Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Camila Marçal,
psicóloga
‘Desde
o início de 2020, o mundo vive uma grande crise sanitária, provocada pela
Covid-19. As diretrizes para minimização dos riscos da pandemia contemplam
recomendação sobre uso de máscaras e higienização até orientações que variam
entre distanciamento social e isolamento completo, dependendo de variáveis como
grupo de risco, profissão, sintomas, entre outros.
A
iminência da morte associada às mudanças no nosso modo de viver e relacionar
impactam direta e indiretamente na nossa saúde mental. Se no início da
pandemia, o risco do vírus era uma abstração, ele se torna cada vez mais
concreto através das contaminações e mortes que se intensificam e se aproximam
da nossa realidade.
Cada
um de nós, a seu modo, está reagindo a essas mudanças. Da negação ao pânico. Da
compaixão à indiferença. Medos, dúvidas e incertezas. A imprevisibilidade da
vida bateu à nossa porta. Estamos vivendo um processo de luto compartilhado.
Chamamos por luto todo o processo que envolve a elaboração do impacto de
mudanças ou morte de alguém, passando desde a aceitação da perda, vivência da
dor, adaptação à ausência/mudança até a reconstrução da relação e novos
direcionamentos.
Por
ser provocador de tanta angústia, em todos os tempos e culturas, o ser humano
criou formas e rituais coletivos para vivenciar o luto : velórios, enterros,
missas, homenagens, entre outros. Precisamos de simbolismos que nos ajudem a
elaborar as mudanças e perdas existenciais.
Os
protocolos de segurança exigidos durante o período de pandemia, além de mudar a
nossa forma de viver, mudaram também a nossa forma de morrer. Pessoas
diagnosticadas com o vírus são imediatamente isoladas. Velórios foram
suspensos. Enterros rápidos e com quantidade limitada de pessoas. Protocolos
fúnebres que causam mais incômodos que alívio. Cerimônias religiosas proibidas.
Ausência de abraços e conforto adequado e muito mais.
O
desamparo existencial dos enlutados está escancarado. Não bastasse a dor da
morte, soma-se a ela a dor do ‘não saber’, do não poder se despedir e de
não poder receber conforto. ‘Ela foi, mas eu não vi. Não sei como ela
estava. Não segurei sua mão. Foi por telefone que soubemos. Foi tudo tão
rápido. Às vezes parece que é mentira. Não dá pra acreditar. E se eu pegar esse
vírus também? Parece que as pessoas estão com medo de mim’.
A
despeito de toda a compreensão racional sobre nossa finitude, a experiência da
morte de alguém que amamos dói absurdamente. Ela toca em algo que nos define :
não nos fazemos sozinhos. Somos marcados por nossas relações e a vida ganha
significado à partir dos nossos afetos.
A
morte se torna, portanto, um evento traumático para os enlutados, abalando as
certezas sobre a vida e gerando grandes angústias. Essas dores, profundamente
humanas, precisam ser acolhidas e compreendidas tanto no seu aspecto singular
quanto comunitário.
A
vivência coletiva dos ritos finais são importantes para a concretização e
elaboração das perdas, pois criam um espaço de comunhão, cumplicidade e conexão
que ajudam na ressignificação daquela experiência, além de serem uma
oportunidade de receber afeto, homenagear, despedir, fazer reparações e até
mesmo reconciliações com o ente querido.
A
impossibilidade da vivência coletiva dos rituais de despedida, sobretudo nas
mortes repentinas, pode impactar de maneira muito negativa as pessoas
enlutadas. Deixam a sensação de algo em aberto, já que etapas do processo de
construção de sentido são suprimidas, podendo dificultar a elaboração do luto e
até mesmo desencadear dificuldades futuras, tais como medos, fobias,
ansiedades, depressão, em decorrência do não acolhimento das emoções e
angústias despertadas nos enlutados.
O
luto não é uma doença, ele é uma resposta natural a um evento traumático da
vida. Permita-se viver seu luto. Nesse contexto, da necessidade humana de dar
sentido à (cada) morte e da impossibilidade da realização dos rituais fúnebres
tradicionais por conta da pandemia, pense formas alternativas de rituais
(individuais e coletivos) que te ajude na concretização da experiência da perda
e na troca de afetos.
Expresse
sua dor. Ouça seus medos. Converse. Faça encontros pra lembrar. Se reúnam para
contar histórias. Escreva cartas. Diários. Veja fotos. Chore. Lembre mais. Das
músicas, dos cheiros, dos encontros. Faça uma homenagem. Peça desculpas. Conte
como você se sente. Construa caixas de memória. Sinta tudo o que tiver de
sentir. Não se isole. Se for necessário, peça ajuda! Estamos órfãos dos nossos
ritos, mas não da nossa humanidade. Eu sinto muito!’
Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1479994/2020/10/luto-e-covid-19-como-se-despedir-na-ausencia-de-ritos/
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