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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A Paz não é ausência de guerra!

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Luiz Antônio de Araújo Guimaraes 

  

‘Certamente, muitos acham que a paz é a ausência de guerra, e não o é. Ora, as pessoas e o mundo vivem em constantes guerras, e todos os dias são desafiados a viver a paz — a paz que vem do mais íntimo do coração, a paz que não é ausência de turbulências ou provações, mas uma paz interior.

No Evangelho, Jesus diz claramente : ‘Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!’ (Jo 14,27). Ele diz isso no contexto que antecipa a sua partida. Se a paz fosse conforme o mundo quer e compreende, Jesus não se deixaria ser conduzido ao calvário e à morte, teria cessando-as; porém, Ele quis passar por todo aquele tormento para dizer que, mesmo posto ao extremo do escárnio e da dor, ali não seria o fim, mas apenas uma passagem para uma realidade onde haveria a eterna paz, ou seja, o Céu. Por isso, a promessa para os seus discípulos é a de que não se atemorizem, não fiquem com medo do que irão contemplar : a dor e a morte de seu Mestre.

Dito isso, o primeiro passo para superar uma guerra é enfrentá-la com o desejo de paz. Jesus teria toda a força necessária para fugir de sua cruz, porém enfrentou-a. A guerra, por sua vez, não pode ser entendida como sendo apenas bélica, mas, sobretudo, como a guerra interior. Apesar dos sofrimentos exteriores que O alcançariam, Jesus estava em paz consigo mesmo e em plena comunhão com o Pai, o que fez Dele a pessoa mais inspiradora para se enfrentar uma guerra.

Se as coisas exteriores atormentam o tempo todo, cabe a você saber de que lado quer ficar : do lado da paz consigo mesmo ou do lado da guerra que lhe sobrevém das realidades externas. Se você estiver em paz consigo mesmo, venha o que vier e aconteça o que acontecer, nada e ninguém o tirarão do prumo, ou seja, do equilíbrio. Então, ter paz consigo e não ter medo de enfrentar as guerras que hão de vir é passo seguro rumo à paz duradoura.

Você não tem o domínio de que as ‘guerras’ não aconteçam; porém, tem o domínio de não permitir que elas o dominem. Os jovens são aqueles que mais são desafiados a administrar suas emoções, até porque ainda não possuem maturidade suficiente para enfrentar suas guerras. Por isso, a Igreja os orienta tanto por meio da Sagrada Escritura quanto por meio do Catecismo : ‘Não vos deixeis levar pela ira para o pecado! Não se ponha o sol sobre a vossa ira!’ (Ef 4,26). Por sua vez, o Catecismo afirma que ‘a ira é, primeiramente, uma emoção natural, como reação a uma injustiça sentida. Quando da ira, porém, surge o ódio e se deseja mal ao próximo, aquele sentimento normal torna-se uma grave falta contra o amor. Qualquer ira descontrolada, sobretudo o pensamento vingativo, está orientada contra a paz e destrói a ‘tranquilidade da ordem’’ (Catecismo Jovem da Igreja Católica, 396). Daí a necessidade de não se deixar levar pela ira, para não gerar ódio e, por consequência, não alimentar a guerra.

É válido o princípio do Evangelho : ‘Eu, porém, vos digo : amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem!’ (Mt 5,44). A oração é um caminho seguro para a paz. Se alguém quer guerra contigo, que tal rezar por essa pessoa? Esta oração não será em vão : surtirá um efeito muito grande não somente em sua vida, mas também na vida do outro. Há um princípio que diz : ‘A briga só acontece quando os dois querem!’ De fato, se você não quer guerra, mesmo que o outro queira, ele não terá forças para retirar a sua paz. A paz é uma decisão e deve começar em você.

O líder pacífico Mahatma Gandhi já dizia : ‘Não há caminho para a paz. A paz é o caminho!’ Assim sendo, que tal você entrar e seguir esse caminho? Contudo, não lhe faltarão provações, mas, se a sua decisão for a paz, a paz o acompanhará para sempre. A escolha é sua! Paz gera paz, guerra gera guerra!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/a-paz-nao-e-ausencia-de-guerra.html

sábado, 17 de fevereiro de 2024

O Evangelho de Marcos

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo do Padre Antonio Ferreira,CMF


Visando ao conhecimento e ao aprofundamento da Palavra de Deus, o tempo litúrgico foi formado em anos : ‘A’, ‘B’ e ‘C’. No ano ‘A’ é lido o Evangelho de Mateus; no ano ‘B’, o de Marcos; no ano ‘C’, o de Lucas. O Evangelho de João é lido nas solenidades maiores. 

O Evangelho de Marcos é o mais sucinto. Ele trata do discipulado e busca responder à pergunta ‘Quem é Jesus?’. Anuncia a chegada do Reino de Deus. 

Em Marcos 1,14-20, depois do início do Evangelho com João Batista, a vinda do Espírito sobre Jesus no rio Jordão e as tentações no deserto, Marcos conta, em síntese, o início da atividade pública de Jesus. Ele percorreu a região da Galileia pregando a Boa-Nova, que o Reino de Deus começara e a necessária conversão para aceitá-lo na fé e comprometer-se com ele. 

Nas aldeias da Galileia estavam as pessoas mais pobres e deserdadas, privadas do seu direito de usufruir da terra que lhes fora dada por Deus. Aí, como em nenhum outro lugar, Jesus encontrou o Israel mais doente, oprimido e maltratado pelos poderosos. Nas cidades, por outro lado, viviam os detentores do poder com seus vários colaboradores : governantes, grandes proprietários de terras, cobradores de impostos. Não eram eles os representantes do povo de Deus, mas seus opressores, os causadores da miséria e da fome dessas famílias. O Reino de Deus deve começar onde o povo é mais humilhado. Esses pobres, famintos e aflitos eram as ‘ovelhas perdidas’ que melhor representavam todos os oprimidos de Israel. Jesus era muito claro ao afirmar que o Reino de Deus só podia ser anunciado pelo contato direto e próximo com as pessoas mais necessitadas de alívio e de libertação; nelas a semente do Reino encontra ‘terra boa’.

Jesus foi de cidade em cidade e de aldeia em aldeia proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. A causa a que Jesus dedicou daí em diante seu tempo, suas forças e toda sua vida é o que Ele chamava de o ‘Reino de Deus’. Foi, sem dúvida, o centro da sua pregação, o que animava toda a sua atividade. Tudo o que Ele disse e fez está ao serviço do Reino de Deus, que é a chave para compreender o sentido que Jesus deu à sua vida e para entender o projeto que Ele quis ver realizado na Galileia, no povo de Israel e, em última análise, em todos os povos. Na Galileia, Jesus não ensinou uma doutrina religiosa para que seus ouvintes a aprendessem bem, mas anunciou um acontecimento para que essas pessoas o recebessem com alegria e fé. O povo encontrou um profeta apaixonado por uma vida mais digna para todos, que procurava com todas as suas forças que Deus fosse amado e que o seu Reino de vida, de justiça, de paz e de misericórdia se difundisse com alegria.

Após a morte de João, Jesus começou a falar uma nova linguagem : o ‘Reino de Deus está próximo’. Não devemos esperar mais, temos de acolhê-lo e, em breve, ele espalhará a sua força salvadora. Essa Boa-Nova deve ser anunciada a todos. O povo deve converter-se, contudo, a conversão não consistirá em preparar-se para um julgamento, mas em ‘entrar no Reino de Deus’ e aceitar o seu perdão salvador. A ideia de julgamento não desaparece em Jesus, mas sua visão muda completamente : Deus vem para todos como salvador, não como juiz. Deus não obriga ninguém, Ele convida. Seu convite pode ser aceito ou rejeitado. 

Cada um decide seu destino. Alguns ouvem o convite, aceitam o Reino de Deus, acolhem-no e deixam-se transformar; outros não ouvem a Boa-Nova, rejeitam o Reino, não entram na dinâmica de Deus e fecham-se à salvação.

A conversão e a fé devem realizar-se no seguimento de Jesus. A vocação dos primeiros discípulos é um exemplo concreto de conversão e de fé e também um ato que mostra o seguimento de Jesus. No tempo de Jesus eram os discípulos que escolhiam o mestre. No caso, porém, é Jesus que chama os pescadores para o seguirem. Além disso, Jesus não os chama para aprender uma doutrina, mas para uni-los à sua pessoa e à sua missão. A iniciativa de Jesus, que chama e cria a decisão de segui-lo, recorda a iniciativa e a autoridade com que o Deus de Israel chamou os seus profetas para desempenharem uma missão especial a favor do povo (cf. 1Rs 19,19-21; 2Rs 2,12-15), missão que nesse caso é a de serem ‘pescadores de homens’, isto é, de reunirem os membros dispersos do povo de Deus. Esse primeiro chamado divino, exemplo de conversão e de fé, pretende ser ao mesmo tempo o modelo de toda vocação cristã. 

Três traços fundamentais caracterizam essa vocação : a) é uma resposta a um chamado anterior; b) não pode haver dúvida a esse respeito; c) a resposta da pessoa implica desprendimento e renúncia, traduzindo-se, sobretudo, num ‘seguimento’. Discípulo, portanto, não é aquele que abandona algo; é aquele que, respondendo decididamente a um chamamento, encontrou alguém e o segue.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://revistaavemaria.com.br/o-evangelho-de-marcos.html


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Meditação: e se você tentasse a Lectio Divina?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Marie-Christine Lafon


‘A Lectio Divina é, junto à liturgia (missa e oração das horas) e ao estudo, um dos meios para provar e se nutrir da Palavra de Deus. ‘O Evangelho é o Corpo de Cristo’, escreve o grande doutor da Bíblia, São Jerônimo (345-420).

Nós comemos a carne e bebemos o sangue de Cristo no mistério da Eucaristia, mas também na leitura das Escrituras.

Por sua vez, São João Paulo II dizia que ‘o primado da santidade e da oração é concebível apenas a partir de uma renovada escuta da Palavra de Deus’.

O objetivo da Lectio Divina não é, portanto, tornar alguém um estudioso, mas aumentar a sua comunhão com Deus, porque passamos a conhecê-lo melhor, visitando-o pessoalmente nas Escrituras, onde ele se entrega.

A Lectio Divina é mais do que ler, mas envolve ler. Não é um estudo muito intelectual, mas usa a inteligência. Requer fé, para que se possa estabelecer um diálogo entre Deus e o homem, pois é ao Senhor que falamos quando oramos.

Por onde começar?

Se estamos dando os primeiros passos na nossa vida de oração, é possível começar lendo o Novo Testamento, particularmente os Evangelhos.

Podemos escolher uma passagem do Evangelho da missa do dia ou domingo que está por vir, ou mesmo fazer a leitura orante de um dos livros da Bíblia.

Quando já tivermos mais experiência, podemos escolher um tema e fazer uma leitura transversal. Por exemplo, procurar o que Jesus fala sobre o batismo ou o observar durante as refeições com os seus discípulos. Em seguida, é possível comparar e confrontar diferentes passagens do Antigo e do Novo Testamento.

Pode ser útil usar sempre a mesma Bíblia para poder circular e marcar as passagens ao passo que nos familiarizamos. Isso nos permitirá também retornar às nossas passagens preferidas nos dias de secura espiritual.

Finalmente, antes de começar, é bom lembrar que a Lectio Divina é pessoal, mas não individual, é feita na Igreja, banhada pela Tradição.

Como praticar a Lectio Divina?

Nas diferentes práticas, o procedimento permanece o mesmo. Guigues II le Chartreux resume assim : ‘Busque lendo e encontrarás meditando; peça orando e a porta se abrirá na contemplação’.

Ele vê quatro etapas sucessivas, como degraus de uma escada pela qual o homem sobe e desce entre a Terra e o Céu : leitura, meditação, oração e contemplação. Vamos lá!

1. Invocar o Espírito Santo

Jesus nos prometeu e o Espírito Santo nos conduzirá em todas as coisas. Nossa cooperação é nosso esforço para ler, mas é o Espírito Santo que faz das Escrituras uma palavra viva.

Podemos orar assim : ’Vem, Espírito Santo, pai dos pobres, abre e ilumina meu coração e minha inteligência!’.

Abrir as Escrituras e lê-las, de acordo com São Jerônimo, é deixar que o Espírito Santo nos conduza, sem saber de que margem nos aproximaremos.

2. Ler sem pressa

Lemos o texto escolhido como se fosse a primeira vez, de maneira simples e humilde, ignorando tudo o que possamos já saber sobre ele, tudo o que lemos ou ouvimos como comentários. Caso contrário, é também possível ler a passagem selecionada em voz alta ou copiá-la lentamente.

3. Interessar-se pelo contexto

O que aconteceu pouco antes? Onde está acontecendo a cena? Jesus está sozinho com uma pessoa ou ele está na companhia de seus discípulos ou de uma multidão? Que hora do dia isso está acontecendo? Em que época do ano? Durante uma festa litúrgica? Se sim, qual? O que isso significa para Israel?

Também devemos prestar atenção no contexto, nos objetos em palco, etc. Por exemplo : os seis jarros de casamento de Caná (João 2, 1-11) contêm 80 a 120 litros cada, não são pequenos jarros!

Ou, quando Jesus encontra a mulher samaritana perto de um poço (João 4, 1-42), percebe que em um país quente, um poço é uma riqueza, um ponto de encontro, mas também que o serviço de retirar a água é penoso.

Finalmente, não podemos colocar um significado espiritual no texto e esquecer o significado literal. Por exemplo, quando Jesus fala de ‘uma fonte de água jorrando para a vida eterna’ (João 4:14). Tome tempo com alguns questionamentos: o que é uma fonte de água? E de águas vivas? Será que a água é vital?

4. Interessar-se pelas palavras, pelos gestos, e pelo silêncio

É necessário estudar não apenas as palavras, mas também os gestos e os silêncios dos personagens, começando pelos de Jesus. Para quem se adereçam? Quais são os sentimentos dos protagonistas?

Você também não deve hesitar em se deixar ser atingido por gestos ou palavras chocantes ou aparentemente contraditórias. Exemplos : ‘Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra.’ (Lucas 6, 29); ou o pastor que deixou 99 ovelhas para procurar uma (Lucas 15: 4-7). E aí, uma passagem conhecida pode se tornar nova!

5. Meditar e contemplar como a Virgem Maria

Maria conservava todas essas palavras, meditando-as no seu coração.’ (Lucas 2:19). Releiamos o texto à luz da Palavra, porque tudo o que Jesus diz e faz é revelação e dom de sua pessoa e, portanto, do Pai e do Espírito Santo. Tentemos contemplar a Trindade descoberta através deste texto.

Mas também meditemos sobre o que esse texto deseja iluminar de forma pessoal, na nossa vida e nosso relacionamento com Deus. Devemos nos perguntar : o que Deus está me dizendo hoje? E não : o que Deus diz aos homens em geral e em termos absolutos?

Porque ‘todo aquele que vem a mim ouve as minhas palavras e as pratica, eu vos mostrarei a quem é semelhante. É semelhante ao homem que, edificando uma casa, cavou bem fundo e pôs os alicerces sobre a rocha. As águas transbordaram, precipitaram-se as torrentes contra aquela casa e não a puderam abalar, porque ela estava bem construída.’ (Lucas 6, 47-48).

Por encontrar Deus nas Escrituras, acabamos agindo de acordo com a Sua palavra que nos molda.

6. Para terminar, a oração

Dom Chautard chamou a Lectio de ‘provedora de oração’. Para terminá-la, podemos invocar o Espírito Santo e deixar surgir a oração de adoração, de súplica ou de ação de graças que ele despertar.

7. Guardar a oração no nosso coração

A Lectio Divina nos leva a lembrar de Deus pois ‘ruminamos’ suas palavras no nosso coração : ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada.’ (João 14, 23). E então, escrever uma passagem no nosso caderno, ou mesmo uma palavra que falou ao nosso interior pode nos ajudar. Memorizá-la ou copiá-la lentamente, ou até compartilhar a Palavra com alguém (sem comentar).

Não devemos desanimar com a aparente secura ou desamparo da Lectio e ousar ficar com uma pergunta, com palavras contraditórias ou chocantes, e deixa-las passar sem compreender. O principal é reservar um tempo com Jesus. A oração será nutrida por todas as expectativas que a Palavra de Deus terá gravado em nós.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/cp1/2020/01/27/meditacao-e-se-voce-tentasse-a-lectio-divina/

segunda-feira, 24 de julho de 2023

O que são os evangelhos apócrifos?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo da redação da Aleteia 


‘Os evangelhos apócrifos são textos religiosos sobre a vida de Jesus escritos sobretudo a partir da segunda metade do século II. Os primeiros cristãos já os haviam considerado não confiáveis do ponto de vista histórico ou, pelo menos, como não inspirados por Deus. Ainda que muitas vezes possuíssem conteúdos heréticos, tiveram influência na piedade popular e em muitas obras artísticas.

Os evangelhos apócrifos são todos aqueles textos religiosos centrados em Jesus que foram descartados pelos cristãos dos primeiros séculos e que não se encontram no elenco dos livros da Bíblia considerados pela Igreja como autênticos e inspirados.

A palavra ‘apócrifo’ vem do grego e significa ‘oculto’ ou ‘escondido’. No começo, o termo foi utilizado para designar os escritos que revelavam ‘verdades’ de cunho esotérico a ‘iniciados’. No entanto, esta palavra é utilizada hoje para qualificar em geral os escritos sobre a vida de Jesus que não foram aceitos pela Igreja como inspirados por Deus nem como norma de fé – ao contrário dos evangelhos atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João – e que foram compostos na segunda metade do século I.

Os evangelhos que conhecemos são chamados de ‘canônicos’ (termo inspirado na vara ou ‘cana’ utilizada para medir os limites) e traçam o perímetro dos textos sagrados que entraram no ‘cânon’ da Bíblia católica, ou seja, o elenco oficial dos 73 livros (46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento), fruto de um processo de discernimento iniciado dento da Igreja no século II e que prosseguiu até o século IV, ainda que o selo definitivo tenha chegado com o Concílio de Trento, em 1546.

Os evangelhos apócrifos têm alguma semelhança com os quatro evangelhos canônicos, pois apresentam palavras e fatos ligados à vida de Jesus, ou narrações mais amplas sobre personagens já presentes nos canônicos. Começaram a circular no âmbito judaico e cristão a partir da metade do século II, como reflexo de tradições e temas populares, mas não eram lidos nas celebrações litúrgicas das primeiras comunidades cristãs nem gozaram de grande prestígio, como testemunha a escassez de manuscritos existentes que nos dão notícia deles.

Não foram aceitos porque eram considerados pouco confiáveis, já que foram compostos em uma época em que já haviam desaparecido não somente os Apóstolos e todas as testemunhas oculares dos acontecimentos ligados à vida e morte de Jesus, mas também os discípulos diretos dos Apóstolos e os membros das suas primeiras comunidades.

Estes escritos se dividem basicamente em quatro grupos : os mencionados pelos antigos escritores cristãos (pelos quais conhecemos algo do seu conteúdo), os fragmentos de papiro encontrados recentemente, os escritos que contêm detalhes sobre a infância de Jesus e os de cunho gnóstico, um movimento herético do começo do cristianismo.

Alguns evangelhos apócrifos, como o ‘Evangelho dos Hebreus’, são conhecidos somente pelas notícias dos escritores eclesiásticos. Outros, como o ‘Evangelho de Pedro’, chegaram até nós muito fragmentados – apenas alguns pedaços de papiro – e não acrescentam nada aos evangelhos canônicos.

O ‘Protoevangelho de Tiago’, o ‘Pseudo Mateus’ e o ‘Pseudo Tomé’ narram dados da vida de Jesus, de Maria e de São José que não aparecem nos evangelhos canônicos; por exemplo, pelo ‘Protoevangelho de Tiago’, conhecemos a presença do boi e da mula na gruta da Natividade e o nome dos pais de Maria – Joaquim e Ana.

Muitas vezes, estes textos estão repletos de detalhes fantásticos ou piedosos : neles se conta a história cajado florido de São José, o nome dos três reis magos (Melchior, Gaspar e Baltazar) e os milagres que o Menino Jesus fazia, e foram objeto de inspiração de lendas e obras de arte durante a Idade Média. Um exemplo disso é o ‘Mistério de Elche’, na Espanha (uma representação teatral sobre a Dormição, Assunção e Coroação da Virgem Maria, que acontece todos os anos, no mês de agosto, na Basílica de Santa Maria de Elche, de forma ininterrupta desde a Idade Média).

Outro grupo de evangelhos apócrifos é composto por aqueles que colocam sob a autoridade de algum apóstolo doutrinas e conteúdos estranhos à fé. Estão relacionados ao gnosticismo, um movimento filosófico-religioso que floresceu sobretudo no Norte da África, nos séculos II e III. A intenção primária dos gnósticos era validar o seu sistema de crenças, isto é, com os seus escritos, eles pretendiam remontar a origem das suas crenças ao próprio Cristo. Entre eles, destacam-se o ‘Evangelho de Maria Madalena’, o ‘Evangelho de Tomé’ e o ‘Pistis Sophia’.

Destes últimos, falaram muitos Padres da Igreja (grandes homens dos inícios da Igreja, aproximadamente do século II ao VII), para refutá-los e combater a suas derivações gnósticas. Na maior parte das vezes, estes escritos narravam supostas revelações de Jesus depois da sua ressurreição, sobre o princípio da divindade, a criação, o desprezo do corpo etc.

Existem pouco mais de 50 evangelhos apócrifos. Alguns são muito antigos; outros são descobertas recentes, como os escritos de Nag Hammadi (1945). Esses textos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse de Paulo’, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.

Alguns especialistas, atendendo ao seu conteúdo, costumam classificar os evangelhos apócrifos em 4 grupos :

– Evangelhos da infância : narram o nascimento de Jesus e os milagres realizados durante a sua infância.

– Evangelhos de logia : são coleções de ditados e ensinamentos de Jesus, sem um contexto narrativo. Muitos deles são gnósticos.

– Evangelhos da Paixão e Ressurreição : tentam completar os relatos da Morte e Ressurreição de Jesus.

– Diálogos do Ressuscitado : recolhem ensinamentos do Ressuscitado a algum dos seus discípulos. Estes últimos são típicos da literatura gnóstica também.

Os apócrifos mais conhecidos são : ‘Evangelho de Pedro’, ‘Evangelho segundo Tomé’, os ‘Evangelhos da Infância de Tomé’, ‘Evangelho de Bartolomeu’, ‘Evangelho de Maria Madalena’, ‘Evangelho segundo os Hebreus’, ‘Evangelho de Taciano’ (ou Diatessaron), ‘Evangelho do Pseudo Mateus’, ‘Evangelho Árabe da Infância’, ‘Evangelho da Natividade de Maria’, ‘Evangelho de Felipe’, ‘Evangelho de Valentino’ (Pistis Sophia), ‘Evangelho de Amônio’, ‘Evangelho da Vingança do Salvador’ (Vindicta Salvatoris), ‘Evangelho da Morte de Pilatos’ (Mors Pilati), ‘Evangelho segundo Judas Iscariotes’ e o ‘Protoevangelho de Tiago’.

Alguns evangelhos apócrifos são conhecidos há muito tempo. Outros foram descobertos recentemente, como no caso dos Papiros de Oxirrinco, procedentes da escavação arqueológica realizada pelos ingleses S. P. Grenfell e S. Hunt em 1897, na atual El-Bahnasa (Egito).

O mais importante acontecimento recente no campo dos escritos apócrifos ocorreu com a descoberta, por parte de camponeses – em um povoado egípcio chamado Nag Hammadi, em dezembro de 1945 –, de cerca de mil páginas em papiro : 53 textos divididos em códigos, cuja antiguidade remonta provavelmente ao século IV d.C.

Os escritos continham traduções originais do grego ao copto, quem contêm evangelhos apócrifos chamados de Tomé e Felipe, um ‘Apocalipse de Paulo’, tratados teológicos e palavras atribuídas a Jesus, de claro conteúdo gnóstico.

Às vezes, os apócrifos proporcionam detalhes que descrevem a sensibilidade dos cristãos dos primeiros séculos ou que confirmam os dados contidos nos evangelhos canônicos. Ainda que não contenham fontes escriturísticas de primeira mão, os evangelhos apócrifos podem ser úteis para confirmar alguns dados relatados pelos quatro evangelistas. Em outros casos, o valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram.

Por exemplo, o ‘Evangelho segundo os Hebreus’, que, para os especialistas, remontaria à primeira metade do século II. Não temos nenhum testemunho direto dele, mas apenas algumas frases recolhidas por alguns homens ilustres dos primeiros séculos, entre eles Sofrônio Eusébio Jerônimo, mais conhecido como São Jerônimo, que, além da célebre tradução latina da Bíblia a partir do grego e do hebraico, compôs a obra De viris illustribus, isto é, uma espécie de dicionário biográfico dedicado aos homens que haviam se distinguido de alguma maneira nos primeiros séculos.

Nesta obra, Jerônimo recolhe, em latim, uma pequena passagem do perdido ‘Evangelho segundo os Hebreus’, que ele provavelmente teria consultado várias vezes na biblioteca de Cesareia Marítima, fundada por Orígenes, uma das mais ricas e renomadas do mundo antigo, destruída pelos árabes junto com a cidade, em 638 : ‘Após ter dado a Síndone ao servo do sacerdote, o Senhor foi até Tiago e apareceu a ele’. Nesta passagem, Jerônimo recolhe a palavra sindon para traduzir a homônima palavra grega que havia empregado ao traduzir o Evangelho de Lucas (23, 53), em que se fala do lenço que envolvia o corpo de Jesus. O ‘Evangelho segundo os Hebreus’ teria, portanto, o mérito de testemunhar que, na época da sua composição, a Síndone se encontrava provavelmente na Palestina, talvez na própria Jerusalém.

Às vezes, o valor dos apócrifos consiste em refletir a mentalidade do ambiente em que se originaram e sobretudo a vontade das pessoas de preencher os vazios deixados pela sóbria descrição dos evangelhos canônicos. Por exemplo, o ‘Evangelho de Pedro’, composto em meados do século II, oferece, ainda que com detalhes estranhos, uma descrição do momento preciso da Ressurreição de Cristo. O relato reflete a necessidade que as pessoas tinham, especialmente os cristãos ligados à figura de Pedro, de imaginar o momento que transformaria para sempre suas vidas e que constituiria o centro da sua fé.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2013/04/04/o-que-sao-os-evangelhos-apocrifos/

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Sobre esta rocha, construirei minha abadia! O ambicioso projeto destes beneditinos

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Cécile Séveirac 


‘Com sede em Saint-Pierre-de-Clairac (França), os monges beneditinos de Sainte-Marie de la Garde se propuseram o desafio de transformar seu mosteiro em uma abadia. Em maio de 2023, um grande projeto foi iniciado para fornecer à comunidade um claustro, uma torre de sino e uma igreja de abadia. É um projeto importante, mas que levará dez anos para ser concluído. A primeira fase, que acabou de começar, deve durar cerca de três anos, até 2026, antes da construção final do claustro, cujas três alas abrigarão o refeitório, a casa capitular, as celas dos monges e a sacristia.

Estabelecida como uma abadia em 2021, Sainte-Marie de la Garde é a irmã mais nova da famosa abadia de Le Barroux, fundada em 1970. Oito monges ali se estabeleceram e converteram os edifícios dessa grande fazenda em um mosteiro. Hoje, a comunidade de 17 monges está empenhada em fazer algo grande. Para o abade, Dom Marc Guillot, ‘esse projeto está alinhado com o apelo do Papa Francisco de criar muitos mosteiros na Igreja’. Em abril de 2023, o Papa dedicou uma audiência geral aos monges, chamando-os de ‘coração pulsante do Evangelho’, a ‘força invisível que sustenta a missão’.

Atendendo às necessidades da vida monástica e leiga

O local de construção está, portanto, respondendo a uma vitalidade dupla. ‘Além de responder às necessidades de uma comunidade que escolheu a vida contemplativa e deu origem a vocações, há um verdadeiro dinamismo na comunidade leiga. Por meio de nossa herança, temos essa dimensão de acompanhamento espiritual intramuros. Mais e mais pessoas estão vindo para o mosteiro, que elas veem como uma espécie de oásis espiritual, com a beleza da liturgia tradicional e do canto gregoriano atraindo-as’, explica Dom Guillot à Aleteia. ‘A Regra de São Bento continua a provar sua relevância. Tudo isso é uma imensa fonte de esperança em um país que está perdendo seu cristianismo’.

Diante do afluxo de fiéis, os monges não têm escolha a não ser empurrar as paredes para trás. No momento, a capela só pode acomodar entre 90 e 100 pessoas para os cultos. Portanto, ela precisa ser ampliada com uma grande tenda de maio a outubro, na qual telas grandes podem ser usadas para acompanhar a transmissão da missa. O objetivo é dobrar a capacidade para que os fiéis possam acompanhar a missa nas melhores condições possíveis. Eventualmente, se o trabalho continuar a progredir bem, Dom Guillot planeja aumentar o número de lugares para os retirantes no coração do mosteiro, de 7 para 15. No entanto, ele adverte que ‘isso está fora de cogitação até que a igreja da abadia seja concluída’. Enquanto isso, uma casa externa acomodará famílias e peregrinos que desejarem passar alguns dias mais perto da abadia.

Arquitetura românica

Será necessário um total de oito milhões de euros para que os monges possam concluir seu trabalho. A maior parte desse valor foi arrecadada por meio de doações e patrocínios. As empresas que trabalharão na construção das paredes dessa nova abadia são todas locais. Com suas fundações de granito e estruturas de pedra, a Abadia de Sainte-Marie optou por se inspirar em suas irmãs cistercienses e cluniacenses em Silvacane, Sylvanès, Sénanque e Conques, com sua bela arquitetura românica que desafia a devastação do tempo. ‘Temos as pedras vivas. Agora precisamos das paredes’, sorri Dom Guillot.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://pt.aleteia.org/2023/07/10/sobre-esta-rocha-construirei-minha-abadia-o-ambicioso-projeto-destes-beneditinos/?fbclid=IwAR12zprIIq94RGWAAosmUorePbQ0DhRGHkwoO68lJOoJGiYFCPyhT4wo3Ns


sexta-feira, 1 de julho de 2022

Pauta do novo humanismo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘Investir na consolidação do novo humanismo, proposto pelo Papa Francisco, é uma urgência capaz de corrigir os rumos da civilização. Especialmente, trata-se de movimento que contribui para formar líderes promotores do diálogo, comprometidos com a construção de um tempo melhor. A busca por um novo humanismo, que tem envolvido estudiosos e pesquisadores, frequentemente inspirando rodas de conversas, é ainda um projeto, mas constitui um broto de esperança, ‘luz no fim do túnel’. Permanecer distante, sem se envolver na efetivação desse projeto, por pouco compreender o que significa um novo humanismo, significa contribuir para o acúmulo de prejuízos na contemporaneidade. É preciso buscar uma reação para trilhar caminhos diferentes.

Individualmente ou em grupo torna-se importante compreender o significado de um novo humanismo, com suas potencialidades para reverter perdas na cultura, na história e nos patrimônios relevantes. O esvaziamento humanístico da existência revela-se na animalização das relações, com o assombroso recrudescimento de diferentes tipos de violência, naturalizando preconceitos e discriminações. Dentre essas muitas violências, inscreve-se aquela que se manifesta na indiferença em relação aos que sofrem. Ela se torna especialmente grave quando a fome de muitos passa a ser normalizada, não gerando o necessário incômodo para atitudes cidadãs mais assertivas. Consequentemente, prevalece certa inércia ou, no máximo, gestos pontuais.

Outra consequência do esvaziamento humanístico é o instinto de autofagia que se verifica quando segmentos da sociedade destroem o próprio patrimônio, com uma enfurecida cegueira que não os permite enxergar as consequências de suas atitudes. São, assim, capazes de destruir em pouco tempo o que se edificou ao longo de décadas e até de séculos, movidos por uma incompetência humana perigosa e desleal – rifam por pouco o que vale muito, negociam o inegociável. Também não são raras as manifestações de autoritarismo que sinalizam esvaziamentos humanísticos. Essas manifestações nada mais são do que tentativas para encobrir a realidade, explicitando a carência de um senso humanístico, com impactos nas relações.

A superficialidade humana nas impaciências de todo tipo, pelas redes digitais e nos encontros presenciais, inviabiliza a sincera constituição dos laços de fraternidade. Por isso mesmo, ainda que por abordagens simples, e sem a profundidade de reflexões filosófico-antropológicas, é preciso, cotidianamente, se dedicar à pauta do novo humanismo. É incontestavelmente urgente produzir adequada reação a discursos destrutivos, superando negacionismos, ódios e autoritarismos. Ao invés da destruição e do caos, a humanidade precisa construir o caminho que leve ao desenvolvimento integral. E a pauta do novo humanismo pode proporcionar à sociedade um discurso de união, com capacidade para ajudar na constituição e no fortalecimento de laços fraternos. O mundo político precisa ser fecundado por esse tom unificador, para dar conta de sua importante e insubstituível tarefa, intuindo legislações e práticas capazes de promover o bem comum. Nessa direção, é importante e determinante priorizar o ser humano, reconhecendo e dedicando-se especialmente aos clamores dos pobres e sofredores. Uma prioridade na contramão de lógicas com a aridez e a frieza da ilimitada ganância pelo lucro.

A consideração da pauta de um novo humanismo aponta, especificamente, para a necessidade de se dedicar atenção à cultura que fortemente incide sobre a vida. A dimensão cultural é fonte de sensibilização humanística. Contempla também o adequado tratamento da política, pela qualidade das relações no respeito incondicional a direitos. No campo econômico, efetiva-se novo humanismo quando se vence perversidades e se busca a inclusão, em um incondicional respeito ao meio ambiente. Este tempo grave exige, pois, criatividade para que sejam estabelecidas novas dinâmicas capazes de levar a grandes mudanças civilizatórias. Aqueles que se fundamentam em princípios e valores imprescindíveis – coerentes com o Evangelho de Jesus Cristo, sem manipulações e interpretações fundamentalistas – são promotores das mudanças almejadas. Cresça o interesse pela pauta do novo humanismo, única saída para a crise enfrentada pela humanidade, investimento para a edificação de um tempo novo.’

 


Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1582887/2022/07/pauta-do-novo-humanismo/

domingo, 6 de março de 2022

Sobre o Evangelho e a Promessa: indicações a partir de Moltmann¹

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Moltmann é, sem dúvida, um dos maiores teólogos protestantes do século 20. Dentre seus inúmeros trabalhos, Teologia da Esperança, lançado na década de 60, traz um grande estudo sobre escatologia.

Tal esperança, por sua vez, segundo o pensamento moltmanniano tem íntima relação com a promessa que é feita por Deus a seu povo. O próprio evangelho da revelação deve considerar a dimensão da promessa, uma vez que, segundo Moltmann, o evangelho da revelação de Deus em Cristo estará, portanto, ameaçado de mutilação e ruína, se nele não se considerar a dimensão da promessa. Da mesma forma, corrompe-se a cristologia, se nela não se vê o ‘futuro de Cristo’ como um elemento constitutivo (MOLTMANN, 2005, p. 182).

Nesse sentido, Moltmann vê problemas nas propostas das cristologias antigas, seja a de perspectivas descentes, seja na de perspectiva ascendente (da existência humana na história). Com relação às de perspectivas descendentes, o problema está em identificar o Pai de Jesus Cristo com o Deus da metafísica grega. Com relação, às perspectivas ascendentes, o problema se encontra em desconsiderar que a autocompreensão da existência humana na história foi revelada por meio de Jesus Cristo (cf. MOLTMANN, 1971, p. 158-159).

O problema que Moltmann vê nessas cristologias é que esses dois modos partem do universal e encontram o universal no concreto o que, segundo ele, não corroboram o Antigo Testamento em seu caminho. Para Moltmann, é importante lembrar que o sentido de Jesus para todos os seres humanos tem o Antigo Testamento como pressuposto necessário o que implica assumir que foi Javé quem ressuscitou Jesus dos mortos e, assim, o Deus que se revela em Jesus resulta de forma única da diferença e identidade com o Deus do Antigo Testamento, bem como o fato de que Jesus era judeu, o que implica que o ser humano que Jesus foi resulta do seu confronto com a lei e a promessa do Antigo Testamento. Dessa forma, a proposta de Moltmann é que partamos do histórico para o universal e não o contrário.

As propriedades de Deus devem ser pensadas por meio da memória e da narração da história de sua promessa o que implica que o caminho vá do concreto para o concreto universal. Não é o universal que se torna concreto em Jesus, mas o evento Jesus, sua morte, crucifixão e ressurreição por parte de Javé, que é o Deus da promessa, torna-se universal por meio do horizonte universal e escatológico que cria.

Para nosso teólogo, a ressurreição como símbolo escatológico significa que no Cristo crucificado já começou o futuro da ressurreição e da vida eterna, da destruição da morte e da nova criação.

A ressuscitação de Jesus é escatológica, pois ele foi ressuscitado para sua vida escatológica. Se isso acontece, a ressuscitação não pode ser evento da sua vida. A morte é histórica e a ressuscitação precisa ser escatológica. O momento escatológico da ressuscitação deve ser entendido como momento eterno de Deus. Se olharmos assim, a ressuscitação é sincrônica e diacrônica com todo o Jesus em todos os momentos da sua vida e pregação.

Assim, segundo Moltmann, é à luz da ressurreição que sua história é interpretada e representada retroativamente, mas ele é revelado para dentro dessa história a partir de seu futuro presente³.’

Notas :

¹Este texto é parte do artigo publicado em 2019, na revista Cultura Teológica. Para ler o artigo completo, clique em https://revistas.pucsp.br/culturateo/article/view/41686.

³Cf. MOLTMANN, Jürgen. O caminho de Jesus Cristo: Cristologia em dimensões messiânicas, p. 128-129.

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticia/1568019/2022/03/sobre-o-evangelho-e-a-promessa-indicacoes-a-partir-de-moltmann/

segunda-feira, 3 de maio de 2021

A santidade do cotidiano

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante


‘Toda pessoa que se dispuser a ler os Evangelhos para conhecer quem foi Jesus de Nazaré encontrará naquelas páginas uma característica presente em todos os autores : Jesus era um homem do povo. Em outras palavras, Jesus se identificava com o povo das ruas por onde caminhava.

Essa marca característica de Jesus, por sua vez, nos diz muito. Se quisermos compreender o seu ministério, sua morte e ressurreição, assim como tudo o que os Evangelhos querem nos dizer a respeito da revelação de Deus, precisamos levar em conta esse dado. Afinal, de acordo com a fé cristã, é a partir de Jesus que Deus deve ser compreendido. 

Longe de ser uma entidade meramente metafísica, o Deus cristão se revela por excelência na pessoa de Jesus, de modo que olhar para Jesus significa olhar para o Pai. Conhecer Jesus é conhecer o Pai e seguir a Jesus é cumprir a vontade do Pai. Que isso só seja possível por causa do Espírito, também os Evangelhos dão testemunho, mostrando que o Deus cristão é trinitário e deve ser compreendido dessa forma.

Voltando, então, para Jesus e seu modo de vida como homem do povo, é também característica sua ação em benefício dos desfavorecidos e pobres da terra. É entre eles que Jesus escolhe andar e esse ponto se mostra de extrema importância. Jesus, como atestam os Evangelhos, era reconhecido como rabi, ou seja, um mestre da Torá, alguém que era profundo conhecedor desses textos e, por isso, era capaz de ensiná-lo.

Os Evangelhos, por sua vez, deixam bem claro que o ensinamento de Jesus a respeito da Torá não se dava somente por meio do discurso, mas por meio dos seus atos em favor dos desfavorecidos da sua época. A partir disso, ele mostrava que o ensinamento (melhor tradução para a palavra Torá, ao invés do que comumente se traduz como Lei) de Deus consistia na misericórdia sobressaindo ao juízo.

Aqui se mostra algo muito interessante. Jesus, como rabi, poderia ter se colocado como alguém superior aos outros, ter escolhido a casta rabínica farisaica que, como atesta Mateus, atavam fardos pesados sobre os ombros das pessoas, mas eles mesmos não estavam dispostos a levantar um dedo para a ajudá-los (Mateus 23,4). Como rabi, poderia também exigir ser saudado nas ruas, receber as honras que alguns recebiam e trazer sobre si uma aura de santidade por ser um dos que cumpriam de maneira legalista os preceitos da Torá.

Contudo, como os Evangelhos são enfáticos em pontuar, no lugar da santidade religiosa, Jesus deu preferência à santidade do cotidiano, aquela que se mostra no chão do mundo, voltada para aqueles e aquelas que necessitam e anseiam por contemplar o rosto de Deus, mas muitas vezes por causa dos legalismos e ‘pré-requisitos’ impostos pelos religiosos se veem muito distantes do rosto amoroso e gracioso do Pai.

Por causa de tais ‘pré-requisitos’ ainda hoje é comum que Deus seja visto como senhor barbudo e sisudo que está no céu anotando pecados e boas ações para no final de tudo fechar a conta de cada um e pagar a recompensa ou pedir a restituição pela vida que se teve na Terra. Em outras palavras, são impedidas de conhecer o Deus que se revela como Pai de Jesus Cristo, amoroso, gracioso, que faz sua chuva vir sobre justos e injustos e que ama incondicionalmente.

Jesus, como homem do povo, mostrou que Deus não está distante e não é inacessível, mostrou que Deus se mostra com um rosto humano, que se manifesta nas relações amorosas de uns para com os outros, porque Ele mesmo é amor (I João 4,8). Com isso em mente, é possível perceber que a santidade desejada por Deus não tem a ver com uma contemplação celeste, cercada de anjos, com tudo branco e limpinho, mas em via totalmente oposta, tem a ver com o chão do mundo, os relacionamentos humanos, o cuidado com a natureza e com a vida comum.

Voltar a Jesus é, pois, optar pela santidade do cotidiano que se manifesta em todo ato amoroso e que visa o bem do próximo e da natureza. Essa santidade, por sua vez, é aquela que cumpre a vontade de Deus e revela que uma santidade baseada em legalismos e regras de ‘pode’ e ‘não pode’ está longe do que é desejado pelo Pai. Diante disso, não é difícil compreender por que foi a classe religiosa que entregou Jesus para ser crucificado.

A vida de Jesus foi e ainda é uma afronta a todo tipo de legalismo. Sem compreender isso, também não se compreende a profundidade de seu ensinamento e de sua vida, conforme narrada pelos Evangelhos.

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1512692/2021/04/a-santidade-do-cotidiano/