*Artigo de José Ignácio Rivarés,
Missionários do Terceiro Milenio
Igrejas incendiadas, cemitérios profanados, centros de
oração assaltados, conversões em massa forçadas e até religiosas violadas...
este é o sombrio panorama que enfrenta a comunidade cristã na Índia atual. A
preocupação é grande, pois existe a percepção crescente de que as novas
autoridades impõem gradualmente o Hinduísmo às minorias e à sociedade no seu
conjunto.
‘Desde há uns meses, a Igreja Católica
na Índia não faz mais que invocar a Constituição. Em concreto, os seus artigos
15 e 25. O primeiro garante a igualdade perante a lei e proíbe toda a
discriminação por razões de religião, raça, casta, sexo e lugar de nascimento;
o segundo reconhece a liberdade de consciência de todos os cidadãos, assim como
o seu direito a professar, praticar e propagar livremente a própria religião.
As autoridades cristãs recordam estes e outros pontos fundamentais da Carta
Magna de 1950 – como o artigo 17, que suprime a intocabilidade e outorga,
portanto, visibilidade social aos dálitas ou párias –, movidas pela crescente
importunação e perseguição das minorias religiosas. As agressões
multiplicaram-se por todo o país desde a chegada ao Governo federal, em Maio de
2014, do Bharatiya Janata Party
(BJP), o Partido do Povo Indiano do
primeiro-ministro Narendra Modi, cujos princípios políticos se resumem no lema ‘Um povo, uma nação, uma cultura’.
Os Jesuítas na Índia já tinham
denunciado que, nos três primeiros meses de Governo Modi, haviam aumentado
significativamente ‘os discursos que
incitam ao ódio contra cristãos e muçulmanos’, com burlas à sua identidade,
questionamento da sua cidadania e menosprezo da sua fé. Agora, já ninguém
duvida do seu diagnóstico certeiro, que falava de uma mudança de estratégia
consistente em poucas mortes, mas intensificando uma violência quotidiana de
baixa intensidade, violência que já se transformou em rotina.
Farta de tantas agressões e da falta de
resposta policial, a comunidade cristã saiu à rua para protestar, de forma
pacífica, em frente à sede do Ministério do Interior. Mas foi em vão. A polícia
interveio e obrigou os manifestantes a regressar às suas casas, detendo alguns
deles sob o pretexto de que não estavam autorizados. Os bispos levantaram,
então, a voz para denunciar não somente ‘os
recorrentes ataques e atos de vandalismo’, mas também o fracasso das
autoridades para garantir a lei e o seu silêncio incompreensível.
De qualquer modo, o pronunciamento
serviu de pouco. No mesmo mês de Fevereiro registaram-se novos episódios de
violência em Goa e em Mangalore. O episódio de maior gravidade, contudo,
aconteceu na madrugada de 13 para 14 de Março no Estado de Bengala Ocidental,
quando delinquentes entraram para roubar o convento de umas religiosas e
acabaram por violar uma delas, doente, de 75 anos.
‘A violência física infligida às religiosas,
a violação de uma monja anciã e doente, a profanação de hóstias consagradas,
são atos cruéis e desumanos, dos quais todos os cidadãos da Índia deveriam
envergonhar-se!’,
clamou, novamente, a CBCI (Conferência de
Bispos Católicos da Índia). Essa última agressão, pela qual a polícia
deteve oito homens entre os 20 e os 30 anos, ocorreu num contexto social de
crescente hostilidade anticristã. De fato, umas semanas antes, nesse mesmo
Estado, o líder do Rashtriya Swayamsevak
Sangh (RSS), o principal grupo extremista hindu, tinha desprestigiado e
deslegitimado o trabalho caritativo das Irmãs
de Madre Teresa, que acusou de ‘fazer
proselitismo através do serviço aos pobres’.
A declaração de Modi
A inércia ou falta de competência das
autoridades policiais para pôr um travão às agressões às minorias é um fato
inquestionável. O próprio chefe da polícia de Deli reconhecia-o de alguma
maneira, ao afirmar – como querendo desvalorizar os ataques anticristãos da
capital – que, em 2014, foram atacados também na sua jurisdição, em episódios
similares de furto e vandalismo, 206 templos hindus, 30 templos sikhs e 14
mesquitas. Estes dados, contudo, não fazem mais que confirmar a existência de
um grave e crescente problema ‘de
direitos violados e de comunidades feridas nos seus sentimentos religiosos’,
como sustentam as autoridades cristãs. Depois de ter sido convocado pelo
primeiro-ministro Modi, o responsável policial de Deli anunciou a criação de
uma página no Facebook e outra no Twitter para atender as reivindicações das
minorias, considerar as suas queixas e tutelar a sua segurança. Não parece
grande coisa, na verdade, mas é algo.
Maior importância tem, ao menos no
papel, a declaração que o próprio Modi fez em meados de Fevereiro num ato
organizado pela Igreja sírio-malabar. ‘Condeno
todos os atos de violência dirigidos às minorias religiosas’, disse o
primeiro-ministro. ‘Nenhum grupo
religioso pode incitar à violência. O meu Governo garantirá a plena liberdade
de fé e não permitirá que nenhum grupo religioso, pertencente à maioria ou à
minoria, possa incitar ao ódio contra os outros, aberta ou ocultamente.’
Promessa sincera? Difícil de saber. A
declaração do primeiro-ministro – que chegou após meses de clamoroso silêncio –
foi acolhida, de todas as formas, com alegria lógica pela Igreja Católica
indiana, mas também com sábia prudência. ‘Estamos
contentes porque estas palavras são uma mensagem para todos, inclusive os
grupos extremistas hindus. Agora estamos à espera de ver as ações’, disse o
porta-voz da CBCI, P.e Joseph Chinnayyan. É que frequentemente as palavras dos
políticos vão por um lado e os atos por outro.
Confissões forçadas
As denúncias cristãs, em qualquer caso,
vão além das meras agressões. E referem-se também, e sobretudo, às campanhas
sistemáticas de incitação ao ódio que promovem tanto membros do BJP, como
grupos extremistas hindus. No Estado de Kerala, por exemplo, e aproveitando que
o Governo local aprovou uma lei que proíbe a venda e o consumo de bebidas
alcoólicas, alguns destes grupos instaram as autoridades a proibir o vinho nas
eucaristias cristãs. Em Bombaim, há uns meses, estreava um filme que
apresentava os missionários cristãos como pessoas violentas e sanguinárias, que
se dedicam ao proselitismo agressivo e que exercem violência sexual contra os
povos indígenas. E em Deli foi encerrada, supostamente por falta de fundos, a disciplina
que desde 2000 era dedicada a Madre Teresa de Calcutá na Universidade Indira
Gandhi.
A declaração episcopal aprovada no
plenário de Fevereiro dava conta de outras duas frentes de batalha, além do
meramente persecutório. Por um lado, o das cerimonias de conversões em massa ao
Hinduísmo (ghar wapsi) organizadas
por grupos como o citado RSS; por outro, o intento de hinduização do país (saffronization), por meio de programas
educativos e culturais de marcado carácter nacionalista. O RSS – o maior grupo
hinduísta da Índia, com mais de cinco milhões de membros ativos – prometeu ‘reconverter’, por meio do seu programa ‘de volta a casa’, milhares de famílias
de dálitas cristãos.
‘As
cerimonias de conversões religiosas dão uma imagem negativa da Índia. A polarização
entre as comunidades e o intento de homogeneizar a Índia são uma ameaça para
todas as minorias, incluindo as mulheres, os dálitas e todas as minorias
linguísticas, culturais e religiosas’, afirmam os bispos no seu escrito.
Mulheres e dálitas
Os dálitas e as mulheres são, com efeito, dois dos coletivos
mais desprotegidos hoje na Índia, juntamente com as crianças. Os dálitas, como é sabido, são os
párias ou intocáveis, os que estão fora do sistema de castas do Hinduísmo; o
mais baixo numa escala que, afortunadamente, já carece de reconhecimento legal,
mas que continua ainda muito presente na sociedade. Cerca de 165 milhões de
pessoas (entre 16 e 20 por cento da população) continuam a ser, atualmente,
portadoras de impurezas e discriminadas para evitar que ‘contagiem’ os ‘puros’.
Muitas vezes nem sequer são consideradas dignas de beber num copo nem de comer
num prato, fazendo-o à mão. Aproximadamente 60 por cento de todos os cristãos
da Índia – uns 18 milhões – são dálitas. São
pobres entre os pobres. E os dálitas que professam a fé cristã, além disso,
ainda sofrem uma segunda discriminação – como tantas vezes denunciaram os
bispos –, porque, por causa da sua fé, não podem beneficiar de programas econômicos,
educativos e socais de que desfrutam os intocáveis de religião hindu. Só existem para servir e, ainda assim,
mantendo as distâncias.
A situação da mulher indiana também é dramática. Em
número elevadíssimo padecem de anemia, por serem os últimos membros da família
a comer. A violência sexual de que sofrem é igualmente enorme. No país há 92 violações diárias,
segundo o National Crime Records Bureau. Mais de três milhões de mulheres – 35
por cento, menores de 18 anos – exerciam a prostituição em 2007, de acordo com
dados do próprio Governo, embora a organização humanitária Human Rights Watch assegure que o número real supera os 20 milhões
e que só em Bombaim exercem a profissão mais velha do mundo 200 mil meretrizes.
Daqui decorre, em acréscimo, o drama dos feminicídios e das esterilizações em
massa. Só em 2013 houve mais de quatro milhões de esterilizações forçadas para
regular a natalidade.
O Governo de Modi tem diante de si,
portanto, desafios enormes. Por um lado, conseguir que esses 400 milhões de
indianos que vivem na pobreza extrema e que não têm o que comer nem acesso à
água potável, à eletricidade, à saúde e à educação possam viver com um mínimo
de dignidade. E, por outro, garantir o cumprimento de uma Constituição que
reconhece a liberdade de consciência e proíbe a discriminação por motivos religiosos.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuFVAFppAyzICXrgbf
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