quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Uma vida barata

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Paolo Moiola,
Jornalista


‘Vitor Pinto tinha dois anos e era um pequeno kaingang. Vitor foi morto a 30 de Dezembro de 2015 diante da estação dos autocarros de Imbituba, cidade situada no litoral do Estado brasileiro de Santa Catarina. No Brasil, a violência contra os indígenas faz parte do dia-a-dia e quase não faz notícia. Do assassínio de Vitor falou-se (mas sem mostrar sincera indignação) sobretudo por causa da sua tenra idade. O homicídio – pelo qual a polícia deteve um jovem – é mais um sintoma de uma doença que parece agravar-se dia após dia. Os indígenas (no Brasil quase um milhão de pessoas divididas em pelo menos 246 povos) são acusados – pelos meios de comunicação, pelas empresas mineiras e agrícolas, pelos políticos do Congresso e do Governo – de travar ou até mesmo impedir o progresso e o desenvolvimento do país devido aos seus direitos, aliás sancionados pela Constituição federal. No seu último relatório o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) recorda que no Brasil, em 2014, 138 indígenas foram assassinados, sempre por motivos ligados à terra.


De Berta a Edwin, vozes demasiado incômoda

Num outro Estado latino-americano, nas Honduras, também Berta Cárceres lutava para defender a sua terra ancestral e o rio Gualcarque da destruição produzida pelo projeto hidroelétrico Agua Zarca. Também ela era uma indígena, uma líder do povo Lenca, conhecida mesmo a nível internacional porque vencedora, em 2015, do Prêmio Goldman, talvez o mais prestigioso reconhecimento ambientalista no mundo. Berta, mãe de quatro filhos, foi assassinada na sua casa por pessoas armadas no dia 3 de Março passado. Recordamos que dezenas de assembleias indígenas tinham recusado a construção do dique Agua Zarca e isso com base no «direito à consulta preventiva, livre e informada», direito introduzido pela primeira vez pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989. Pelas mesmas razões – a defesa ambiental dos territórios indígenas – em Setembro de 2014, no Peru, foi assassinado Edwin Chota e três companheiros seus, todos de etnia Asháninka. Chota, cujas batalhas ambientalistas eram conhecidas fora do próprio país, lutava há anos contra a desarborização ilegal da floresta amazônica da região do Ucayali, habitada por diversas etnias indígenas entre as quais os Shipibo e, precisamente, os Asháninka.

A história repete-se no Equador pelo projeto mineiro Mirador (também aqui, como nas Honduras, com a participação de empresas chinesas) sobre a cordilheira do Condor – na província de Zamora Chinchipe, na fronteira com o Peru –, uma zona caracterizada por grande biodiversidade. Em Dezembro de 2014, foi encontrado morto José Tendetza, líder dos indígenas Shuar e intransigente opositor do projeto. Quando não são as minas ou as grandes obras, a ameaça para os territórios indígenas vem da expansão das fronteiras agro-pecuárias. E não se trata daquela que é feita por pequenos agricultores, que já estão em vias de extinção porque ficaram sem terra, mas da agro-indústria, em especial da de soja e da de criação de gado. Isso acontece, por exemplo, na Argentina. Em 2013, o agrupamento de novas terras levou à morte Florentín Díaz, Juan Daniel Asijak, Imer Flores, todos indígenas da etnia Qom (Toba). A consequência destas políticas econômicas é trágica : em 2015, só no Chaco (Nordeste argentino), morreram por desnutrição seis crianças indígenas.


Cosmovisão indígena

As respostas públicas (que são políticas midiáticas) são sempre as mesmas : estes megaprojetos são indispensáveis para o progresso do coletivo nacional. Também as contestações dos ambientalistas e dos defensores da causa indígena são as mesmas de sempre : os prejuízos causados são maiores do que os possíveis benefícios e, de qualquer modo, há outros caminhos a percorrer para o chamado progresso. Por outro lado, a resposta mais efetivamente indígena é uma outra e parte de uma visão do mundo e da existência (cosmovisão) própria e única, uma visão que prevê uma íntima relação entre a sua identidade, as modalidades de vida e as terras por eles habitadas. Conceito que, dito por outras palavras, reza assim : não há identidade nem cultura indígena sem a terra. Habitualmente, Estados e empresas envolvidas procuram o consenso com a «política das compensações» (isto é, obras «oferecidas» às comunidades que sofrem o impacto ambiental e cultural), até para dividir a frente dos opositores. Alguns dos quais podem vir enredados inclusive com o menos nobre sistema da corrupção. Por outro lado, a lógica hoje dominante tem sempre uma resposta aparentemente cativante : «Porque ser pobres quando podemos ser ricos


A Conquista jamais terminada

Admitido que o etnocídio produzido pela Conquista – de 1492 em diante – matou 90% dos indígenas (segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, no momento da chegada dos conquistadores europeus os aborígenes das Américas eram 70 milhões; segundo um outro estudioso, o filósofo Todorov, dos 80 milhões de índios em 1600 restaram apenas 10), ainda hoje é difícil referir números seguros sobre os indígenas. Até porque uma parte deles, por vergonha ou por medo de serem excluídos ou maltratados, negam ser indígenas. Eis a razão pela qual os números sobre as populações aborígenes oscilam e podem variar de acordo com as fontes, mesmos as oficiais como podem ser os recenseamentos ou as sondagens dos organismos internacionais (Nações Unidas, Banco Mundial, etc.). Feitas estas precisões, no mundo contam-se cerca de 400 milhões de indígenas. Desses, entre 42 e 45 milhões vivem na América Latina, divididos em mais de 500 povos, o equivalente a cerca de 8% da população latino-americana. No continente, «a vida indígena sempre foi a mais barata.» A afirmação, atribuída ao falecido Eduardo Galeano, permanece ainda hoje uma certeza.’


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