Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre Alfredo Sampaio Costa, SJ
‘Santo Inácio nos ensina que a
dinâmica da nossa oração nos leva a um diálogo amoroso e íntimo com o Senhor.
Ele utiliza uma palavra própria do seu tempo para isso, que hoje traduziríamos
por ‘conversa’ : o ‘colóquio’. Sabemos o que seja um estilo ‘coloquial’.
O que revela é uma cumplicidade, um falar de coração a coração, sem formalismos
ou estilos rebuscados. Supõe uma intimidade amorosa e o reconhecimento de uma
Presença especial a quem nos dirigimos. Escreve González Buelta : ‘Deus é o
nosso ‘centro’, o mais profundo de nossa intimidade. ‘Nele vivemos, movemo-nos
e existimos’ (At 17,28). Está em comunhão conosco, e toda a nossa pessoa em
suas dimensões mais profundas fica afetada por esse encontro sempre aberto a um
futuro de plenitude, para muito mais além do que podemos perceber ou expressar’1.
Refletindo sobre nossa
experiência de oração, queremos conversar um pouco sobre esse ‘deixar-nos
afetar’ por este encontro com o Senhor. Como se dá isso? ‘A pessoa toda’
é afetada! Dou-me conta disso? Ou reduzo imensamente a minha oração a uma
insípida ‘mensagem para a minha vida’, que na verdade em nada modifica meu
agir ou pensar?
Como verificar se na oração
feita se deu autenticamente um ‘encontro’ com Alguém? Quais seriam as ‘credenciais’
deste encontro ‘sempre aberto’? Estou disposto(a) a viver os meus
encontros (diários?) com o Senhor nesta perspectiva de serem sempre ‘incompletos’,
‘inacabados’, sempre possíveis de serem vivenciados de forma ainda mais
intensa?
A oração como uma conversação
amigável com o Senhor : Quando se dá um genuíno encontro, brota espontaneamente
um diálogo sincero! Explica González Buelta : ‘Este surgimento de Deus em
nós não é uma invasão, mas sim uma conversação entre duas liberdades’2.
‘Não é uma invasão’ :
Deus certamente toma a iniciativa, provoca, insinua-se… mas sempre respeitando
nossa liberdade. Não adianta forçar uma vida de oração! Será infrutífera!
Somente quando reconhecemos a Deus como Livre e a nós mesmos como
interlocutores livres se torna possível iniciar uma conversa prazerosa. ‘Em
um primeiro momento de nossa existência, começamos esse diálogo com Deus. Sair
de suas mãos não foi uma despedida, mas sim o começo de um encontro que já não
tem um ponto final. E esse encontro é único. Deus nos respeita absolutamente
como somos, pois é o único que nos conhece e nos ama como somos. Entrará dentro
de nós à medida que vamos abrindo as últimas dimensões de nossa existência, os
dias novos, as etapas de mudança, as situações surpreendentes, as rotinas
inevitáveis e os rituais aprendidos’3.
Como se deu o nosso primeiro
encontro com Deus na oração? Como teve início a nossa história de amizade com
Ele? Como Ele foi se aproximando de mim, até tomar a iniciativa de me dirigir a
Palavra…? E depois desse primeiro encontro, como foram se dando mais e mais
encontros, como fomos nos deixando cativar por essa nova Presença que foi
tomando conta da nossa vida…? É muito importante, sem pressa alguma, nos
dedicarmos a essa memória orante do nosso amor primeiro, saboreando novamente
cada momento, cada palavra, gesto, emoção… Afinal, não é disso que se nutre
nossa existência?
Certamente não é possível um
sobrevoo tal que, como se fosse um drone, faria com que eu vislumbrasse, num só
momento, toda uma história tecida por inúmeros encontros. Todo amor tem sua
história e se desenvolve no tempo : ‘Na vida de oração, procuramos crescer
nesse encontro com Deus. Relacionamo-nos com ele como nos relacionamos com as
outras pessoas e realidades que nos rodeiam, pois Deus se deu uma vida humana
em Jesus e por isso podemos dele nos aproximar por meio de nossos sentidos’ 4.
Desde muito cedo, na tradição
cristã, percebeu-se a importância de rezar com nossos sentidos. Dos sentidos
corporais aos espirituais, num aprofundamento cheio de afeto, num desejo
crescente de poder tocar, agarrar, reter de algum modo aquilo que se está
experimentando no momento sublime do encontro com o Senhor na oração. O uso
coordenado e repleto de amor dos nossos sentidos faz-nos descobrir e
experimentar nuances novos, matizes diversos das expressões amorosas que
circulam entre o Criador e sua criatura.
‘Podemos nos aproximar’ :
E essa possibilidade acende em nós o desejo de comunhão, faz-nos sentir
chamados, acolhidos, interpelados : ‘Vinde e vede!’. ‘E permaneceram
com ele!’, narra João no início do seu evangelho.
Para iniciar uma conversa com o
Senhor, é preciso inicialmente tomar consciência da sua Presença, da sua
Pessoa. O melhor modo de fazer isso é recordar o mistério da Encarnação, onde
Deus se tornou acessível aos meus sentidos humanos. Não nos cansaremos nunca de
desfilar a imensa importância da Encarnação para a nossa oração. Não foi por
acaso que grandes místicos como Francisco de Assis, Santa Teresa de Ávila
enamoraram-se pela humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em Jesus, Verbo
Encarnado, podemos finalmente ver, ouvir, tocar quem é Deus (‘Filipe, quem
me vê, vê o Pai!’ Jo 14,9).
Jesus, palavra insuperável e
inesgotável, de homem e de Deus ‘Para nós, Jesus é a Verdade definitiva e
inesgotável que nos revela, ao mesmo tempo, o mistério de Deus e o mistério do
que significa ser perfeitamente humano, sem que haja nenhuma contradição entre
essas duas afirmações. Jesus é a palavra inesgotável de Deus. Quando mais nos
aprofundamos nela, mais horizontes se nos abrem. Quando nos aproximamos de Jesus
em situações pessoais, sociais ou culturais novas, descobrimos dimensões
surpreendentemente novas’5.
A oração, no seu duplo
movimento integrado, é autoconhecimento e ao mesmo tempo descoberta do Deus
Criador. Em Jesus, descobrimos que ser humano e ser divino não concorrem entre
si, mas se implicam um ao outro. Verbo encarnado e Luz do mundo, ao nos
aproximarmos Dele em oração, descobrimos contornos novos em rincões
inexplorados de nossa existência. José Martín Velasco, profundo conhecedor dos
mistérios da mística, intui no mais profundo de todo ser humano essa busca
sedenta de Deus, que vai transformando, moldando, ordenando todo o nosso ser.
Tal é a experiência que vivenciamos, ainda de modo fragmentário e confuso,
quando dobramos os joelhos em oração :
‘A partir dessas novas
situações que seremos sempre surpreendidos pela boa notícia que Deus nos dá a
todos em Jesus : 'Precisamos desenvolver pois, desde esse amor à verdade que se
indaga… uma compreensão da relação com a verdade que privilegie a busca sobre a
posse, o desejo e a nostalgia sobre o domínio, a contemplação sempre aberta a
seu objeto e deixando-se iluminar por ele, sobre sua captura’ (J. MARTÍN
VELASCO, Ser cristão em uma cultura pós-moderna, ed. PPC, Madrid
1997, 89).’
Notas :
1- Benjamín GONZÁLEZ
BUELTA, Orar em um mundo fragmentado. Loyola SP2007, 61.
2-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
61.
3-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
61.
4-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
62.
5-
Benjamín GONZÁLEZ BUELTA, Orar em um mundo fragmentado,
77.
Fonte : *Artigo
na íntegra https://domtotal.com/noticia/1543698/2021/10/a-ousadia-de-retomar-a-vida-toda-em-forma-de-conversa-franca/
Nenhum comentário:
Postar um comentário