*Artigo de Padre José Rebelo,
Missionário Comboniano
‘Óscar Romero, o arcebispo de San
Salvador assassinado no dia 24 de março de 1980, enquanto celebrava a Eucaristia
matinal no Hospital da Divina Providência, onde vivia, foi declarado mártir e
vai ser beatificado. O Papa Francisco assinou o decreto segundo o qual ele foi
morto ‘in odium fidei’ (em oposição à fé) – entenda-se, fé não
tanto no seu aspecto doutrinal, mas na sua dimensão moral expressa na doutrina
social da Igreja.
O postulador do processo, o arcebispo
Vincenzo Paglia, ao dar a notícia no início do mês passado, classificou Romero
como um ‘mártir da Igreja do Vaticano II’.
O arcebispo explicou esta designação ao dizer que o assassínio ocorreu ‘num clima de perseguição contra um pastor
que seguia a experiência evangélica, os documentos do Vaticano II, de Medellín (do
episcopado Latino-Americano reunido naquela cidade colombiana em 1968) e tinha
escolhido viver com os pobres para os defender da opressão.’ Romero foi
morto, disse ainda Monsenhor Paglia, porque combatia um governo e um tipo de
opressão ‘que privava de vida os mais
pobres’.
Romero foi arcebispo de San Salvador
durante três anos (1977-1980), num tempo de grande tensão que desembocou na
guerra civil salvadorenha (1979-1992), durante a qual milhares de pessoas foram
assassinadas. No seu último sermão, no dia anterior à sua morte, disse com
particular veemência : ‘Nenhum soldado é
obrigado a obedecer a uma ordem contrária à lei de Deus (…) Em nome de Deus, em
nome deste povo sofredor cujos lamentos se elevam aos céus cada dia mais
impetuosos, suplico-vos, exorto-vos, ordeno-vos em nome de Deus : cessai a
repressão.’
Como é que o arcebispo Romero, considerado
um conservador nas suas posições teológicas e sociais, chegou ao martírio? Ao
escutar o povo simples da diocese de Santiago de Maria – uma diocese rural que
serviu durante dois anos e meio e onde tiveram lugar as primeiras chacinas de
camponeses – e comprovar a situação de opressão em que vivia. Essa ‘conversão à realidade’ tem um momento
decisivo com o assassínio de um seu amigo jesuíta, o padre Rutilio Grande, em
1977, por ajudar agricultores pobres a organizarem-se e cujo processo de
canonização foi aberto há cerca de quatro meses.
‘Romero
sabia que seria morto e por isso teve uma longa luta interior’, disse o
Professor Roberto Morozzo della Rocca na referida conferência de imprensa. A
morte era-lhe anunciada diariamente através de ameaças transmitidas por fiéis e
amigos, cartas cheias de insultos, telefonemas, advertências várias (até na
televisão), e as emboscadas a que escapou por um triz. Sabia que estava em
perigo, sentia o terror do fim, mas, como pastor, não quis abandonar o seu
rebanho. Dizia : ‘Um pastor não deserta,
deve ficar até ao fim com os seus.’
O grande número de sacerdotes e
catequistas mortos levou Romero a meditar muito no martírio. No funeral de um
dos seus padres assassinados pelos esquadrões da morte, o arcebispo pregou
sobre o espírito do martírio e o valor sacrifical da vida dizendo (uma homilia que o Papa Francisco citou no
dia 7 de Janeiro) : ‘Dar a vida não
significa apenas ser morto; dar a vida, ter espírito de martírio é dar-se no
silêncio, na oração, no cumprimento honesto do dever; dá-se a vida pouco a
pouco, no silêncio da vida quotidiana, como a dá a mãe que, sem medo, com a
simplicidade do martírio materno, dá à luz, amamenta, ajuda a crescer e cuida
de seu filho com carinho.’’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EukVFEpFlySFkZRecd
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