*Artigo
de José Antônio de Sousa Neto,
Professor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE)
‘Faz alguns anos
conversava animadamente com um colega brasileiro em um refeitório da
Universidade de Birmingham no Reino Unido quando, de nós, se aproximou um
simpático senhor com um largo sorriso no rosto e bochechas vermelhas que
pareciam o resultado inevitável do contraste de um frio rigoroso no exterior do
prédio e o calor físico e humano do ambiente interno. Com um sotaque que não
consegui distinguir a priori e um olhar que exalava uma curiosidade intensa,
mas não invasiva, indagou : Que língua é esta que vocês estão falando e que eu
nunca ouvi, mas que entendo tudo? Estávamos ainda na época da cortina de ferro
e viemos depois saber que ele era um padre ortodoxo da Romênia. Homem de
cultura extensa e profunda dominava as principais línguas latinas além do
grego, do aramaico, do alemão e evidentemente do próprio latim e do idioma
romeno dele também derivado. Para mim este encontro foi surpreendente de
diversas maneiras a começar pela permissão de um país ainda dominado por um
regime comunista permitir, de forma absolutamente excepcional, a prática
regular do cristianismo. Mais surpreendente ainda que o governo comunista romeno
tivesse dado permissão na época para que um de seus cidadãos fosse fazer sua
tese de doutorado em teologia na Inglaterra. Mas Deus tem os seus caminhos!
A tese do padre
era maravilhosamente profunda e, paradoxalmente, maravilhosamente simples. Para
mim típica de tudo que tem a inspiração de Deus. Seu argumento central girava
em torno de um extraordinário dado de realidade que é frequentemente
negligenciado por muitos : Por mais que a ciência avance, mesmo que um dia nós
sejamos capazes de criar galáxias, toda a matéria prima e toda a energia
utilizada seriam pré-existentes e oriundas dos próprios construtos do espaço
tempo. Oriundas antes de tudo da própria Criação!
Nas conversas que
se seguiram, estando nós à época em uma cidade com uma grande e próspera
comunidade muçulmana o tema do Alcorão veio a nós de forma natural. O padre
explicou que no seu entendimento o nosso Criador, em Sua infinita misericórdia,
havia encaminhado a um povo que vivia em condições de profunda barbárie, uma
mensagem que fosse adequada ao seu nível de entendimento e evolução da alma;
ditada ao Profeta Maomé através do Anjo Gabriel que havia, seiscentos anos
antes, anunciado à Maria a chegada de Jesus. Hoje, passados muitos anos e
estarrecido pela tragédia humana das guerras na Síria, no Iraque e em seu
entorno, como um ocidental que teve acesso ao Alcorão (‘A Leitura’), não consigo identificar em muitas sociedades e
culturas que se dizem islâmicas as mensagens do Anjo Gabriel a Maomé
consolidadas nas 114 suras do livro. Nada de excepcional nisso! Estou certo
também que muitos mulçumanos que conhecem a Bíblia serão incapazes de
identificar em muitas sociedades e culturas chamadas de cristãs ocidentais as
mensagens divinas do Velho e do Novo Testamento.
Mas aqui gostaria
de falar sobre Jesus e sobre Maria :
‘E quando os anjos disseram : Ó Maria, Deus
te escolheu e te purificou e te exaltou acima das mulheres dos mundos’ (3-42). ‘E
quando os Anjos disseram : Ó Maria Deus te anuncia a chegada de Seu Verbo,
chamado Messias, Jesus, filho de Maria’ (3-45). ‘E ela perguntou : Senhor meu,
como poderei ter um filho quando nenhum mortal me tocou? Respondeu : Deus cria
o que Lhe apraz. Quando determina algo, basta-Lhe dizer : Sê! Para que seja’
(3-47). ‘Em seguida enviamos Jesus, o filho de Maria, para que ratificasse o
que havia antes dele na Tora e outorgamos-lhe o Evangelho, no qual há
orientação e luz e uma confirmação da Tora e uma preleção para os que temem a
Deus’. (4-46). ‘Não há ninguém entre os adeptos do Livro que deixe de crer em
Jesus antes de morrer’ (4-159).
Não será surpresa
se muitos leitores pensarem que estas são partes da Bíblia e não do Alcorão.
Como estas partes, existem no Alcorão centenas de outras que nos remetem à
Bíblia confirmando de maneira contundente os ensinamentos e as mensagens
divinas desta última. Mas não existem também imensas e inúmeras controvérsias
com relação a muitas suras? Gostaria aqui de reproduzir três dentre elas : ‘Foi Ele quem fez descer o Livro sobre ti :
nele há revelações inequívocas que lhe formam a substância, e revelações
ambíguas. Aqueles que têm o coração tortuoso prendem-se às revelações ambíguas
para provocar dúvidas e fomentar dissensões.’(3-7). ‘Deus guia a Sua Luz para
quem lhe apraz, e fala aos homens com alegorias, e Ele está a par de tudo.’
(24-35). ‘Assim Deus põe em parábolas o verdadeiro e o falso. O falso
desvanece-se como a espuma. E o que beneficia o homem permanece na terra. Deus
ensina com alegorias. Quiçá compreendais’. (13-17).
Evidentemente não
é possível neste breve artigo capturar a complexidade destas questões e a
infinita beleza destes livros sagrados. Também não é nossa intenção subestimar
as diferenças de visões e interpretações entre o Cristianismo e o Islã e dentro
do próprio Cristianismo e dentro do próprio Islã. Volto aqui, no entanto, a
Jesus e a Maria com o coração leve e com muita alegria pelo que os livros têm
em comum e não pelas suas aparentes diferenças. E são pilares fundamentais da
fé! Vejam que, além da crença em nosso
único Deus comum, é sempre de um alento infinito ver também no Alcorão, de
forma absolutamente inequívoca, a concepção de Jesus através de Maria Imaculada
pelo Espírito Santo e o reconhecimento de Jesus como o Verbo de Deus e Seu
Messias. Não haverá espaço para falar aqui sobre a ressurreição de Jesus, mas
posso assegurar ao leitor que com o coração reto não lhe será difícil encontrar
mais esta misericórdia de Deus para conosco também através do Alcorão. Seja
através de alegorias, seja de forma direta. Sobre as diferenças cito mais uma
sura : ‘Os que creem e os que abraçam o
judaísmo e os sabeus e os nazarenos e quem quer que creia em Deus e no último
dia e pratique o bem nada tem a temer e não se entristecerá.’ (5-69).
Mas em nosso
mundo, onde existem ainda tantas almas no mais profundo engano, que ainda não
entendem que não pode haver maior pecado e absurdo do que matar em nome de
Deus, que é a própria Vida e o Perdão, permanecem muitas tristezas. Em suas
mensagens na Hora do Angelus, aos domingos, através da tradicional janela que
dá para a Praça de São Pedro (para quem tem TV a cabo dá para assistir ao vivo
via RAI bem cedo pela manhã todo domingo) nosso querido Papa Francisco tem
apelado a todos para que rezem pelas tragédias no oriente médio ligadas a
crenças religiosas e suas ramificações por todo o mundo. Volto ao Alcorão onde
está escrito em referência aos homens, ‘Há
se soubessem!’ Mas Jesus em sua grandeza infinita também já havia dito ‘perdoai-os Pai porque eles não sabem o que
fazem’, não é mesmo?
Para o leitor que
se interessa por estas reflexões sugiro a leitura do Alcorão na tradução de
Mansur Chalita que foi homenageado em seu hercúleo trabalho de tradução pela
Academia Brasileira de Letras. Mesmo que você já tenha encontrado na Bíblia as
respostas para a verdadeira vida, vale a pena essa pequena grande jornada.
Ajuda a entender também, de onde vêm muitas das interpretações dos corações
tortuosos.’
Fonte :
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