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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Bíblia: ação e gratidão

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Geovane Saraiva,

jornalista, colunista e pároco

de Santo Afonso de Fortaleza, CE

 

‘Setembro, mês da Bíblia : ‘Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça’ (2 Tim 3, 16). Ela não é uma coleção de verdades abstratas, mas, sim, a revelação de uma realidade concreta, daquilo que Deus realizou na realidade histórica de seu povo, nas reflexões das criaturas humanas, as quais contaram com a graça e o dom, ao mergulharem nas atividades, distinguindo-se inusitadamente dos demais escritos, no seu caráter sagrado e na sua inspiração e revelação divina.

No mês da Palavra de Deus, a gratidão que Deus aceita e acolhe é a que vem do coração humilde, um coração convicto de que só o Senhor suscita ‘o querer e o fazer’, segundo o apóstolo Paulo. Nada mais lhe é agradável do que agradecer a Deus pelos grandes benefícios, que é o mesmo que implorar o cumprimento de sua ação salvífica, na ternura e na misericórdia divina, num Deus que, no Filho, quer reconciliar o mundo consigo.

O mês de setembro, o da Bíblia, tem como foco despertar nossa consciência do Deus infinito e do mistério de amor, que quer de seus seguidores um sólido redescobrimento de sua presença, à medida que as pessoas são inseridas no mundo e comprometidas com seu projeto de amor, levadas adiante pelo Filho de Deus, Jesus de Nazaré. Por isso mesmo é que Deus quer, através do Livro Sagrado, enriquecer, com seu duradouro amor, as criaturas que Ele criou, convencendo-as da morada permanente.

Infundido e persuadido pelo Espírito de Deus, de tal modo, somos convidados a acreditar numa missão árdua e elevada, com excessos de precedentes – fruto do indizível mistério da palavra de Deus –, e na eficácia inexprimível da oração, sinal evidente a nos ensinar, num olhar confiante para o céu, vendo as estrelas, a lua, compreendendo, na graça desse mesmo Deus, a beleza infinita a atrair as pessoas, sendo preciosa a criatura humana, entre todas, embora a menor – abaixo dos anjos –, mas que recebeu o poder e o vigor divino de tudo dominar (cf. Sl 8).

Inspirados e animados pelo Livro Sagrado, que saibamos olhar o mundo, num sincero desejo de fermentá-lo e transformá-lo, apresentando-lhe sinais de esperança e solidariedade, seguros daquilo que é mais elevado e cristalino, de que Deus leva em conta nosso esforço, bem como o testemunho coerente e a interior disposição de lutar e gostar de viver. Assim seja!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1536674/2021/09/biblia-acao-e-gratidao/

domingo, 18 de abril de 2021

O pequeno, mas importante, papel dos anjos e demônios na Bíblia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
'A destruição do Templo do Vício' (1832)

*Artigo de Charles C. Camosy,

publicado originalmente em Crux Now

Tradução : Ramón Lara 


John Gillman Ph.D., é conferencista do Departamento para o Estudo da Religião da San Diego State University e educador certificado pela ACPE para Educação Pastoral Clínica. Também é Editor Associado do The Catholic Biblical Quarterly. Entre outras publicações, e é autor de What does the Bible say about life and death? (O que a Bíblia diz sobre a vida e a morte?, em tradução literal). Neste artigo reproduzimos uma entrevista com Charles Camosy sobre seu novo livro What does the Bible say about angels and demons? (em tradução literal, O que a Bíblia diz sobre anjos e demônios?).

Você pode nos contar um pouco sobre sua formação e como isso o levou a escrever um livro sobre anjos e demônios?

Primeiro, um pequeno histórico : cresci em uma família católica tradicional em uma pequena cidade no sudeste de Indiana. Depois de completar meus estudos de doutorado na Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica, uma universidade fundada em 1425, dediquei minha vida profissional a uma combinação de trabalho pastoral e academia. Servi como capelão em diversos ambientes, como educador certificado para Programas de Educação Pastoral Clínica (CPE) e como professor universitário no Departamento de Estudos da Religião em San Diego, onde nos últimos três anos lecionei um curso sobre ‘Morte, falecer e viver após a morte’. Atualmente, sou editor associado do Catholic Biblical Quarterly.

A resposta à pergunta sobre como vim a ser co-autor deste livro é muito simples. O editor da série estava procurando alguém para concluir o projeto depois que o autor original teve que se retirar por motivos de saúde. Aceitei o convite, caso contrário, provavelmente não teria começado a escrever sobre este assunto. Assim que comecei trabalhar no material, no entanto, fiquei fascinado com o tema. Eu não pensava muito em anjos desde a infância, quando memorizei a oração tradicional do anjo da guarda. Quanto aos demônios, fiquei intrigado com o filme O Exorcista (1973), o nono filme de maior bilheteria de todos os tempos nos EUA e Canadá. Além disso, anos atrás, uma mulher perturbada me pediu para abençoar sua casa e protegê-la do que acreditava ser uma presença demoníaca. Eu fiz a bênção - não era um exorcismo - e parecia ter trazido algum conforto.

Anjos e demônios são tópicos populares em nossa imaginação cultural, mas adotar um ângulo especificamente bíblico é interessante. Existe algo como uma visão bíblica coerente sobre anjos e demônios? Até que ponto essa visão se sobrepõe - ou não - ao nosso imaginário cultural popular?

Os anjos raramente faziam mais do que aparições no Antigo e no Novo Testamento. Eles não são o foco central. As exceções são os anjos nas narrativas da infância de Mateus e Lucas (onde o anjo se chama Gabriel) e o Livro de Tobias, onde encontramos Rafael. Na última história, Rafael é enviado por Deus a Tobias e sua família servindo como guia e protetor, mediador do casamento, conselheiro de cura e fonte de orações.

Ao contrário dos anjos na cultura popular, onde às vezes são retratados como humanos que partiram, os anjos bíblicos funcionam não por sua própria autoridade, mas como mensageiros celestiais de Deus. Uma sobreposição ocorre na assistente social angelical Monica da popular série de TV O toque de um anjo (1994-2003). O seriado oferece uma intervenção útil na vida das pessoas em dificuldades.

Embora a crença em demônios tenha uma longa história que remonta à Mesopotâmia e à Grécia, os demônios estão praticamente ausentes no antigo Israel. Satanás, não apresentado como um demônio, mas como um acusador, desempenha um papel no início do Livro de Jó. O diabo só aparece no Novo Testamento, cerca de 35 vezes, mais proeminentemente nas tentações de Jesus.

Hoje, os cristãos podem atribuir a fonte da tentação ao diabo e as pessoas, em geral, podem atribuir eventos horríveis e a discórdia divisora a espíritos demoníacos ou malignos. Por exemplo, após uma eleição contenciosa, o cardeal Gregory de Washington, DC, declarou : ‘Temos muitos espíritos malignos que de alguma forma estão destruindo e trazendo mal para a nação, fazendo com que pessoas de diferentes raças, culturas, línguas e religiões tenham medo de uns dos outros’ (janeiro de 2021).

Entendo, só tenho que perguntar algo porque um colega meu (teólogos podem ser pessoas estranhas!) é meio obcecado com esse assunto. A Bíblia tem uma visão de anjos e demônios que permite que alguns deles sejam algo diferente do espírito? Para ser mais direto : a Bíblia imagina que alguns anjos e demônios têm corpos?

A resposta curta é sim. No Livro de Tobias, mencionado acima, Rafael aparece pela primeira vez disfarçado de jovem e não é identificado como um anjo até muito mais tarde na narrativa. O demônio que confronta Jesus no deserto é apresentado com características humanas : o demônio leva Jesus até um ponto alto para mostrar-lhe todos os reinos do mundo, leva-o a Jerusalém e o seduz por meio de palavras comuns, tudo em vão. Seria ir além da narrativa da tentação, porém, sustentar que o diabo que aparece tem um corpo físico.

É uma coisa muito católica acreditar no Anjo da guarda. Existe um fundamento bíblico para essa crença?

Embora seja verdade que a crença no Anjo da guarda é uma ‘coisa católica’, alguns protestantes também têm crenças semelhantes. Por exemplo, a declaração de Martinho Lutero ‘que os anjos estão conosco é muito certo, e ninguém deveria ter duvidado disso’ se aproxima de uma crença em anjos da guarda. Embora a expressão ‘anjo(s) da guarda’ não apareça na Bíblia, há alguns textos que apontam nessa direção, como no Salmo 91,11. ‘Porque a seus anjos Ele dará ordens a seu respeito, para que o protejam em todos os seus caminhos’. Em Mateus 18,10 é relatado que Jesus disse : ‘Cuidado para não desprezarem um só destes pequeninos! Pois eu digo que os anjos nos céus estão sempre vendo a face de meu Pai Celeste’. E em Atos 12,15, quando Pedro chegou à casa de Maria, os presentes acreditaram que era ‘seu anjo’. Em Hebreus 1,14, surge a pergunta ‘Os anjos não são, todos eles, espíritos ministradores enviados para servir aqueles que hão de herdar a salvação?’.

Muitos relatam ter um anjo da guarda. No outro dia, encontrei a história de Francisca de Roma (1340-1440), que recebeu um anjo da guarda enviado por Deus depois que seu marido se foi e um filho morreu, para servir como companheiro constante durante os últimos vinte anos de sua vida. Ela teria sido capaz de ver este anjo. Pouco antes de sua morte, disse : ‘O anjo terminou sua tarefa - ele me chama para segui-lo’. Entre aqueles que acreditam em anjos, poucos parecem ter uma experiência tão vívida.

Esta é uma pergunta complexa, mas é outra que tenho que fazer. Suspeito que muitas pessoas se interessam por anjos e demônios pelos mesmos motivos pelos quais se interessam por dragões, alienígenas e zumbis. Leva você de seu mundo atual, totalmente físico, para um lugar fantástico de imaginação encantada. Mas seu livro deixa claro que, para as pessoas da Bíblia, este não era um mero lugar fantástico de imaginação. A existência de anjos e demônios para os antigos era muito séria. É possível para nós, pessoas da modernidade, entrar na mentalidade encantada que abre espaço para a realidade de anjos e demônios?

Existem tantas oportunidades através de programas de TV, filmes e outras mídias, para entrar em um mundo tão encantado. No entanto, não tenho certeza se uma pessoa precisa entrar em uma ‘mentalidade encantada’ para criar espaço para essa realidade. Algumas semanas atrás, comentei com um amigo da caminhada sobre meu livro sobre anjos e demônios. Ele se virou para mim e disse : ‘Não tenho certeza do que acredito nos anjos’. Em seguida, passou a contar o que começou como uma história mundana sobre como a luz de verificação do motor em seu carro havia se acendido durante uma viagem para fora do estado. Meu amigo parou para investigar, e descobriu que havia algum outro problema relacionado ao funcionamento seguro de seu carro que não tinha conexão com o indicador ‘verificar motor’. Subiu as mãos e se perguntou : de que se tratava esse aviso?

Agora sobre os demônios : quando o ataque ao Capitólio dos EUA ocorreu em 6 de janeiro de 2021, o representante Jim McGovern, um veterano da Marinha, disse depois que ‘viu o mal’ nos olhos dos atacantes. Se isso era o mal personificado, o demônio em ação ou simplesmente loucura, ele não diz. Não é absurdo interpretar isso como algo mais do que uma turba fora de controle envolvida em algo que as pessoas mais razoáveis imaginariam como totalmente impensável.

Para muitos, a questão permanece em aberto se o espaço (sobre o qual você pergunta) deve ser aberto para anjos e demônios. Outros podem ter fortes convicções de um lado ou do outro. A Bíblia oferece suporte para tal realidade e, de muitas maneiras, nossa cultura contemporânea também o faz.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1510568/2021/04/o-pequeno-mas-importante-papel-dos-anjos-e-demonios-na-biblia/

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A Bíblia pode ser considerada um documento histórico?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
'Manuscritos do Mar Morto' são os mais antigos registros bíblicos

*Artigo de Marcelo Rede,

professor


‘A Bíblia hebraica pode ser considerada um documento para escrever a história do antigo Israel ou para analisar outros fenômenos históricos, como a formação do monoteísmo ou a figura divina de Yahweh?

A indagação é parte de uma questão maior, sobre a presença da Bíblia no ambiente acadêmico e universitário. Do ponto de vista institucional e curricular, o panorama é diversificado.

O debate já é antigo nos centros universitários norte-americanos ou europeus. Entre nós, é ainda incipiente. No Brasil, a Bíblia penetrou na academia pela via dos estudos literários, que privilegiaram a análise de seus diversos gêneros e a interpretação linguística. Na arqueologia, a situação é ambígua : embora a arqueologia bíblica seja popular nos meios de comunicação, ela jamais se estabeleceu como disciplina por aqui, antes de ter praticamente desaparecido das universidades em todo o mundo para dar lugar a uma arqueologia do Oriente-Próximo ou Siro-Palestina. Naturalmente, nos cursos de teologia (quase totalmente de orientação cristã), a Bíblia hebraica, juntamente com o Novo Testamento, está no centro da reflexão, sob a forma da história da religião ou da exegese textual e teológica.

Nos departamentos de história, a presença da Bíblia é rarefeita, pois a história de Israel é menos praticada do que as histórias do Egito ou da Mesopotâmia, e prepondera o interesse pela Grécia e por Roma. Paradoxalmente, não há quase nenhum recorte em nossas disciplinas que possa desprezar a importância da Bíblia, do Brasil colonial à Revolução Francesa, da Idade Média à Independência norte-americana.

O problema, portanto, é saber se é possível integrar a Bíblia hebraica na operação historiográfica e como fazê-lo.

Para o historiador, isso significa duas possibilidades inseparáveis. A primeira : a Bíblia como sendo, ela mesma, um fenômeno histórico. A segunda : sua consideração, ou não, como fonte documental.

A própria questão poderia ser considerada um tanto descabida, pois a historiografia atual se constituiu a partir da profunda remodelação da noção de documento : quando surgiu como saber moderno no século XIX, a história privilegiou os documentos escritos, particularmente, os de natureza oficial. Embora os textos ainda predominem, a história abriu-se a novas fontes (imagens, objetos materiais, relato oral) e integrou todo tipo de documento não oficial : cartas privadas, textos literários, jornais, panfletos de propaganda etc. Se ‘tudo é história’, pode-se dizer também que ‘tudo é documento’. Mesmo um falso documento pode servir como fonte para se estudar algo, desde que o historiador tenha ciência de sua falsidade (uma obra de arte forjada; um decreto imperial não autêntico ou uma fake news). Diante desse quadro, o que poderia justificar a exclusão da Bíblia do campo de documentos históricos?

Ocorre que a Bíblia tem uma trajetória de mais de dois mil anos no pensamento ocidental e seus vários usos e apropriações levantaram questionamentos legítimos que precisam ser considerados.

O ponto mais evidente é a sua concepção como ‘Escritura Sagrada’. Muitos documentos com que trabalham os historiadores têm, igualmente, uma natureza sagrada atribuída por suas sociedades : o Livro dos Mortos, no antigo Egito; as preces aos deuses sumérios e tantos outros. Há, porém, uma grande diferença : enquanto estes pertenceram a religiões hoje mortas, a Bíblia continua sendo o livro sagrado do judaísmo, dos vários cristianismos e, indiretamente, do islamismo. A sacralização dos textos bíblicos criou obstáculos ao seu estudo fora do domínio teológico. Foi somente às vésperas do Iluminismo que as ‘Sagradas Escrituras’ passaram a ser objeto de reflexão crítica.

Na historiografia, a situação é particular e até curiosa : os especialistas que buscaram escrever uma história moderna do antigo Israel integraram as narrativas bíblicas como uma espécie de enredo histórico preestabelecido, como o guia de um passado já escrito. Caberia ao historiador traduzi-lo em um linguajar acadêmico aceitável. Em outros termos, a Bíblia não foi inserida na operação historiográfica como uma verdadeira fonte a ser submetida ao crivo dos instrumentos de análise aplicados aos demais documentos, o que, justamente, conferia à historiografia moderna sua mais importante característica : a de ser um saber inferencial sobre as sociedades, fundado na crítica das fontes.

A existência de um documento escrito complexo, extenso e praticamente único não é uma exclusividade. O mesmo ocorre, por exemplo, com a obra de Tito Lívio para vários períodos da história romana ou com a Ilíada e a Odisseia para o chamado período homérico. No entanto, em nenhum desses casos o texto impôs uma tutela narrativa ao historiador, sobretudo se considerarmos as novas perspectivas introduzidas por cada uma das ‘escolas’ historiográficas que se sucederam até hoje.

A história do antigo Israel, ao contrário, persistiu sendo praticamente uma paráfrase das narrativas bíblicas. O mesmo ocorreu na arqueologia bíblica tradicional, concebida como uma prática de escavação e de interpretação da cultura material que visava a corroborar a narrativa fornecida pelo texto bíblico. Os artefatos, as estruturas etc. tampouco foram integrados adequadamente como fonte documental para a produção de um conhecimento sobre a sociedade antiga.

Há, portanto, razões suficientes para que a legitimidade da Bíblia como documento histórico tenha sido questionada e para que um ruidoso debate tenha se estabelecido entre os chamados ‘maximalistas’ (que procuravam conservar ao máximo a narrativa bíblica) e os ‘minimalistas’ (que buscavam minimizar a validade documental da Bíblia).

Entre esses extremos, porém, uma solução intermediária parece ser mais sensata e produtiva. Não resta dúvida de que os textos bíblicos impõem dificuldades imensas ao historiador. O conjunto é extremamente diversificado e mesmo incoerente; sua unificação é fruto de um processo longo e mal conhecido; sua redação e, sobretudo, sua forma canônica final são tardias, em geral separadas por séculos dos contextos a que se referem. Para complicar ainda mais, materialmente falando, o texto que conhecemos hoje deriva de manuscritos medievais que datam de por volta do ano 1000 (depois de Cristo!). Entre esses códices medievais e os manuscritos ‘originais’ (do qual não temos sequer um exemplar) há um vácuo quase total, preenchido de modo apenas parcial pelos Manuscritos do Mar Morto e por pouquíssimos outros fragmentos esparsos.

São problemas sérios. Todavia, a situação não é muito diferente para grande parte do que nos sobreviveu da literatura antiga e não pode, por si só, ser motivo para descartar a Bíblia como documento.

No entanto, é preciso reconhecer que essa intricada condição documental da Bíblia só pode ser enfrentada se seu conteúdo for submetido às mesmas ferramentas críticas utilizadas para qualquer documento. Na feliz expressão de Mario Liverani, historiador italiano, é preciso fazer da história do antigo Israel uma ‘história normal’. Acrescentemos : é preciso tratar a Bíblia como um ‘documento normal’. Nem mais, nem menos.

Inserir a Bíblia na história implica, portanto, inserir a história na Bíblia, reconhecendo nela um fenômeno cultural, fabricado por sociedades humanas em uma série de contextos sociais concretos.

É nesse sentido que os estudos sobre a memória cultural e sobre o trauma coletivo enquanto fenômeno histórico e literário foram fundamentais para se entender melhor boa parte das narrativas bíblicas. Muitas delas só são compreensíveis historicamente como resultado do trauma representado pelo cativeiro babilônico. A conquista do Reino de Judá pelos babilônios, em 587 a.C., solapou pilares fundamentais da sociedade judaíta : a perda da terra e a migração forçada de parte da população; o fim da dinastia davídica; a destruição do templo de Jerusalém. O aparecimento de uma literatura de crise é parte das respostas culturais a esse trauma coletivo. Seja sob o domínio babilônico, seja depois, sob o domínio persa (Ciro, o Grande, conquistou a Babilônia em 539 a.C.), os judaítas exilados reformularam a memória de seu passado, fundindo antigas tradições e elementos inéditos. São mitologias da criação e do dilúvio, sagas de ancestrais, textos proféticos, literatura sapiencial e mesmo erótica. E, sobretudo, narrativas acerca de um passado remodelado pelo que restou dos escombros da tragédia de Judá. Sob esta ótica sulista, o reino do norte, Israel, foi pintado em cores francamente negativas. Ao mesmo tempo, ‘Israel’ ganhou um novo sentido : não mais uma entidade política, um reino governado por um soberano, mas um referencial identitário do qual os judaítas do exílio se reivindicaram como herdeiros legítimos.

A invenção de um passado que se apresenta como propriamente histórico é a matriz da memória cultural bíblica, que cria e mantém a coesão e a identidade da comunidade : a fuga espetacular do Egito, a conquista heroica de Canaã, uma monarquia unificada e esplendorosa sob David e Salomão. Ao mesmo tempo, essa construção memorial comporta reflexões sobre o sofrimento presente e sinaliza possibilidades e limites de projetos para um futuro melhor, tanto para os retornados quanto para os que restarão na diáspora, primeiro à sombra do Império Persa, depois em um universo profundamente marcado pela cultura grega e pelo domínio das monarquias helenísticas.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://jornal.usp.br/artigos/a-biblia-pode-ser-considerada-um-documento-historico/

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

A leitura infantilizada da Bíblia

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)        

 

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

‘Uma das coisas mais comuns em nossos dias, principalmente no meio cristão, é a leitura infantilizada do texto bíblico. Não dificilmente vemos ou ouvimos pregações, palestras, e até mesmo pseudoestudos que tratam as diversas narrativas das Escrituras de uma maneira simplista e literal, não conseguindo extrair dali qual a mensagem que o autor do texto quis passar.

Esse tipo de leitura, por sua vez, além de trazer grande mal para a sociedade, uma vez que pegar um texto fora do seu contexto é sempre usá-lo com algum pretexto para se dizer o que quiser, também faz com que a compreensão dos ricos ensinamentos que constam ali sejam colocados em segundo plano, o que, sem dúvida, coopera para a vivência de um cristianismo sem sentido e, muitas vezes, desconectado da realidade.

As leituras infantilizadas do texto bíblico são caracterizadas como aquelas que não conseguem aprofundar no sentido do texto, ficando somente na superfície do que está escrito. Como exemplos clássicos desse tipo de leitura têm-se as diversas pregações que, baseando-se no mito de Adão e Eva relatados nos capítulos iniciais do Gênesis, tomam-no como algo real e de valor factual, como se no início de todas as coisas houvesse somente um homem e uma mulher responsáveis por popular toda a terra e que, por algum milagre, eles efetivamente conseguem fazer isso. Ou ainda, tratam como real a ideia de que uma serpente tenha falado com uma mulher e ela tenha agido com total normalidade frente a isso e, ainda, conversado com essa serpente que, boa de lábia, conduz a humanidade à desobediência da ordem divina.

Da mesma forma, ao se tomar o mito do Dilúvio, também encontrado nas primeiras páginas do Gênesis, são muitas as pessoas que o leem como fato, imaginando que um homem tenha construído sozinho uma arca (que pela metragem teria 150 metros de comprimento, 25 metros de largura e 15 metros de altura) para colocar toda espécie de animais existentes, em pares, mais sua família, flutuando pelas águas por 40 dias até que as águas baixassem e pudessem sair para, novamente, povoarem a Terra.

Apenas esses dois exemplos servem para mostrar o que uma leitura infantilizada do texto bíblico pode fazer : retirar toda a riqueza simbólica que se encontram nesses mitos usados para ensinamento do povo da Bíblia e, mais ainda, torná-los sem o menor sentido para uma sociedade que passou por uma revolução científica já há algum tempo, como o é a nossa.

Ler o mito da tentação como fato, é não compreender o profundo ensinamento que o autor quis passar de que todo ser humano deve fazer uma opção fundamental entre a obediência a Deus que gera vida (representado pela árvore da vida), ou o conhecimento por meio da própria experiência, que gera a distorção daquilo que Deus deseja para a humanidade (representado pela árvore do conhecimento do bom e do ruim). Da mesma forma, ler o mito do Dilúvio como fato, é perder a linda e profunda mensagem ali contida de que a justiça de um só humano (representado por Noé) é capaz de produzir um espaço de vida e esperança trazido por Deus no meio de todo o caos trazido pelo pecado.

Diante desse cenário, é tarefa de teólogos e teólogas insistirem que o texto bíblico não seja lido e ensinado de maneira infantilizada, o que gera fundamentalismos e propoem uma mensagem cristã sem sentido para pessoas do nosso tempo.

Se naquela época, os autores dessas narrativas já tinham consciência de que os símbolos ajudam a compreender melhor as mensagens que queriam trazer, por que, numa época tão esclarecida como a nossa, ainda se insistem em leituras infantilizadas e literais dos textos bíblicos? A quem esse tipo de leitura serve, senão à dominação por parte daqueles e daquelas que, por meio dessas leituras, conduzem o povo à subserviência?’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1479387/2020/10/a-leitura-infantilizada-da-biblia/

 

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Mês da Bíblia: as cartas de São Paulo, as Epístolas Católicas e o Apocalipse

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  
*Artigo de Mário Scandiuzzi, 
jornalista


‘Vamos falar das Cartas de São Paulo, apresentando a ordem cronológica, situando-as no livro dos Atos dos Apóstolos.

Tessalonicenses I e II – na primeira carta, Paulo fala sobre a pregação do Evangelho, da alegria ao saber da fidelidade da comunidade de Tessalônica, faz um convite para que todos sejam perseverantes na fé e fala também da ressurreição dos mortos. Na segunda alerta os fiéis sobre as falsas ideias da segunda vinda de Cristo, exorta todos sobre a confiança em Deus e para que se fortaleçam na luta contra o mal.

Gálatas – esta carta foi escrita porque alguns judeus cristãos queriam obrigar os pagãos recém convertidos ao cristianismo a seguirem a Antiga Lei.

Romanos – nesta carta o apóstolo fala sobre o estado de pecado no qual se encontra o homem e que a salvação não é mérito de nossos atos. A carta ainda traz os fundamentos de uma vida verdadeiramente cristã, com os deveres para com as outras pessoas.

Coríntios I e II – carta dirigida a uma comunidade marcada por disputas e abusos. Na primeira carta Paulo prega a união e a humildade. Ele ainda aconselha os fiéis sobre o casamento e a virgindade e dá conselhos escrevendo sobre a caridade (capítulos 12 a 14). Na segunda carta, Paulo se defende contra aqueles que se opunham às suas pregações, justificando-se contra todas as acusações que lhe foram feitas em Corinto.

Efésios, Filipenses e Colossenses – são chamadas de ‘epístolas do cativeiro’ por terem sido escritas no período em que Paulo ficou preso em Éfeso e em Roma, entre os anos de 60 e 62. Ele trata do mistério de Cristo na Igreja e apresenta diversos conselhos aos fiéis que vivem uma vida nova em Cristo. A carta aos Filipenses tem um caráter mais pessoal, marcado pelas expressões de alegria.

Filemon – é dirigida a um rico cristão de Colossos, cujo escravo havia fugido e procurado refúgio junto ao apóstolo. Paulo implora pelo perdão para o escravo.

Timóteo I e II e Tito – são chamadas de epístolas pastorais. Timóteo é discípulo de Paulo e companheiro de viagem. Foi colocado à frente da comunidade de Éfeso. A primeira carta é lembra dos conselhos já recebidos e propõem um programa de vida para homens, mulheres, bispos e diáconos. Paulo também fala sobre as viúvas, os anciãos e os escravos. Quando escreveu a segunda carta a Timóteo, Paulo já estava preso e pressentindo o martírio dá aos discípulos suas últimas recomendações. Tito era grego e também colaborador de Paulo. Nesta carta ele dá conselhos sobre a organização das comunidades na ilha de Creta.

Hebreus – esta carta reflete as ideias centrais da pregação de Paulo, ela não parece ter sido escrita por ele, já que possui um estilo diferente. A carta é dirigida a uma comunidade de judeus convertidos que viviam um dilema por ter que abandonar o culto do templo e da sinagoga ao se tornarem cristão. O texto se fundamenta na Lei de Moisés para mostrar que o Evangelho é a realização efetiva do culto israelita.

As epístolas católicas – este é o nome que se dá a um conjunto de sete cartas dirigidas a um conjunto de igrejas.

Tiago – era bispo de Jerusalém e presidiu uma importante reunião dos apóstolos no ano de 49. O texto tem como base o Sermão da Montanha, com conselhos voltados para o cristão fervoroso com virtudes para uma nova vida.

Pedro – a primeira carta de Pedro provavelmente foi escrita por Silvano, discípulo de Paulo que se tornou também colaborador de Pedro. O texto fala sobre a alegria do cristão batizado e a união em Jesus. Para aqueles que sofre pela fé, a carta lembra do sofrimento de Cristo, pregando uma vida de santidade e de boas práticas.

A segunda carta de Pedro e a carta de Judas parecem ter sido escritas pela mesma pessoa e alertam contra as falsas doutrinas que começavam a ser disseminadas e encorajam os fiéis a se manterem firmes na fé e no amor de Deus.

João – são três epístolas escritas pelo ‘discípulo que Jesus amava’. A primeira delas afirma que Deus é amor e luz e o cristão, como filho da luz, deve fugir da escuridão, seguir os mandamentos e arrepender-se caso cometa algum pecado. As duas cartas seguintes são dirigidas a comunidades da Ásia (Kyria – ‘a eleita’ e Gaio) e tratam de temas particulares.

Apocalipse – no grego essa palavra significa revelação. Este livro foi escrito por São João no fim de sua vida como uma carta destinada às Igrejas da Ásia Menor. Considerado um texto de difícil interpretação, é preciso que se entenda o momento em que foi escrito. Os cristãos da Ásia começavam a sofrer perseguições. Aqueles que esperavam pela libertação com a segunda vinda de Cristo, viam com tristeza que este retorno demorava. João quis fazer de seu livro uma mensagem de esperança e, ao mesmo tempo, anunciar aos fiéis a inevitável luta entre o bem e o mal e predizer a vitória de Deus. Para isso usa de um recurso literário muito usado entre os judeus, presente também no livro do profeta Daniel. O gênero apocalíptico não quer dar uma descrição antecipada de fatos futuros, mas apresentar a realidade com símbolos diferentes, numa linguagem figurada para provocar a atenção do leitor. Para uma boa leitura deste livro é importante saber alguns dos simbolismos apresentados : O Cordeiro simboliza Cristo; a mulher, a Igreja Cristã; o dragão, as forças contrárias ao Reino de Deus; as duas feras (cap. 13), o império romano e o culto ao imperador; as vestes brancas, a vitória. O Apocalipse anuncia aos fiéis que não é possível escapar da luta do sofrimento no plano terrestre e também que a vitória final se dá em Cristo ressuscitado que venceu a morte.


Fonte :

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Mês da Bíblia: o Evangelho e os Atos dos Apóstolos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Mário Scandiuzzi, 
jornalista


‘A palavra Evangelho é de origem grega e significa a Boa Nova. O Evangelho narra a boa nova, a vinda de Deus entre os homens, daquele que se fez ‘filho do homem’ para que possamos nos tornar ‘filhos de Deus’.

Antes de ser escrito, o Evangelho foi anunciado. Assim como o próprio Jesus falou aos discípulos, estes continuaram a missão depois da morte e ressurreição do Senhor. E este ensinamento foi escrito a fim de que fosse conservado com fidelidade.

Mateus, que se chamava Levi era coletor de impostos antes de ser chamado por Jesus para segui-lo. Escreveu seu evangelho em aramaico, um dialeto do hebraico, por volta do ano 60. O texto não foi conservado, mas rapidamente traduzido para o grego. Mateus escreveu na Palestina para leitores judeus; seu texto tem várias referências ao Antigo Testamento.

Marcos é o sobrenome de João, primo de Barnabé, que é citado no livro dos Atos dos Apóstolos 12, 12. É discípulo de Pedro e acompanhou Paulo em sua primeira viagem missionária. O Evangelho reflete os ensinamentos de Pedro em Roma pouco antes do ano 64. Por vários detalhes acredita-se que se trata de um testemunho direto da vida e da atividade de Jesus. Marcos quer apresentar Jesus aos pagãos, mostrando o que de havia de extraordinário e de valor de sua missão nos milagres que realizou.

Lucas é de origem grega e também foi companheiro nas missões de Paulo. Lucas também é o autor do Livro dos Atos dos Apóstolos. Embora não tenha sido testemunha dos fatos, teve o cuidado de documentar seu relato, utilizando-se dos textos de Mateus e Marcos. Lucas também escreveu aos pagãos, destacando a bondade e a misericórdia de Jesus.

João é o apóstolo, irmão de Tiago e filho de Zebedeu. Foi um dos mais próximos do Mestre e a quem Jesus confiou o cuidado de sua mãe. O texto foi escrito nos últimos anos do primeiro século, mais de 30 anos depois dos três primeiros. Era dirigido aos cristãos e buscava mostrar a divindade manifestada aos homens na pessoa de Jesus. Apresenta-o como ‘a água da vida eterna’, ‘o pão vivo descido do céu’, ‘a luz do mundo’, ‘o bom pastor’, ‘o caminho, a verdade e a vida’. João não narrou somente os fatos e discursos de Jesus, mas também nos deixou sua experiência pessoal junto do Mestre.

Apesar de serem quatro autores, a Igreja tem vivo o sentimento que se trata de uma só Boa Nova de salvação, apresentada sob quatro formas : segundo Mateus, segundo Marcos, segundo Lucas e segundo João.

Os Atos dos Apóstolos são a sequência do evangelho segundo Lucas, também autor deste livro. Aqui encontramos o nascimento da Igreja primitiva, a ascensão de Jesus, o Pentecostes, a conversão de Paulo e suas viagens missionárias pela Ásia Menor e Grécia. A narrativa mostra ainda a prisão e a transferência de Paulo para Roma, mas não relata a libertação dele e as viagens antes do martírio. Na primeira parte os Atos dos Apóstolos falam sobre a influência do Espírito Santo na formação das primeiras comunidades cristãs. Na segunda parte, mostra como Paulo, a exemplo de Pedro, é o grande responsável pela entrada de vários pagãos na Igreja.

A leitura dos Atos dos Apóstolos é muito importante para uma boa compreensão das Epístola de São Paulo.


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domingo, 22 de setembro de 2019

Mês da Bíblia: os Livros Proféticos


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Mário Scandiuzzi, 
jornalista


‘No antigo Testamento encontramos 18 livros escritos por profetas : Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Agora vamos conhecer um pouco mais sobre cada um deles.

Isaías é considerado como o maior dos profetas de Israel. Exerceu o ministério profético por cerca de 50 anos. Ele é o profeta da justiça, pregando contra os ricos e os poderosos, elevando sua voz contra os hipócritas e aqueles que levavam uma vida fútil. Chama o povo ao arrependimento e à fé. Isaías também se apresenta como o profeta da consolação e da esperança e apresenta Deus como o criador e soberano, vencedor do mundo e salvador do seu povo.

Jeremias era de uma família sacerdotal. Seu livro tem vários episódios que se relacionam à sua própria atuação e também refletem seus sentimentos, suas lutas interiores e sofrimentos. De temperamento tímido e hesitante, com um coração ardente e sensível, se viu obrigado a ser o ‘profeta das desgraças’, já que anunciava a queda de Jerusalém. Despertou a ira daqueles cujos abusos e pecados não parava de combater.

O Livro das Lamentações foi escrito durante os anos que se seguiram à destruição de Jerusalém, no ano de 586 a. C. Era lido todos os anos na comunidade judaica no dia do aniversário da destruição do templo e tinha como objetivo levar os ouvintes a reconhecer as próprias faltas e renovar a esperança na misericórdia de Deus.

Baruc – os historiadores acreditam que não se trata do mesmo personagem que serviu de secretário a Jeremias, embora tenha o mesmo nome. O livro pode ser dividido em duas partes. A primeira é uma exortação à penitência. A segunda fala da sabedoria como único meio de se chegar a Deus e também sobre coragem, resignação e esperança. Uma carta de Jeremias aos cativos foi acrescentada ao livro e parece ser uma paráfrase do capítulo 10 de Jeremias contra a idolatria.

Ezequiel – quando Jerusalém foi tomada pela primeira vez por Nabucodonosor em 599 a.C., rei, os grandes do reino, chefes das empresas e 7 mil guerreiros foram deportados para a Babilônia. Sob a influência dos pagãos, eles se deixaram corromper e passaram a praticar ritos de idolatria. Foi neste cenário que surgiu Ezequiel, anunciando a destruição de Jerusalém. Depois deste fato, houve uma nova deportação e o número de exilados aumentou. A partir de então, o profeta passou a exaltar o novo Pastor do povo de Deus, anunciando a ressurreição de Israel e a restauração do Templo.

Daniel é um israelita levado à Babilônia entre os deportados por Nabucodonosor. Jovem com uma fé inabalável e um grande sentimento de patriotismo, Daniel não é o autor do livro, mas figura como seu herói principal. Neste livro predomina a ideia da expectativa da vinda do reino de Deus, reino que será proclamado e realizado por Jesus.

O profeta Oséias narra as infidelidades de Israel para com Deus. Ele foi o primeiro profeta a comparar a união de Deus com o seu povo com um noivado.

Joel profetizou no reino de Judá e também em Jerusalém, de onde é originário. Ele destaca o conhecimento do culto, o amor do povo e a cultura religiosa que se espera num membro da classe sacerdotal.

Amós era pastor em uma localidade vizinha a Belém. Ele denuncia as injustiças sociais que devastam a Samaria, como opressão dos pobres e corrupção de juízes. A perspectiva do Messias é descrita como uma grande prosperidade agrícola.

Abdias profetizou na época do exílio e se dirigia principalmente a Edom, para que não se alegrasse com a ruína de Jerusalém; a vingança de Deus vai atingi-la da mesma foram que outras nações pagãs.

Jonas – livro colocado entre os profetas porque narra as aventuras de um profeta com este nome. Muitos estudiosos ler este livro como um ensinamento religioso velado, em forma de parábola. Jonas enviado a Nínive para pregar significa que Deus chama todos ao perdão, e não somente os judeus.

Miquéias era originário de uma aldeia vizinha a Hebron e foi contemporâneo de Isaías. Profetizou a ruína da Samaria e anunciou ao reino de Judá um castigo semelhante.

Naum – profeta de origem desconhecida, descreveu o julgamento divino que se exerce no mundo.

Sofonias é um profeta justiceiro que anuncia do dia do Senhor sob a figura de um sacrifício ritual em que todos serão castigados, salvo os que praticam a justiça, a humildade e a obediência à Lei de Deus.

Habacuc é um profeta filósofo e um dos primeiros israelitas a pensar no problema do mal. A solução proposta por ele é que Deus, no final, salvará o justo.

Ageu é mencionado no livro de Esdras (5,1 e 6,4). Exerceu o ministério em Jerusalém, por volta do ano 520, quando o templo era reconstruído.

Zacarias é contemporâneo de Ageu e prega uma reforma moral e ao mesmo tempo exorta o povo a reconstruir o templo.

Malaquias fala do amor de Deus por seu povo e explica que o comportamento humano impede que o Criador seja mais generoso em bênçãos, denunciando as negligências no ministério sacerdotal, a falta de respeito à santidade matrimonial e a falta de comprometimento no pagamento do dízimo.


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Mês da Bíblia: os Livros Sapienciais

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Biblia otwarta na drewnianym stole
*Artigo de Mário Scandiuzzi, 
jornalista


‘Vamos falar agora do conjunto de sete livros da Bíblia chamados de Sapienciais. São eles : Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico.

O Livro de Jó tem como tema central o personagem de Jó, que era para os antigos israelitas uma figura do típico justo sofredor. O autor é desconhecido, e acredita-se que foi escrito no século 5 antes de Cristo. Jó se encontra privado de todos os seus bens, de seus próprios filhos e de sua saúde. Os amigos de Jó representam a ideia de que o sofrimento é um castigo; todo homem é pecador. Deus entra em cena e, enviando provações ao homem, mostra que é justiça e bondade. Ao homem cabe humilhar-se com paciência e esperança, sem querer desvendar os planos do Criador.

O livro dos Salmos era usado para as orações dos antigos judeus. A palavra Salmo (Psalmus) é tradução do termo hebraico que quer dizer Louvores. Mas no livro também se encontram lamentações, cânticos de penitência e de reconhecimento, poemas didáticos e súplicas. Nos salmos encontramos ensinamentos religiosos, tais como : respeito à majestade divina, gratidão pela misericórdia infinita e pelo perdão de Deus, confiança na Providência, penitência e contrição diante dos próprios pecados, tristeza e temor pelos perigos que nos cercam, paz, consolo, coragem, obediência, alegria e esperança.

O Livro dos Provérbios tem autoria atribuída a Salomão. Nele encontramos um conceito puríssimo de Deus, de um Deus justo, benevolente, misericordioso e criador. O autor divide a humanidade em duas categorias, do ponto de vista moral : os sábios e insipientes. Os sábios são inteligentes, virtuoso e íntegro. Entre os insipientes estão os maus, os mentirosos e os malfeitores. Os textos reforçam as virtudes da caridade, da justiça, da prudência, da moderação e da discrição. De outro lado, combate os vícios da embriaguez, da gula, da luxúria e da preguiça. De modo especial o livro destaca a piedade filial e a educação das crianças.

O Eclesiastes apresenta uma série de meditações sobre a instabilidade da vida humana. O autor é desconhecido, mas pela época (século III a. C.) acreditava-se que todos os homens iam para o mesmo lugar depois da morte, uma região onde não há consolação. Disso surge um certo pessimismo nos textos. Se a perspectiva do céu é tão duvidosa, a solução é usufruir dos bens que Deus nos dá nesta vida e agradecer por tudo. Apesar disso, o autor expressa uma profunda religiosidade. Tudo que há de bom nessa vida é dom de Deus e um dia o homem terá que prestar contas de todos os seus atos. No final do livro, fica um resumo : ‘Como conclusão geral, teme a Deus e observa os seus preceitos; eis aí o homem todo’.

O Cântico dos Cânticos (expressão que significa o mais belo dos cânticos) é uma coleção de poemas que originalmente teriam sido usados em solenidades nupciais. O amor que une homem e mulher foi querido por Deus no plano da criação. O Cântico prega a fidelidade.

A Igreja Cristã, baseada no simbolismo do texto, sempre viu neste livro uma figura do amor de Cristo por sua Igreja, considerada sua esposa.

O Livro da Sabedoria tem como tema central o louvor à Sabedoria divina. Na primeira parte mostra a Sabedoria na vida de cada homem, sendo recompensada pela vida eterna. Na segunda, expõe o papel que a Sabedoria representou na vida do rei Salomão. E numa terceira parte, mostra a Sabedoria em ação : na criação, na história da humanidade e em particular na história do povo de Deus. Não se sabe ao certo quem é o autor deste livro, mas ele é dirigido aos judeus que moravam no Egito e faz um alerta do perigo de serem desencaminhados pela filosofia grega e serem tentados a abandonar o culto de um Deus único. O texto contém ainda as primeiras revelações sobre a imortalidade da alma e do seu destino eterno.

O Eclesiástico, ou Livro da Igreja, recebeu esse nome na igreja latina porque era utilizado com frequência para instrução dos fiéis. O autor se apresenta com o nome de Jesus, filho de Eleazar, filho de Sirac, e deve ter sido escrito por volta do ano 200 a. C. Neste livro o autor trata de todos os aspectos da vida humana : exortações aos maridos, às mulheres, aos pais, aos filhos,  aos senhoras, aos homens da lei, aos anciãos. Também traz temas como a riqueza a pobreza, o comércio e a educação. O texto mostra um conceito que tem como base os mandamentos de Deus na lei mosaica e aplicado na vida cotidiana.


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