*Artigo
de Tânia da Silva Mayer,
Mestra e Bacharela em Teologia
‘‘Por que bonita, se coxa?’ É assim que
Brás Cubas, personagem de Memórias Póstumas, de Machado de Assis, define a
personagem de Eugênia, filha de dona Eusébia, uma moça de família pela qual
havia se encantado. A voz do povo compreendeu que a arte imita a vida, e não
somente Brás Cubas incomodou-se com a deficiência motora que a Eugênia tinha. A
sociedade, na qual Brás se situa, era, certamente, o fundamento e o berço da
exclusão social das pessoas com deficiências. Mas isso não é uma
particularidade na literatura e nem das épocas passadas, a nossa sociedade é,
ainda hoje, segregadora e preconceituosa com aqueles e aquelas que fogem aos
seus padrões e ideais de perfeição.
Não é preciso ter
um olho muito clínico para perceber como as pessoas com deficiências são
subjugadas socialmente, como pessoas inferiores com relação às outras,
entendidas como ‘perfeitas’. E isso
se dá de diversas maneiras, desde o olhar piedoso que esconde a ideia de que
pessoas com deficiência são menos capazes, até a ausência de políticas sociais
específicas que atendam as demandas desses grupos. Aliado a isso está o
desrespeito e o menosprezo sofrido por essas pessoas, por causa das
deficiências que portam. Vale ressaltar que as deficiências podem variar e
assumir diferentes aspectos, de modo que algumas são as pessoas com
deficiências físicas, com deficiências motoras, com deficiências mentais e
psicológicas, entre outras. De um modo geral, o preconceito e a indiferença
ocorrem a todos, aos homens e às mulheres.
Como era de se
esperar, há pouquíssimo conhecimento e reconhecimento das potencialidades que
as pessoas com deficiências possuem. Essas potencialidades podem ser percebidas
no contato diário com elas, seja em casa, nos locais de trabalho ou em outro
ambiente em que se devote tempo para o encontro do outro. Quem convive com
pessoas que portam deficiências, sabe o quanto elas estão preparadas e
dispostas para encarar a vida sempre por vir. Tão competentes e tão melhores
profissionais as pessoas com deficiências o serão, basta que lhes sejam
garantidos os direitos e as oportunidades. E não é óbvio, na sociedade em que
vivemos, que essas pessoas alcançarão seus direitos e espaços para crescerem e
se desenvolverem profissionalmente, por exemplo.
Em matéria de
atletismo, as e os atletas paraolímpicos são nossos heróis, não somente porque
estão aptos para praticarem esportes e competirem em modalidades extremamente
difíceis para o corpo, mas, sobretudo, porque nos ensinam a constância e
perseverança dos que buscam vencer. As e os atletas olímpicos também ensinam
isso, mas eles não gozam da falta de reconhecimento por parte dos cidadãos e da
mídia, que trata com diferença absurda dois eventos esportivos que poderiam
despertar os desejos de superação e ir além, próprios de quem tem metas e objetivos
a alcançar. A mídia brasileira é, salvas exceções, preconceituosa, mas não só.
Ela é, também, machista, homofóbica, misógina, racista, eugenista e fascista,
promovendo verdadeiros cultos a estereótipos padrões estabelecidos por grupos de
poder.
Qualquer pessoa
com o mínimo de leitura crítica saberá dizer, em maior ou menor grau, como a
mídia age para incutir nas mentes os seus padrões de estética, veiculados pela
imagem de corpos construídos ideologicamente sobre pilares de perfeição. A
mídia, sobretudo no que se refere à cobertura dos jogos paraolímpicos, tem
demonstrado seu descaso com delegações e atletas com deficiências, coisa que se
verifica na cobertura fajuta e inexpressiva que tem feito dos atletas e dos
jogos, bem como a canalhice de esconder a cerimônia de abertura do evento, não
dando o lugar e o destaque devidos na programação aberta a esse importante
momento para os países e para os seus atletas. Qualquer matemática é capaz de
considerar que a cobertura dos jogos paraolímpicos não corresponde a 1% daquela
que teve a Olimpíada. E por que dois pesos e duas medidas? Porque os ideais
eugenistas de perfeição e limpeza não conseguem tolerar o fato de que pessoas
com deficiências fazem coisas impensáveis e irrealizáveis para a maioria da
população sem deficiências. Porque os grupos de poder não toleram a ideia de
que grupos minoritários sejam ovacionados por suas grandiosas conquistas.
Porque não é interesse que mais pessoas se sintam inspiradas e motivadas a ir
além na tentativa obstinada de superar desafios e alcançar objetivos.
Nesse cenário de
exclusão e preconceito, as cristãs e os cristãos são confrontados a agirem
pautados na dinâmica evangélica de empenhar forças para promover a dignidade
dos que a têm usurpada pelos poderosos, que controlam mentes e sociedades,
infundindo seus padrões segregadores. Por isso, é urgente voltar às fontes do
evangelho para ouvir e ver de Jesus sua práxis libertadora de restauração da
dignidade das pessoas, que foi furtada pelas injustiças dos homens. Até que o
Reino se plenifique, cabe a denúncia dos sistemas e dos esquemas que impedem as
pessoas de serem aquilo que elas são : pessoas plenas.’
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