*Artigo
de Paolo Moiola,
Jornalista
‘Vitor Pinto tinha
dois anos e era um pequeno kaingang. Vitor foi morto a 30 de Dezembro de 2015
diante da estação dos autocarros de Imbituba, cidade situada no litoral do
Estado brasileiro de Santa Catarina. No Brasil, a violência contra os indígenas
faz parte do dia-a-dia e quase não faz notícia. Do assassínio de Vitor falou-se
(mas sem mostrar sincera indignação) sobretudo por causa da sua tenra idade. O
homicídio – pelo qual a polícia deteve um jovem – é mais um sintoma de uma
doença que parece agravar-se dia após dia. Os indígenas (no Brasil quase um
milhão de pessoas divididas em pelo menos 246 povos) são acusados – pelos meios
de comunicação, pelas empresas mineiras e agrícolas, pelos políticos do
Congresso e do Governo – de travar ou até mesmo impedir o progresso e o
desenvolvimento do país devido aos seus direitos, aliás sancionados pela
Constituição federal. No seu último relatório o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) recorda que no Brasil, em 2014, 138 indígenas foram
assassinados, sempre por motivos ligados à terra.
De Berta a Edwin,
vozes demasiado incômoda
Num outro Estado
latino-americano, nas Honduras, também Berta Cárceres lutava para defender a
sua terra ancestral e o rio Gualcarque da destruição produzida pelo projeto
hidroelétrico Agua Zarca. Também ela era uma indígena, uma líder do povo Lenca,
conhecida mesmo a nível internacional porque vencedora, em 2015, do Prêmio
Goldman, talvez o mais prestigioso reconhecimento ambientalista no mundo.
Berta, mãe de quatro filhos, foi assassinada na sua casa por pessoas armadas no
dia 3 de Março passado. Recordamos que dezenas de assembleias indígenas tinham
recusado a construção do dique Agua Zarca e isso com base no «direito à consulta preventiva, livre e
informada», direito introduzido pela primeira vez pela Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989. Pelas mesmas razões – a
defesa ambiental dos territórios indígenas – em Setembro de 2014, no Peru, foi
assassinado Edwin Chota e três companheiros seus, todos de etnia Asháninka.
Chota, cujas batalhas ambientalistas eram conhecidas fora do próprio país,
lutava há anos contra a desarborização ilegal da floresta amazônica da região
do Ucayali, habitada por diversas etnias indígenas entre as quais os Shipibo e,
precisamente, os Asháninka.
A história
repete-se no Equador pelo projeto mineiro Mirador (também aqui, como nas
Honduras, com a participação de empresas chinesas) sobre a cordilheira do
Condor – na província de Zamora Chinchipe, na fronteira com o Peru –, uma zona
caracterizada por grande biodiversidade. Em Dezembro de 2014, foi encontrado
morto José Tendetza, líder dos indígenas Shuar e intransigente opositor do
projeto. Quando não são as minas ou as grandes obras, a ameaça para os
territórios indígenas vem da expansão das fronteiras agro-pecuárias. E não se
trata daquela que é feita por pequenos agricultores, que já estão em vias de
extinção porque ficaram sem terra, mas da agro-indústria, em especial da de
soja e da de criação de gado. Isso acontece, por exemplo, na Argentina. Em
2013, o agrupamento de novas terras levou à morte Florentín Díaz, Juan Daniel
Asijak, Imer Flores, todos indígenas da etnia Qom (Toba). A consequência destas
políticas econômicas é trágica : em 2015, só no Chaco (Nordeste argentino),
morreram por desnutrição seis crianças indígenas.
Cosmovisão indígena
As respostas
públicas (que são políticas midiáticas) são sempre as mesmas : estes megaprojetos
são indispensáveis para o progresso do coletivo nacional. Também as
contestações dos ambientalistas e dos defensores da causa indígena são as
mesmas de sempre : os prejuízos causados são maiores do que os possíveis
benefícios e, de qualquer modo, há outros caminhos a percorrer para o chamado
progresso. Por outro lado, a resposta mais efetivamente indígena é uma outra e
parte de uma visão do mundo e da existência (cosmovisão) própria e única, uma
visão que prevê uma íntima relação entre a sua identidade, as modalidades de
vida e as terras por eles habitadas. Conceito que, dito por outras palavras,
reza assim : não há identidade nem cultura indígena sem a terra. Habitualmente,
Estados e empresas envolvidas procuram o consenso com a «política das compensações» (isto é, obras «oferecidas» às comunidades que sofrem o impacto ambiental e
cultural), até para dividir a frente dos opositores. Alguns dos quais podem vir
enredados inclusive com o menos nobre sistema da corrupção. Por outro lado, a
lógica hoje dominante tem sempre uma resposta aparentemente cativante : «Porque ser pobres quando podemos ser ricos?»
A Conquista jamais
terminada
Admitido que o
etnocídio produzido pela Conquista – de 1492 em diante – matou 90% dos
indígenas (segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, no momento da chegada dos
conquistadores europeus os aborígenes das Américas eram 70 milhões; segundo um
outro estudioso, o filósofo Todorov, dos 80 milhões de índios em 1600 restaram
apenas 10), ainda hoje é difícil referir números seguros sobre os indígenas.
Até porque uma parte deles, por vergonha ou por medo de serem excluídos ou
maltratados, negam ser indígenas. Eis a razão pela qual os números sobre as populações
aborígenes oscilam e podem variar de acordo com as fontes, mesmos as oficiais
como podem ser os recenseamentos ou as sondagens dos organismos internacionais
(Nações Unidas, Banco Mundial, etc.). Feitas estas precisões, no mundo
contam-se cerca de 400 milhões de indígenas. Desses, entre 42 e 45 milhões
vivem na América Latina, divididos em mais de 500 povos, o equivalente a cerca
de 8% da população latino-americana. No continente, «a vida indígena sempre
foi a mais barata.» A afirmação, atribuída ao falecido Eduardo Galeano, permanece
ainda hoje uma certeza.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuyZZEAklEOeemyzur
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