Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Camila Campos Marçal da Cruz
‘Vivemos de tal modo que o
trabalho remunerado ocupa um lugar central nas nossas vidas. Trabalhamos para
(sobre)viver e trabalhamos tanto que nem temos tempo para pensar sobre o modo
que vivemos (Isso não é por acaso, mas não vamos entrar nesse mérito agora).
Nesse cenário, assistimos no Brasil, de um lado, um crescente movimento de
pessoas questionando essa centralidade do trabalho e levantando a bandeira da
busca por um trabalho que tenha propósito. Ao mesmo tempo, assistimos, de outro
lado, a perda de direitos já conquistados pelo trabalhador, a precarização do
trabalho e o aumento da informalidade e do desemprego.
Tal realidade - independente de
qual seja a nossa situação específica - nos leva a um estado de angústia e
insegurança constante. Estamos sempre com medo : seja por não conseguir um
trabalho, seja de perder o emprego, seja de não dar conta por se sentir
sobrecarregado de tanto trabalhar. Isso tudo, por si só, já é adoecedor. Mas
será que isso acontece também quando seguimos uma vocação? Sim. Gostar da
própria profissão e/ou do trabalho, não nos torna imunes aos efeitos desse
contexto de instabilidade, nem aos efeitos da realidade cotidiana do trabalho
em si. Na verdade, ter o privilégio de seguir uma vocação, seja ela qual for,
pode ser usado, inclusive, para que determinados trabalhos não sejam
reconhecidos como tal e portanto, não tenham seus direitos regulamentados. Como
bons exemplos disso temos os trabalhos das mães e donas de casa e as profissões
de professor e cuidadores.
Além disso, a nossa dificuldade
(ensinada) em reconhecer algumas profissões como trabalho, pode nos impedir de
perceber as necessidades humanas da pessoa que exerce aquela função. Fato é
que, se é trabalho, tem impacto no sujeito e na sua saúde. Para entender isso
melhor, vamos esclarecer o que compreendemos como trabalho e vocação.
Consideramos trabalho qualquer conjunto de atividades que uma pessoa exerça com
um fim determinado ou de forma regular, seja este remunerado ou não. Entendemos
por vocação, uma tendência ou chamado que uma pessoa sente para seguir uma
função ou profissão específica. Agora vamos falar especificamente da vocação
religiosa.
De acordo com a legislação
trabalhista brasileira, pessoas que cumprem funções religiosas não configuram
emprego. O que não quer dizer que as pessoas envolvidas com ele não sofram com
as mesmas questões relacionadas a trabalho. E quais são as características do
trabalho religioso que ficam submersas por conta do seu não reconhecimento? A
vida sacerdotal é uma vida com mais atribuições do que se costuma imaginar.
Além das atividades de cunho espiritual, que mais comumente associamos a eles,
tais como a realização de missas, batizados, crismas, casamentos, o trabalhador
religioso pode/precisa se dedicar a atividades assistenciais, tais como visita
a doentes, escuta aos fiéis; atividades de ensino universitário e também
voltadas para a comunidade de fiéis e à própria formação de novos sacerdotes;
atividades administrativas que vão desde gestão contábil à gestão das
atividades da comunidade religiosa, passando por organização de eventos,
comunicação, divulgação, cuidado com a rotina da casa, entre outros.
No livro Sofrimento
psíquico dos presbíteros, o autor, psicólogo William Pereira, fez uma
pesquisa qualitativa com padres e freiras e os entrevistados relataram um nível
de exaustão emocional superior à categoria de policiais, executivos e
motoristas de ônibus. Além de todas as funções que os sacerdotes precisam
exercer, paira sobre seus ombros a exigência de ser um modelo de virtude e
santidade para toda a comunidade. E essa cobrança (externa e interna) começa
desde o tempo de formação sacerdotal. Se não tiver muito cuidado, o religioso
corre o risco de negligenciar a própria vida, espiritual-física-emocional.
Ao ingressar na comunidade
religiosa, faz-se votos de realizar qualquer atividade que seja necessária,
seja ela de cunho religioso ou não. Aderir a isso é um gesto de liberdade, que
traz com isso uma responsabilidade com o outro e consigo mesmo. Sendo assim,
precisamos estar atentos para que esse trabalho, juntamente com outros fatores,
não seja um fator de adoecimento. O fato de dedicar a vida a servir, é
belíssimo, mas isso não elimina automaticamente o fato de que se trata de um
ser humano e que portanto, para servir, precisa se cuidar. E o que seria esse
cuidado?
Esse cuidado implica em lembrar
da sua própria humanidade e agir de forma preventiva, priorizando o cuidado com
a integralidade da sua pessoa em todos os âmbitos da vida : cuidando da
alimentação, fazendo atividade física, separando tempo para lazer, tempo para
descanso, tempo para cultivo das relações afetivas, tempo para se escutar.
Autocuidado engloba também estar atento aos sinais do nosso corpo e ser ativo
na busca de compreensão desses sinais. Se você se sente constantemente
exausto/esgotado; se percebe que caiu o seu rendimento; se se sente ansioso
para executar suas funções e/ou cumprir prazos; se precisa conviver com pessoas
que te colocam em situações humilhantes e constrangedoras; se identifica alguma
alteração significativa no sono ou na alimentação; se não tem interesse em
atividades que antes proporcionavam prazer; se se sente constantemente irritado
ou sem energia… procure ajuda!
Com uma ajuda profissional,
pode-se verificar quais os ajustes são necessários e possíveis de serem feitos
na sua vida/rotina, que podem te trazer mais qualidade de vida e bem estar!
Lembre-se : vocação sacerdotal não é um emprego, mas é trabalho (e muito)! Se
cuide!’
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1544622/2021/10/quando-a-vocacao-impede-o-reconhecimento-da-funcao-como-um-trabalho/
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