*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de
Belo Horizonte, MG
‘Certamente,
muitos podem se perguntar sobre as razões que levaram o Papa Francisco a
escrever a Carta Encíclica Louvado Sejas - sobre o cuidado da casa comum.
Essa interrogação parece ser desdobramento da surpresa de ver um líder
espiritual refletir sobre uma temática que desafia cientistas e leva os
governantes mundiais a equívocos - por não cumprirem os acordos firmados, tão
necessários para a preservação do planeta. Questiona-se também sobre o que a fé
traz de iluminação no tratamento dos enormes desafios contemporâneos
relacionados ao meio ambiente. Bastaria considerar a situação abominável e
vergonhosa dos ‘descartados da sociedade’,
como sublinha o Papa Francisco, desrespeitados em sua dignidade humana e
privados do contato com a natureza, para compreender que a defesa do meio
ambiente é compromisso cristão.
De
fato, a vivência da fé é desafiada quando se constata a deterioração da
ecologia, fruto da lastimável degradação humana e social. Em jogo está a dignidade de toda
pessoa, que é dom sagrado. A fé cristã considera cada ser humano como
morada de Deus. O desrespeito à dignidade, em ações que promovem a miséria, a
exclusão e todo o tipo de injustiça, é, portanto, injustificável ato de
profanação.
Há
um complexo horizonte de descompassos - que abrange a violência, a dependência
química, a exploração lucrativa e perversa - ferindo a dignidade humana.
Gradativamente, ‘a casa comum’
torna-se um caos, por condutas irracionais e mesquinhas. Para recuperar os
vínculos de integração e de comunhão, é preciso a indispensável luminosidade da
razão. Fundamental, também, é buscar a luz maior da fé, capaz de reorientar
condutas e procedimentos, tornando-os marcados por tudo o que é próprio do
amor. Por isso mesmo, o Papa Francisco fala do Evangelho da Criação, cujo
sustento e vivência se firmam nas razões e nas convicções da fé.
O
Santo Padre é muito realista e direto quando comenta sobre aqueles que, no
campo político e intelectual, decididamente, rejeitam a ideia de que existe um
criador ou a considera irrelevante. A consequência é o fechamento de portas
para contribuições muito importantes, em diversos campos, como os da ética e da
espiritualidade. As religiões podem oferecer ajuda indispensável, indicando
caminhos para sair das muitas crises, inclusive a ambiental.
Basta
analisar a complexidade da crise ecológica hoje enfrentada para reconhecer que
apenas um tipo de consideração ou de contribuição não será suficiente para se
encontrar soluções e transformar, com urgência, a realidade. É preciso recorrer
às riquezas culturais, à arte e à poesia, bem como à vida interior e à
espiritualidade. Não é de se duvidar que a incompetência governamental e de
segmentos da sociedade na efetivação de compromissos para a preservação do
planeta deve-se à falta desses horizontes poéticos, artísticos e espirituais.
Quando a vida interior não é bem cultivada, prejudica o exercício autêntico e
qualificado da cidadania. Isso vale para todos - de governantes a religiosos,
de autoridades e construtores da sociedade pluralista a pessoas mais simples.
É
preciso acolher as diferentes luzes que podem indicar no fim do túnel a
abertura de nova etapa para a humanidade, especialmente no que se refere ao
modo de viver na ‘casa comum’. Indispensável é a luz da fé em diálogo com o
pensamento filosófico, que produz força de sustento no processo de cultivar a
paz, a justiça e a prática efetiva da solidariedade. Nesse sentido, a fé cristã
tem contribuições muito significativas e indispensáveis para promover o cuidado
com a natureza. A fé desperta a consciência de cada pessoa a respeito de seu
próprio lugar no conjunto da criação, a partir da obediência amorosa ao seu
Criador. A força da fé,
indubitavelmente, alcança mais resultados que protocolos mesquinhamente
boicotados no escondido das sombras, formadas pela ambição sem limites e por
descasos humanitários tão frequentes. Todos estão convocados ao conhecimento
das convicções fundamentais da fé cristã para qualificar o exercício da
cidadania com tudo o que é único, próprio e indispensável do Evangelho
da Criação.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=5238
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