quarta-feira, 15 de julho de 2015

O homem que salva as escravas do Estado Islâmico

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 Apelidado de Pai dos Corajosos, um comerciante iraquiano montou uma equipe de heróis que arriscam a vida para libertar prisioneiros do Estado Islâmico

‘Um feixe de luz se volta para os territórios do Oriente Médio em que tremula a bandeira negra do Estado Islâmico. Nos mesmos lugares em que a ferocidade insana ataca, destrói, aterroriza e massacra, grupos de voluntários liderados por um generoso comerciante iraquiano arriscam a vida para salvar centenas de vítimas da violência dos terroristas.

O criador do ambicioso e arriscado projeto é conhecido como Abu Shujaa (Pai dos Corajosos), um homem da religião yazidi que, há um ano, se divide entre seu país, o Iraque, e os vizinhos Síria e Turquia para libertar mulheres e crianças escravizadas pelos jihadistas e levá-los a salvo para o Curdistão. Ele mesmo conta, nas páginas do jornal The Guardian, uma dessas empreitadas.

A operação comentada por Abu Shujaa permitiu resgatar sete mulheres da casa de dois australianos alistados no Estado Islâmico (EI) em Raqqa, a capital do autoproclamado califado. Abu Shujaa explica que, durante vários dias, seu grupo estudou cuidadosamente as entradas e hábitos dos proprietários e esperou que os australianos saíssem para agir. ‘Dois homens entraram, enquanto outros três montavam guarda do lado de fora, monitorando a situação’, conta Abu Shujaa. As mulheres foram transferidas, primeiro, para uma casa segura, não muito longe do reduto jihadista, e, no dia seguinte, levadas para Gaziantep, cidade fronteiriça já no lado turco.


As mulheres yazidis capturadas e escravizadas pelo EI são vítimas de tormentos atrozes. Os testemunhos das que conseguiram escapar revelam uma realidade abominável : marcas a fogo na pele, estupros, administração de morfina, pisoteamentos até a morte e assédio às meninas fazem parte do cotidiano dos ‘guerreiros’ que estão às ordens do ‘califa’.

Para Abu Shujaa, que, antes de ‘pai dos corajosos’, é pai de família, o conhecimento desta situação tinha se tornado insustentável. ‘A catástrofe dos yazidis era tão enorme que me empurrava a fazer alguma coisa’. Contando com uma vasta rede de contatos em toda a área, ele passou a trabalhar duro para montar a equipe de libertadores de mulheres e crianças.

Humildemente, ele se diz ‘nem melhor nem mais corajoso’ que os outros, mas é fato que uma pessoa que decide tomar tal caminho precisa de uma boa dose de altruísmo e de audácia. Este comerciante do Iraque já tinha essas virtudes quando, aos 18 anos, desafiava o regime de Saddam Hussein viajando ilegalmente para a Síria a fim de realizar o seu trabalho comercial.

Seu apelido de Abu Shujaa é hoje validado pelas operações de resgate. Os grupos sob sua liderança são pequenos, como exige a guerrilha : compostos por um mínimo de três e um máximo de sete pessoas, eles se escondem em refúgios seguros nas áreas controladas pelo EI e contam com uma rede secretíssima de moradores que decidem ajudá-los.

Mas a ousadia dos heróis não é suficiente. Abu Shujaa não poupa de controvérsias a comunidade internacional : ‘Ninguém no mundo se preocupa conosco. Ninguém nos protege. Temos que resgatar as pessoas com as nossas próprias forças’. E isso torna o trabalho extremamente arriscado. Em fevereiro, dois de seus homens foram capturados em Raqqa e decapitados. Suas cabeças foram exibidas como alerta público em uma rotatória da cidade.

O próprio Abu Shujaa passou perto de sofrer o mesmo fim. Durante a libertação das sete mulheres escravizadas pelos australianos leais ao califa, ele foi parado por uma barreira do EI. Teve sorte : os militantes o liberaram depois de um controle apressado.

Se soubessem que era ele, seu destino teria sido bem diferente. Faz meses que ele é alvo do Estado Islâmico e as ameaças contra ele na internet não deixam dúvidas : os jihadistas o chamam de ‘inimigo de Deus’ e lhe prenunciam um destino nas chamas do inferno.

Até agora, seus esforços permitiram que muitas mulheres yazidis se salvassem da morte certa nas garras do EI. Uma delas, Samira, decidiu dar seu depoimento a The Guardian. Sequestrada quando estava grávida, junto com outro filho de dois anos, ela deu à luz no cativeiro. Tinha sido pega no oeste do Iraque e, dois meses mais tarde, fora levada a Raqqa, onde, vendida como se fosse mercadoria, foi comprada por um miliciano de origem saudita.

Em abril passado, seu ‘proprietário’ exigiu um resgate da família da jovem. Ele recebeu a primeira metade da quantia acordada, mas mudou de ideia e ficou tanto com o dinheiro quanto com Samira. O pai da jovem mãe de apenas 21 anos contatou Abu Shujaa. Este, falando ao telefone, se passou por familiar de Samira e conseguiu informações úteis sobre o cativeiro.

Em junho, aproveitando que tinha sido deixada em casa sozinha, Samira vestiu o abaya preto de serviço e saiu com seus dois filhos. Chegando a um lugar que Abu Shujaa tinha lhe indicado por telefone, ela entrou no carro que estava à sua espera e foi levada de Raqqa para os braços da sua família. ‘Eu não poderia explicar o quanto é importante o que Abu Shujaa e seus homens estão fazendo’.

Até agora, cerca de 200 yazidis como Samira devem a vida a este punhado de corajosos.’


Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.zenit.org/pt/articles/o-homem-que-salva-as-escravas-do-estado-islamico


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