de casa diferente’. Ainda estou procurando cristalizar o significado, mas estava claro de que não se tratava de um convite para aplicar leis religiosas. Aqui o Papa estava discutindo questões que nos dizem respeito como seres humanos com o acréscimo de uma dimensão espiritual. Estava espiritualizando a nossa busca de soluções para os principais problemas que afligem a humanidade.

As ideias expressas na Laudato Si não são uma novidade, nem exclusivas do Papa. Mas a carga espiritual dada por elas é fonte de inspiração, ao menos para mim, também nos casos em que não estava de acordo com ele, como por exemplo sobre o controle dos nascimentos. Me agradou a abordagem, a maneira com que a espiritualidade foi incorporada na minha vida, sem nenhuma menção à legislação.

A Encíclica suscitou muitas polêmicas e debates, e continuará a fazê-lo nos países e nas comunidades com uma herança católica ou cristã. O cuidado com o nosso mundo, a fé na justiça social, a empatia com as preocupações dos pobres e dos oprimidos, além das consequências da tecnologia, não são questões fáceis. São complicadas e profundamente entrecruzadas com o poder e os interesses. Além disto, não são questões na espera de serem reconhecidas ou suscitadas por uma autoridade religiosa. Espiritualizar estes problemas pode ter um forte impacto sobre a individualização e a concretização de soluções.

Nós somos seres racionais, podemos, de fato, discutir as preocupações da humanidade fazendo uma análise custo-benefício; mas somos também morais e portanto podemos discutir as dificuldades dos outros e as obrigações que aqueles que estão melhor têm para com os menos privilegiados. Somos porém, também seres espirituais, ou ao menos muitos de nós acreditam. E é aqui que a autoridade religiosa é importante, porque acrescenta uma dimensão espiritual às discussões sobre seres humanos e o bem estar da humanidade.

O Papa, a meu ver, falou como um racionalista, apresentando as conclusões a que chegou com base em seu pensamento racional, mas falou também como um moralista, sublinhando as obrigações que temos para com o outro e pela terra na qual vivemos. Além disto, falou como autoridade religiosa, insistindo no fato de que as grandes questões da nossa vida devem fazer parte do nosso caminho espiritual.

Estava dizendo que abrir os nossos corações a Deus não diz respeito somente aos rituais, mas é uma questão de empatia, cuidado e salvaguarda das bênçãos que Deus nos deu.

Como muçulmano, acho a sua declaração extremamente confortante. Não importa se partilha a minha fé. Nem me importa se estou de acordo com todas as suas conclusões. O que conta para mim é que o Papa criou um novo terreno comum, a nível espiritual, entre os seguidores de todas as religiões.

Tudo isto poderia parecer um sonho de olhos abertos para muitos. A violência e o terror afligem a nossa vida a tal ponto, que alguns de nós agora acreditam que este seja o nosso destino. Mas existem muitos outros que rejeitam render-se ao terrorismo, que rejeitam uma atitude fatalista sobre o futuro da humanidade, que insistem no querer esperar e celebrar todos os esforços para que entre as pessoas exista paz e empatia pelo outro. Acredito que a Encíclica do Papa seja um destes esforços que deveria ser celebrado e abraçado por pessoas de todas as crenças, e até mesmo por quem não crê’.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.news.va/pt/news/um-olhar-muculmano-sobre-a-laudato-si

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