Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

‘‘Precisamos passar pela estrada real para a cidade
de Deus por meio da aflição da carne e da contrição do coração, com a dura
fadiga do corpo e a humilhação do espírito (…); se te distancias da batalha,
também te distancias da coroa.’
Columbano ficou
famoso pela severidade da sua ascese, embora poucos conheçam o seu ânimo
delicado de poeta. Assim ele descreve uma viagem sua de barco descendo o rio
Moselle para subir ao longo do Reno : ‘É belo entre os bosques cortar com a
quilha a correnteza do Reno, deslizando docemente sobre as ondas. Povo meu,
ouve-se o eco de cada grito. Levanta-se o vento, virá terrível a chuva, mas a
força do homem domina a tempestade’.
A palavra da
santa reclusa
Columbano
nasceu na Irlanda, na província de Leinster, filho único de uma família rica
que não teve necessidade de enviá-lo à escola do mosteiro, podendo oferecer-lhe
excelentes mestres em casa. É compreensível que o mantivessem no lar, sonhando
para ele uma vida feliz e uma bela descendência.
Entretanto, ao
chegar à adolescência, gostava de dirigir o olhar para além das quatro paredes
da nobre casa paterna, buscando horizontes mais amplos. Um dia foi
aconselhar-se com uma reclusa famosa por sua santidade. Perguntou-lhe o que
deveria fazer da sua vida. A mulher, fitando o jovem de coração puro e físico
forte, com o gesto decidido dos profetas, não hesitou : intimou-o a deixar tudo
e dirigir-se ao mosteiro mais próximo.
Columbano, sem
se comover diante das lágrimas da mãe, despediu-se dos pais e mestres,
colocando-se sob a orientação firme do Abade Sinell, do mosteiro de Clain-Inis.
Em casa, havia
estudado com interesse não só a Bíblia, mas também os sábios e poetas pagãos –
Sêneca, Virgílio, Ovídio, Lucano, Juvenal – e os poetas cristãos dos primeiros
séculos, tendo alcançado sucesso em composições poéticas. No entanto, seu
coração estava totalmente tomado pela observância monástica irlandesa, que não
deixava espaço ao homem velho. No estudo da Sagrada Escritura e na leitura dos
padres, alimento quotidiano do monge, descobria dimensões novas e
insuspeitadas.
A santa reclusa
dissera-lhe para fugir do mundo e ele o fez, mas, permanecendo ainda na sua
terra e pertencendo à nobreza, parentes e amigos vinham visitá-lo com
frequência, o que não o ajudava a romper com o antigo ambiente. Pediu então
transferência para o norte, ao mosteiro de Bangor, sob a austera direção do
Abade Comgallo.
Foi uma escolha
feliz : a sintonia entre ambos era perfeita. O jovem Columbano compartilhava
plenamente as diretrizes do abade e praticava com fervor a severa disciplina de
Bangor. Sua inteligência livre impressionava o abade, que logo o promoveu a
mestre dos noviços e pensava tê-lo, um dia, como sucessor.
A paixão do missionário
Esse desígnio,
porém, não se concretizou. Columbano foi tomado pela febre missionária que,
naquele tempo, ardia nos monges irlandeses : o desejo de evangelizar o
continente europeu, mergulhado na barbárie e no paganismo após as invasões dos
povos do norte e do leste.
A Irlanda havia
sido poupada desse flagelo e conservara, em seus mosteiros, tanto a pureza da
fé quanto a herança da civilização cristã trazida por São Patrício. Columbano
convenceu o abade a deixá-lo partir com doze monges – um novo ‘colégio
apostólico’ – para reevangelizar a Europa.
Após passarem
pela Cornualha, desembarcaram na Gália por volta de 588-590. Apresentaram-se ao
rei Gontrano, da Borgonha, a quem Columbano expôs seu plano : levar o Evangelho
aos pagãos e construir um mosteiro entre eles, pedindo apenas um pedaço de
terra inculta e liberdade para viver sem interferências.
O rei concedeu
o pedido e logo começaram o trabalho. Cortaram árvores, reconstruíram muralhas
e tetos, abriram portas e janelas. Antes do inverno, tinham já abrigo, lenha e
uma igreja para orar.
O inverno foi
rigoroso e as provisões, escassas. Na primavera, prepararam o solo e semearam.
Um bispo local enviou víveres, comovido pela pobreza deles. Columbano
agradeceu, mas advertiu o bispo para não interferir na vida interna do
mosteiro.
O éden na floresta
Com o tempo, o
povo acorria de longe para contemplar o milagre : a floresta transformada num
jardim, um novo Éden. Diziam que os monges, silenciosos no trabalho e
melodiosos na oração, tinham o dom de transformar tudo o que tocavam.
Certo dia,
faltava-lhes água potável. Um monge lamentou-se ao abade, que indicou um local
junto a uma grande árvore : ‘Cavem aqui, teremos água em abundância’. Brotou,
de fato, uma fonte inesgotável, o que o povo considerou um milagre.
A vida na
floresta harmonizava-se com a natureza : monges, animais e plantas conviviam em
paz. Passarinhos não fugiam deles; cabritos e corças comiam em suas mãos.
O historiador
Jonas de Bobbio, que escreveu a vida de Columbano, relata que ele se retirou
certa vez para orar numa gruta, antiga morada de um urso. Ao regressar, o urso
o encontrou, mas não o atacou. Depois de comer sua presa, retirou-se, deixando
a pele, da qual o santo aproveitou para fazer sandálias para os monges.
A comunidade
crescia, recebendo jovens e até bandidos arrependidos. Columbano discernia cada
vocação, acolhendo os sinceros e afastando os dissimulados. Fundou outros dois
mosteiros – Luxeuil e Fontaine – e escreveu as Regras dos Monges e Regras
Domésticas, que estabeleciam a disciplina e as penitências.
A maldade de
Bruneilde
A corte do rei
Teodorico era marcada pela corrupção. Quem governava de fato era a rainha-mãe
Bruneilde, que impedia o casamento do filho e o cercava de vícios. Columbano,
firme na fé, recusou-se a abençoar os filhos ilegítimos do rei, dizendo ‘Estes
não levarão jamais o cetro.’
Bruneilde,
furiosa, perseguiu o abade, decretando seu exílio. Columbano e os monges
irlandeses foram presos e enviados a Besançon. Mais tarde, libertado, regressou
brevemente a Luxeuil, mas a perseguição continuou. Expulso novamente, escreveu
aos monges : ‘Se afastares os adversários, não existe mais luta; e sem luta,
não existe coroa. Com a luta vêm a coragem, a vigilância, o fervor, a
paciência, a fidelidade, a sabedoria, a firmeza, mas, se suprimes a liberdade,
suprimes também a dignidade’.
A viagem para
Bobbio
Columbano
partiu então para novas terras. Após evangelizar na região do lago de Constança
e enfrentar resistências, atravessou os Alpes e chegou à corte do rei dos
longobardos, Agilulfo. Por intermédio da rainha Teodolinda, recebeu terras às
margens do rio Bobbio, onde fundou o seu último mosteiro.
Ali, já idoso e
enfermo, trabalhou até a morte, em 23 de novembro de 615. Seus mosteiros
formaram uma rede que unia povos diversos na fé cristã e reavivava a cultura à
luz do Evangelho.
A espiritualidade
columbana
A
espiritualidade de Columbano era simples e firme : o Evangelho vivido com
radicalidade. Em suas Instruções aos monges, ele escreveu : ‘Se o
homem usar retamente as faculdades que Deus concedeu à sua alma, será
semelhante a Deus (…). O primeiro mandamento é amar o Senhor com todo o
coração, porque Ele nos amou primeiro. O verdadeiro amor, porém, não se
demonstra com simples palavras, mas com fatos e na verdade’.
Columbano
ensinava que o amor renova a imagem de Deus em nós : ‘Precisamos restituí-la na
caridade, porque Ele é caridade (…). Precisamos restituí-la na bondade e na
verdade, porque Ele é bom e verdadeiro (…). Intervenha o próprio Cristo e trace
no nosso espírito os traços específicos de Deus, infundindo-nos a sua paz’.
Em um mundo
marcado por rivalidades e vinganças, Columbano pregava que os discípulos de
Cristo deveriam ser ‘espirituais e unânimes’, vivendo em concórdia fraterna e
unidade eclesial, reflexo da própria unidade de Deus.
Para ele,
chegar à unanimidade exigia seguir Cristo crucificado – um seguimento que não
gera tristeza, mas alegria : ‘Não existe sofrimento no amor, naquele amor de
Deus que renova em nós a sua imagem’.
Assim
viveu e ensinou São Columbano, abade e missionário, cuja vida uniu fé, cultura
e civilização sob o sinal da cruz e da liberdade cristã.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://revistaavemaria.com.br/sao-columbano-abade-543-615-23-de-novembro.html
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