Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
d0 Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
‘Darío Restrepo, no Diccionario
de Espiritualidad Ignaciana1 , escreveu um precioso verbete
sobre a ‘conversação espiritual’. Trazemos aqui suas principais
reflexões e as comentamos. Causa impressão a confiança que Inácio deposita na
palavra para poder encontrar a Deus e como instrumento para ajudar aos
próximos. ‘Conversar’ é uma palavra complexa. Segundo Santo Inácio, pode
significar a relação com alguém (conversar-tratar com) e/ou o falar com o outro
(conversação-diálogo), dependendo do contexto (cf. Const.
89.196.729.637.814637, 802…). No século XVI não era usual empregar a palavra ‘diálogo’.
O termo ‘falar’ inaciano segue ordinariamente o sentido geral que se dá
a ele na língua espanhola. Algumas poucas vezes Santo Inácio o toma como
equivalente ao ‘conversar espiritualmente’ (cf. Aut. 21.28.42.56.65-67,
70; Const. 157. 250.726; Diário Espiritual (DE) 15.53,54.63.69.74.77.95.113).
A experiência de
Inácio em termos de conversação
A conversação de Inácio foi
muito mais adquirida que inata; aprendida e moldada pacientemente mais que
espontânea. Isso foi ainda mais notório referido à sua conversação espiritual;
terá um como, um porquê e um para quê, ‘indo sempre buscar o que quero’
(EE 76). Ele não falava por falar com palavras ociosas. Nas Constituições se
dirá que em matéria de conversação espiritual, o essencial é sempre a unção que
o Espírito Santo comunica para isso; mas, de nossa parte, algumas orientações
podem ajudar a prevenir os inconvenientes e assegurar as vantagens para poder
conversar ‘no Senhor’. Como em toda a doutrina inaciana, aqui também
encontramos o segredo e a chave de Inácio na sua estreita união entre a graça
de Deus e a colaboração humana, princípio e fundamento desta conversação. O que
Inácio ensinava, ele o tomava de sua experiência, fonte de sabedoria.
Qual foi a experiência de
Inácio em matéria de conversação espiritual? Qual a unção que recebeu do
Espírito e quais as orientações que encontrou para colaborar com ela? No que se
refere à sua espiritualidade, ele, como todos os espirituais, é devedor da
Tradição dos Padres da Igreja. Mas não é menos certo também que em grande
medida foi também um autodidata como se vê claramente no discernimento dos
espíritos. Como não tinha quem o ensinasse nessas matérias entrou por graça
divina na escola de Deus que o instruiu diretamente : ‘Neste tempo [de Manresa]
Deus o tratava da mesma maneira que um mestre-escola trata uma criança,
ensinando-lhe’(Aut 27).
Sob a guia do Espírito
: da conversão à conversação
Durante o tempo de sua
conversão em Loyola, Inácio parte, na matéria do conversar, da conversação com
Deus e a partir dela passa à conversação com os homens. Sua longa convalescença
e os intermináveis espaços de solidão em Loyola o levaram a conversar com ele
do que passava no seu interior. Uma autêntica conversação espiritual : o Relato
do Peregrino (Autobiografia) [Aut. 1-37]. Ainda que cronologicamente é sua obra
póstuma (1553-1555), podemos encontrar nela os inícios da conversação inaciana.
Pela sua origem, os meios que empregou e a finalidade que pretendeu ao fazê-la,
a Autobiografia não somente narra a história de sua conversação, mas ela mesma
é uma autêntica conversação espiritual; nela, Inácio fala escolhendo
cuidadosamente suas palavras e com a força que as inspira, Inácio comunica à
experiência uma familiaridade com Deus, um Deus que está na raiz de todos os
acontecimentos que vai relatando. Encontramos, inicialmente, uma longa gestação
de seu mundo interior que vai se traduzindo, pouco a pouco, em palavras
exteriores. Os livros da Vida de Cristo e da Vida dos
Santos abrem nele um diálogo com Deus e consigo mesmo (cf. Aut. 1.12).
As lembranças do mundo o levam também a um solilóquio referente à dama dos seus
pensamentos. Nestes balbucios do discernimento aparecem dois novos
interlocutores em sua conversação interior : Deus e o demônio. A partir desse
momento se estabelece uma interrelação entre sua intimidade e sua
expressividade, entre sua vida interior e sua conversação. Suas palavras
ressoarão as vibrações de seu espírito. Sem estudarmos a sua evolução interior,
a conversação espiritual de Inácio resulta incompreensível ou a sua compreensão
será inadequada. Nesse tempo, seus familiares tentarão dissuadi-lo da mudança
que já notavam nele. Inácio anota : ‘Ele, não cuidando de nada […], o tempo
que conversava com os de casa o gastava em coisas de Deus, como o qual fazia
proveito em suas almas’ (Aut. 11). A sua peregrinação à Terra Santa e suas
múltiplas viagens marcarão a necessidade de uma grande adaptabilidade de sua
conversação segundo pessoas, tempos e lugares.
Os Exercícios
Espirituais, um manual para conversar com Deus e com os homens
‘Ouvir o que falam as
pessoas […] como falam umas com as outras […] e refletir depois para tirar
algum proveito de suas palavras’ (EE 107). O ‘como falam’ concentra
a nossa atenção. Este texto está tomado precisamente da contemplação da
Encarnação do Verbo, a Palavra do Pai. Inácio aprendeu do Verbo, em Manresa,
usar a palavra com verdade e caridade discreta, como mensagem para os próximos.
Inácio escreveu o seu livro dos Exercícios como um diálogo em várias direções :
‘daquele que dá os Exercícios’ com Inácio através do seu texto; do ‘que
dá os Exercícios’ com ‘o que os recebe’; deste com Deus; de Deus com
o exercitante. Por isso a palavra está no centro do texto : a de Deus, e
baseado nela e na palavra dos Exercícios, a do exercitante e a de seu
acompanhante. Pedro Fabro chamava ‘conversações em Exercícios’ à
realização desta experiência para exercitar-se espiritualmente (cf. Aut. 17.21
ss). Como todo manual, necessita uma explicação e uma adaptação : se dão e se
recebem. Não é um livro para ser lido, mas são exercícios para serem vividos em
diálogo, são um tipo específico de conversação espiritual em que se dá ao outro
‘modo e ordem’ para proceder. Requerem uma essencial adaptação pessoal
àquele que os recebe e, por isso, implicam uma conversação que vai desde o mais
concreto e temporal (a comida, o sono etc.) até o mais espiritual e decisivo :
a vontade de Deus.
O Pressuposto (EE 22), condição
sem a qual não pode existir um diálogo autêntico, marca o ponto de partida sem
que possa afetar o exercitante nenhum preconceito negativo diante daquele que
dá os Exercícios.
As Anotações, colocadas ao
início do livrinho, são as regras de como conversar nos Exercícios. A anotação
15 assinala a regra de ouro da conversação inaciana : ‘saber conversar de
tal maneira com os homens de modo que estes possam chegar ao diálogo direto com
Deus’. Saber levar o próximo a Deus sem interferir no seu trato com ele.
Por isso, Inácio pede ao exercitante, nesta experiência espiritual à qual ele
se exercita, uma ‘conversão à palavra’, prévia à ‘conversão à pessoa’.
Primeiro fará a pessoa passar por um ‘exame geral da palavra’(juramento
vão, palavra ociosa, infamante, de murmuração) e por um processo de purificação
da escravidão do pecado (erro, desordem, desintegração).
Inácio toma a palavra a sério,
sobretudo a palavra de Deus, e exige que esta palavra seja utilizada com
verdade, necessidade e reverência (EE 38). Em seguida, confrontará esta palavra
enquanto imitação de outra, com seu modelo original, a Palavra encarnada.
Buscará sua integração (ordem) no Verbo que precede, ensina, interpela e espera
uma resposta que não será mais do que um eco desta Palavra eterna. Para isso
faz orar com o significado de cada palavra (EE 249ss). Finalmente, esta
palavra-eco, iluminada e libertada através de um silêncio doloroso e eloquente,
proclamará a boa nova do Senhor que volta na glória. Podemos notar que Inácio
tira sua forma de conversar de seus modos de orar e vice-versa, pois se dá uma
estreita interrelação, própria do contemplativo na ação. ‘Ver a Deus em
todas as coisas : também na palavra verdadeira, necessária e reverente’(EE
38-39)’.
Para refletir :
– Como podemos crescer no
conversar espiritualmente?
– Temos tratado a
Palavra de Deus com reverência, atenção devida e profundidade?
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1542338/2021/09/da-oracao-a-conversacao/
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