Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘A
imagem de um grande parlamento é oportuna para ajudar a entender a sociedade
brasileira com suas muitas vozes que se levantam, afinadas e semitonadas, por
variadas e até contraditórias razões. Importante lembrar que a palavra ‘parlamentar’
não se refere apenas aos representantes do povo que ocupam instâncias oficiais
constituídas. Denota uma atividade que é inerente ao exercício da cidadania,
relacionada à liberdade de expressão e ao compromisso com a construção da
sociedade democrática. Sem adequados fóruns de parlamentação, instituições não
avançam e nem cumprem a sua missão. Pensar, manifestar e participar,
livremente, constituem condições intrínsecas à tarefa de parlamentar com o
objetivo de emoldurar novo tecido institucional e social. Há aqui um especial
desafio : cuidar do amálgama das diferenças, para que sejam alcançadas
respostas novas e urgentes.
Nesse
desafio, inserem-se as cristalizações de mentalidades. Muitos se fecham nas
próprias perspectivas e agem com intolerância ante o diferente, manifestando
inabilidade para lidar com divergências. É inegociável fazer investimentos e
envidar esforços para que a arte dos discursos seja promoção de diálogos e
entendimentos – e não autoritarismos e imposições interesseiras. Esses
autoritarismos e imposições banalizam o incondicional respeito a todos,
desconsiderando principalmente os mais pobres e vulneráveis. Está se tornando
perigosa e desastrosa a imposição de discursos que manipulam ou cerceiam o
fluxo de opiniões. Essas manipulações ainda distorcem dados para esconder a
realidade, desvirtuando a indispensável arte dos discursos. Para melhor
compreender o que representa um líder autoritário e indiferente ao sofrimento
dos pobres, é oportuno recordar o caso de um califa que, acreditando ser dono
da verdade, considerou aceitável queimar a biblioteca de Alexandria, no Egito.
O acervo fantástico de obras, com muitos discursos lúcidos capazes de garantir
entendimentos indispensáveis, foi desprezado e destruído por quem se
considerava autossuficiente – detentor da verdade.
Põe-se,
portanto, nas esferas de parlamentação da sociedade brasileira o desafio de
prestar atenção na arte dos discursos, avaliando a qualidade e os propósitos
das muitas palavras. Caso contrário, instalar-se-á, cada vez mais, uma ‘Babel
brasileira’. Além de desserviço, muitos discursos estão se tornando um
risco terrível para a justiça e para a liberdade. Percebe-se que apenas a
multiplicação de vozes não basta. Urgente é arquitetar discursos que alavanquem
mudanças importantes, principalmente aquelas que incidem sobre mentalidades.
Filosoficamente,
discurso é uma obra com o propósito de gerar nova compreensão sobre a
realidade. No horizonte da sociedade brasileira, espera-se a constituição de um
discurso que, ao permitir maior lucidez, seja capaz de configurar novo tecido
social e de articular novo projeto político para o Estado. Anseia-se que a
partir da compreensão gerada por esse novo discurso se consolide uma
civilização fundamentada na igualdade e na solidariedade. Ao invés disso, o que
se verifica hoje são entendimentos equivocados e desacertos que levam ao
agravamento da desigualdade social, a um modelo econômico excludente que fere a
dignidade humana e adoece o meio ambiente.
Problemas complexos exigem perspectivas que não
podem ser medíocres. Para respostas qualificadas e urgentes, são necessários entendimentos
também complexos, construídos em um verdadeiro mutirão. Estão convocados a
participar todos os cidadãos, as instituições sérias e credíveis da sociedade
brasileira, os segmentos educacionais e culturais, servidores do povo nas
instâncias governamentais. Todos, com seriedade e compromisso, participem de
modo significativo e transformador para construir entendimentos capazes de
fazer surgir novo contexto civilizatório. Prevaleça, em cada lugar, o discurso
edificado na tolerância, na sabedoria para administrar as diferenças, sem risco
de se apegar a um pensamento uniforme, desagregador ou que impeça avanços. Cada
pessoa tenha coragem e abertura para lidar com o confronto de perspectivas. Ao
mesmo tempo, seja humilde para escutar. Assim é possível superar preconceitos e
exercitar-se, com competência, na arte dos discursos, por um novo tempo na
política, na economia e nos diferentes contextos sociais.’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/artigo/9065/2020/10/arte-nos-discursos/
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