Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo da Agencia Estado/Dom Total
‘Padre, teólogo e discípulo
zen, Pablo d’Ors virou escritor best-seller na Espanha há uma década com um
livro breve, mas profundo, sobre sua relação com a meditação. Biografia
do silêncio, que chega agora ao país, sugere que a partir de algo simples
como sentar, respirar e calar é possível começar uma transformação interior. É
um livro sobre meditação, e como meditação, para o autor, é vida, este é um
livro sobre um novo modo de estar no mundo.
‘O silêncio é só o contexto
que possibilita todo o resto’, ele escreve. Na obra, d’Ors fala sobre os
desafios do começo, como a descoberta de que pode ser insuportável estarmos
sozinhos conosco, a dor no joelho, o pensamento. É preciso, como ele diz,
perseverar e esperar o lodo assentar. E então os resultados começam a aparecer.
O autor defende que a meditação
ajuda no processo de autoconhecimento, nos reconcilia com o que somos e ajuda a
aceitar a vida como ela é. A meditação nos concentra e nos devolve à casa.
Meditando, nos aprofundamos na nossa identidade, descobrimos a paz e a
confiança. Aprendemos a estar no presente e entendemos que nós e o mundo somos
a mesma coisa - e daí nascem a compaixão e a humildade, uma atenção às
necessidades dos outros, a abertura à diversidade, o apreço à natureza e uma
visão de mundo mais global. ‘Meditar ajuda a não nos levarmos tão a sério’,
ele também acredita.
Aos 58 anos, Pablo d’Ors,
fundador da rede de meditação Amigos do Deserto e do Tabor, concedeu esta
entrevista por e-mail sobre seu livro.
O método parece
simples : sentar, respirar, calar. Mas como ter algum êxito num mundo tão
barulhento, em tempos nebulosos? Ou numa dimensão mais cotidiana : com a
construção ao lado, com os filhos chamando, o trabalho, a tecnologia, as redes
sociais. Como começar a se desconectar desse mundo para tentar alcançar esse
silêncio interior?
O método que ofereço para
aprender a meditar é simples : basta se sentar com as costas retas, ficar
quieto, recitar uma palavra sagrada - por exemplo, Maranathá - no ritmo da sua
respiração, focando sua atenção no centro das palmas das mãos, que devem estar
interligadas, seja no colo ou na altura do coração. Isso é tudo. Você tem
sucesso perseverando no fracasso. Não se trata de mudar sua vida, não há nada a
mudar. Basta dedicar 25 minutos por dia a essa prática e a vida muda sem que a
gente perceba. O que acontece conosco é que, no fundo, não queremos mudar.
Fala-se hoje, depois
do coronavírus, em uma epidemia de saúde mental. A pandemia nos desestabilizou.
Vivemos um medo constante assistimos à morte de pessoas queridas e de
estranhos. Há uma sensação de desamparo generalizada. Por outro lado, ela
também provocou mudanças de hábitos. Como o senhor vê esse momento de ruptura?
E como a prática da meditação poderia nos levar a algum lugar novo, nos
ajudando individualmente para que sejamos, em alguma medida, também agentes de
uma mudança social - para que, então, algo novo possa surgir?
Esta pandemia nos enviou uma
mensagem ética e uma mensagem mística. A ética nos diz que temos que mudar
nossas vidas : que não podemos continuar viajando feito loucos, consumindo sem
parar, desperdiçando os recursos do planeta. A mística nos diz que somos todos
um, que estamos interligados. Esta descoberta, em nível planetário, é nova na
história da humanidade, pois nunca vivemos uma crise tão global. Vivi esta
situação crítica como qualquer outra pessoa : com incerteza, ou seja, com medo,
preocupação, ansiedade. Mas também com esperança. A esperança não é mero
otimismo. A esperança é uma virtude, algo que pode ser cultivado. Todos os meus
esforços visam mostrar que somos responsáveis por como nos sentimos e, em
última instância, pelo que nos acontece. Por outro lado, nenhuma mudança social
que não passe por mudança pessoal é sólida e confiável. Seja você a mudança que
espera do mundo.
Como o senhor diz,
meditar é pular de cabeça na realidade, é a arte da rendição e o caminho para
nos abrirmos para a dor. Por que isso é bom, e necessário?
A realidade é muito mais sábia
do que qualquer ideia que possamos ter dela, por mais bonita que nos pareça.
Tudo de grande e belo que esta vida oferece, como responder a uma vocação, ter
um filho, escrever um livro, escalar uma montanha, amar outro ser humano,
implica uma certa dor. Nada é feito de forma simples e apenas com prazer. Se
você elimina a dor, elimina a vida. Cada vez que você se protege para não
sofrer, você se impede de viver. Muito mais do que a própria dor, o que nos
destrói é a nossa resistência a ela. ‘Não resistir ao mal’ (Mateus 5:39)
é um dos ensinamentos menos compreendidos de Jesus de Nazaré e certamente um
dos mais decisivos.
O senhor escreve que
estamos vivendo, sim, mas que muito frequentemente estamos morrendo. Que
pensamos demais e, por isso agimos pouco. Que buscamos a paralisia, ou que
seguimos adiante por inércia. Que buscamos empregos e companheiros que nos
façam sentir seguros, ideias firmes e claras, partidos conservadores. O que
precisamos aprender para começar a viver de fato?
As pessoas não são divididas em
crentes ou não crentes, nem em negros ou brancos, bons ou maus, inteligentes ou
estúpidos, mas sim em vivos e mortos, acordados ou dormindo. O que temos de
fazer é acordar, perceber, desfrutar. Desfrutar é comungar com o que existe.
Não estamos aproveitando, não estamos entregues às coisas, situações ou
pessoas; estamos bastante divididos, quebrados, fragmentados. O grande desafio
é a unidade, a harmonia, a comunhão - há muitas palavras para dizer a mesma
coisa. Em vez de nos ajudar a entrar na realidade, o pensamento muitas vezes
nos separa dela e nos paralisa permanentemente. Tudo bem pensar, mas não sem
antes contemplar, receber, acolher. Primeiro você tem de se deixar afetar pelo
que a vida nos oferece, e só então pensar nisso. Não sabemos perceber, somos
muito mentais. A razão? Temos medo, desconfiamos. Se não nos tornarmos
crianças, se não entrarmos numa segunda inocência, perderemos o tesouro que nos
foi dado.
Buscar o silêncio
interior, como coloca, é algo para a maturidade. Existe alguma coisa nessa
linha que podemos ensinar às crianças desde pequenas?
As crianças precisam ser
deixadas um pouco em paz e também que deixemos elas serem crianças : que
brinquem, se aborreçam, protestem, se zanguem. O melhor serviço que podemos
prestar às crianças é ser quem temos de ser. Ser você mesmo é a melhor coisa
que você pode fazer pelos outros. Se você deseja que seu filho ore ou medite,
por exemplo, ore ou medite e o resto virá como consequência.
Por falar em
infância, o senhor escreve algo bonito em Biografia do silêncio : ‘A
meditação ajuda a recuperar a infância perdida’.
Quando éramos crianças, não
tínhamos preconceitos. Isso nos fazia curtir uma viagem de carro, um dia na
praia, um bolo de chocolate, uma formiguinha andando no chão. Não tínhamos
pressão por desempenho. A vida não era para produzir, não era para alguma
coisa. Era vida, sem mais. O ser não era contaminado pelo poder, pelo ter ou o
fingir. Não se trata de, agora, como adultos, recuperarmos a ingenuidade
infantil, mas sim de uma espécie de ingenuidade lúcida : a lucidez de quem já
viveu e retorna ao elementar, sabendo que é aí que o essencial se esconde.
Precisamos aprender
a sorrir mais, a rir de nós e a rir à toa?
Sem dúvida. Tudo seria muito
melhor para nós se ríssemos mais, principalmente de nós mesmos. Às vezes, nossa
vida assume dimensões trágicas, muitas vezes dramáticas, mas quase sempre
cômicas. Ver o lado engraçado das coisas pelas quais temos de passar é o
princípio da sabedoria. Ou o final. Para mim, há duas coisas que me aliviam da
gravidade com que a vida às vezes se apresenta a nós : religião e humor. Precisamos
de mais leveza, o que não quer dizer que não existam momentos que também nos
exigem atitudes sérias e até mesmo drásticas. Quando rimos, a mente perde o
controle e o corpo se liberta. Isso é bom para nós na maioria das vezes.
Qual foi a principal
lição que a meditação te ensinou?
Que não devo escapar da vida.
Que é na vida que Deus me espera. A meditação me ensinou e continua a me
ensinar a conviver com quem eu sou, com quem me tornei.
O que descobriremos
quando formos, enfim, capazes de ouvir o silêncio?
Que o silêncio não é nada e é
tudo. Que somos espaço, ou seja, pura possibilidade. Que só nesse espaço ressoa
a voz da sua consciência. Aquela voz que lhe diz que você pode confiar que
todas as coisas conspiram para que você seja quem foi chamado a ser.’
BIOGRAFIA DO SILÊNCIO : BREVE ENSAIO SOBRE MEDITAÇÃO
De Pablo D'Ors
Academia
192 páginas
R$ 31,90
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1543659/2021/10/escritor-padre-e-teologo-pablo-dors-lanca-biografia-do-silencio-no-brasil/
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