Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Tem sido uma dúvida recorrente
nas redes sociais. Muitas pessoas, ‘instruídas’ por quem não sabe sequer
como funciona o sínodo, têm feito análises mirabolantes sobre a assembleia.
Como a moda agora é transformar qualquer tema do pontificado de Francisco em
enredo digno de Apocalipse, cabe a nós, que acompanhamos essa realidade de
perto, refutar as teses do youtuber católico de turno.
Por trás da ‘indignação’
em relação ao sínodo que está em curso, vemos o ódio gratuito a um pontífice
que está à frente de projeto eclesial ousado, cuja bandeira é retornar à
essência do cristianismo. E isso não agrada em nada aos clericalistas, sejam
eles padres ou leigos.
Apegados ao modelo de igreja
monárquica, não aceitam a visão eclesiológica do Concílio Vaticano II. É ‘pesado
demais’, para eles, considerar que a instituição é ‘povo de Deus’, e
não se restringe somente à sua hierarquia. Esquecem que, na igreja
pré-conciliar que eles tanto incensam e evocam, fazer pouco caso das decisões
do pontífice romano, através de discursos e ações, não passaria despercebido
aos olhos do Santo Ofício. Mas do jeito que esse povo é, pode até ser que
exista um culto à Inquisição, regado a ‘releituras’ da história. Nunca
se sabe.
E não deixa de ser interessante
- e até contraditório - o fenômeno. A descentralização do papado sempre fez
parte do debate dos progressistas, mas parece que são justamente os fundamentalistas
a la derecha que querem libertar o catolicismo do papado,
na atualidade.
Se dermos uma volta pelos ‘centros
da alta cultura católica’, principalmente no Brasil, a impressão é que o
ultramontanismo papista ficou para trás. E a ‘questão religiosa’,
semelhante à que foi posta nos tempos da proclamação da República, promove uma
romanização das práticas. A diferença é que, desta vez, não é estritamente
necessário contar o papa como promotor dessa empreitada. Os luteranos do
século 16 perdem feio para os antipapistas da atualidade. São os adeptos do
Roma a la carte. Romanos, sim. Com Roma, não exatamente.
De um lado, os pró-reformas, que
acompanham os apelos do presente, junto com o romano pontífice e grande parte
do colégio cardinalício; do outro, os ritualistas, também conhecidos como ‘católicos
de confraria’, que criaram uma espécie de dress-code da fé, no
qual sequer o papa ‘é digno’ de se encaixar.
Trocando em miúdos, o sínodo sobre a sinodalidade trata da própria
Igreja. Há quem diga que é
uma ‘assembleia conciliar’ justamente por isso. Como ocorreu no último
concílio ecumênico da história, é hora de a Igreja Católica fazer as contas
novamente, porque os desafios de hoje são outros. E não são todas as
instituições nem todos os papas que estão dispostos a trilhar esse caminho.
Se observamos bem, é um sínodo
que sequer trata de um tema específico, mas foca simplesmente na sinodalidade,
uma instituição que é muito mais antiga do que imaginamos. O cristianismo
oriental que o diga. Tanto para a ortodoxia quanto para o catolicismo oriental
(ainda que em menor proporção, por causa da submissão a Roma), o sínodo é palco
de decisões, não um órgão simplesmente consultivo, como observamos na igreja
latina.
No Ocidente, por exemplo, havia
sínodos diocesanos, cujos primeiros registros são datados do século 6. E até o
bispo de Roma, antes da instauração do Conclave, no século 12, era eleito por
aclamação popular, da mesma forma que outros bispos da cristandade.
A ideia de Francisco nem é
repropor esse tipo de estrutura, mas de refletir como as dioceses e os próprios
leigos poderão, de alguma maneira, participar mais ativamente das decisões,
como já aconteceu no passado.
Os sínodos diocesanos poderão
ser reativados em vista da pastoral, contemplando as realidades locais? Grupos
de representantes das conferências episcopais serão convocados a Roma, para
participar de consultas públicas? Mais mulheres ocuparão posições de destaque
em outros lugares, não só em Roma?
Ainda não sabemos, na prática,
quais serão as medidas propostas. Mas é certo que Francisco quer, sim,
transformar a Igreja numa instituição que caminhe junto. E Roma, em primeiro
lugar, seria a promotora dessa sinodalidade. Por isso, justamente, a reforma
começa aqui. E o sínodo, por assim dizer, é uma extensão dessa reforma.’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1547735/2021/10/um-sinodo-sobre-o-que/
Nenhum comentário:
Postar um comentário