*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de
Belo Horizonte, MG
‘Esta
é uma clamorosa convocação proclamada pelo profeta Joel em época remota, há
cerca de 400 anos antes de Cristo. O clamor do profeta é um apelo que indica o
caminho para se vencer as pragas. Hoje, ainda que não acolhida pela vivência da
religiosidade, é oportuno ouvi-la e compreendê-la como interpelação para
enfrentar as crises que estão desarrumando o funcionamento da sociedade.
Particularmente, é importante escutá-la quando se chega à conclusão de que a
maior crise na atualidade é a de confiança. A credibilidade está em baixa, em
razão de posturas e práticas adotadas na esfera privada e no inadequado
tratamento do que é de domínio público. É hora de um recomeço, que é complexo e
altamente exigente. Esse processo exige a indispensável ação e posicionamentos
de lideranças, para que se alcance um novo tempo pela força da credibilidade
que cada cidadão precisa prezar. Ser
digno de confiança é o aspecto mais honroso da vida particular, profissional e
cidadã.
As
muitas reformas necessárias para superar os graves problemas enfrentados pelo
país demandam a mudança prioritária e urgente do próprio coração, que é
referência simbólica da confluência da racionalidade e dos sentimentos. O
coração é lugar da produção e da manutenção de uma consciência pautada em
valores cidadãos, no gosto pelo altruísmo e no mais nobre sentido de respeito
ao outro. A incompetência humanística de lideranças e a falta de densidade
espiritual são os mais desafiadores obstáculos que impedem a recuperação da
confiança.
A
mesquinhez de se priorizar o atendimento de interesses cartoriais, a estreiteza
dos egoísmos, a busca do lucro e da acumulação de riquezas sem parâmetros
éticos produziram processos de desumanização que agora não são fáceis de serem
revertidos. Sem a recuperação da confiança, alicerçada na verdade das ações e
na reverência pela justiça, de nada adiantará a operação de um conjunto, mesmo
significativo, de reformas. As mudanças precisam ser precedidas e acompanhadas
pela reforma do coração. ‘Rasgai o
coração’ precisaria se tornar uma ‘onda’
que leva a um despertar novo da consciência. Um movimento que deveria envolver,
inicialmente, os mais altos dirigentes, os ocupantes de cargos representativos,
os formadores de opinião e os que têm papel mais decisivo na construção da
sociedade. Essa ‘onda’ deve incluir o
cidadão simples, que paga o preço mais alto por tudo o que está na raiz da
falta de confiança.
A
crise de credibilidade envenena os funcionamentos de instituições diversas e
desestabiliza as relações interpessoais. Trata-se de um sério problema que não
se enfrenta sem a recuperação da competência humanística e também espiritual. A
carência dessa qualificação leva às escolhas equivocadas que impedem a
sociedade de funcionar nos parâmetros da verdade e da justiça. É hora de fixar
o olhar não apenas nas dinâmicas viciadas em tantos segmentos, setores e
instâncias. É urgente e prioritária uma reconfiguração do sentido mais profundo
que rege o coração.
‘Rasgar o coração’ é prática que sempre
se começa por uma escuta mais atenta e permanente dos clamores dos mais pobres.
É inadiável o exercício de reconhecer e buscar superar as muitas misérias,
todas produzidas pela falta de cidadania. Trata-se de tarefa capaz de gerar
novas lideranças. ‘Rasgai os corações’
é convocação e também um alerta. Indica que eventuais novas estruturas e
funcionamentos, se não forem alcançados sem a geração interior e pessoal de
novas atitudes, mais cedo ou mais tarde, se tornarão também corruptos, pesados
e ineficazes.
É
hora de ouvir o clamor dos mais pobres.
Estamos todos desafiados a enfrentar a crise de credibilidade com novas
respostas, particularmente com um discurso político que não seja paliativo. A
sociedade na qual estamos inseridos estampa a vergonha de uma generalizada
falta de envergadura moral e solidária. Um mal que cria o ambiente propício
para sermos, cedo ou tarde, as próprias vítimas de alguma praga. O alcançar de
um novo tempo tem como ponto de partida o convite : Rasgai o coração!’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4908
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