Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Uma
das coisas mais comuns em nossos dias, principalmente no meio cristão, é a
leitura infantilizada do texto bíblico. Não dificilmente vemos ou ouvimos
pregações, palestras, e até mesmo pseudoestudos que tratam as diversas
narrativas das Escrituras de uma maneira simplista e literal, não conseguindo
extrair dali qual a mensagem que o autor do texto quis passar.
Esse
tipo de leitura, por sua vez, além de trazer grande mal para a sociedade, uma
vez que pegar um texto fora do seu contexto é sempre usá-lo com algum pretexto
para se dizer o que quiser, também faz com que a compreensão dos ricos
ensinamentos que constam ali sejam colocados em segundo plano, o que, sem
dúvida, coopera para a vivência de um cristianismo sem sentido e, muitas vezes,
desconectado da realidade.
As
leituras infantilizadas do texto bíblico são caracterizadas como aquelas que
não conseguem aprofundar no sentido do texto, ficando somente na superfície do
que está escrito. Como exemplos clássicos desse tipo de leitura têm-se as
diversas pregações que, baseando-se no mito de Adão e Eva relatados nos
capítulos iniciais do Gênesis, tomam-no como algo real e de valor factual, como
se no início de todas as coisas houvesse somente um homem e uma mulher
responsáveis por popular toda a terra e que, por algum milagre, eles
efetivamente conseguem fazer isso. Ou ainda, tratam como real a ideia de que
uma serpente tenha falado com uma mulher e ela tenha agido com total
normalidade frente a isso e, ainda, conversado com essa serpente que, boa de
lábia, conduz a humanidade à desobediência da ordem divina.
Da
mesma forma, ao se tomar o mito do Dilúvio, também encontrado nas primeiras
páginas do Gênesis, são muitas as pessoas que o leem como fato, imaginando que
um homem tenha construído sozinho uma arca (que pela metragem teria 150 metros
de comprimento, 25 metros de largura e 15 metros de altura) para colocar toda
espécie de animais existentes, em pares, mais sua família, flutuando pelas
águas por 40 dias até que as águas baixassem e pudessem sair para, novamente,
povoarem a Terra.
Apenas
esses dois exemplos servem para mostrar o que uma leitura infantilizada do
texto bíblico pode fazer : retirar toda a riqueza simbólica que se encontram
nesses mitos usados para ensinamento do povo da Bíblia e, mais ainda, torná-los
sem o menor sentido para uma sociedade que passou por uma revolução científica
já há algum tempo, como o é a nossa.
Ler
o mito da tentação como fato, é não compreender o profundo ensinamento que o
autor quis passar de que todo ser humano deve fazer uma opção fundamental entre
a obediência a Deus que gera vida (representado pela árvore da vida), ou o
conhecimento por meio da própria experiência, que gera a distorção daquilo que
Deus deseja para a humanidade (representado pela árvore do conhecimento do bom
e do ruim). Da mesma forma, ler o mito do Dilúvio como fato, é perder a linda e
profunda mensagem ali contida de que a justiça de um só humano (representado
por Noé) é capaz de produzir um espaço de vida e esperança trazido por Deus no
meio de todo o caos trazido pelo pecado.
Diante
desse cenário, é tarefa de teólogos e teólogas insistirem que o texto bíblico
não seja lido e ensinado de maneira infantilizada, o que gera fundamentalismos
e propoem uma mensagem cristã sem sentido para pessoas do nosso tempo.
Se
naquela época, os autores dessas narrativas já tinham consciência de que os
símbolos ajudam a compreender melhor as mensagens que queriam trazer, por que,
numa época tão esclarecida como a nossa, ainda se insistem em leituras
infantilizadas e literais dos textos bíblicos? A quem esse tipo de leitura
serve, senão à dominação por parte daqueles e daquelas que, por meio dessas
leituras, conduzem o povo à subserviência?’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1479387/2020/10/a-leitura-infantilizada-da-biblia/
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