*Artigo
de Frei Sinivaldo S. Tavares, OFM,
doutor
em Teologia Sistemática
pela
Pontificia Università Antonianum, Roma.
‘O Quarto
evangelho narra o processo que conduziu Jesus à morte como ocasião propícia,
autêntico kairós, momento decisivo no qual Jesus completa a missão que tinha
recebido do Pai. Assim, a ‘hora de Jesus’
coincide com o momento no qual Jesus completa sua obra de glorificação do Pai
mediante seu amor oblativo e sua solidariedade efetiva para com o Pai, para com
cada um e todos os seres humanos e para com a inteira realidade que ele veio
resgatar. Não seria também esta a dinâmica que subjaz aos Cânticos do Servo
sofredor : quanto mais desfigurado, mais nitidamente emergem os traços
característicos do Servo de Deus (cf. Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-11; 52,13 –
53,12)?
Justamente naquela
‘hora’, concebida como momento
crucial, Jesus se revela extremamente livre. Não delega aos algozes o poder de
pronunciar a palavra derradeira com respeito a seu destino e sua existência. É
ele mesmo quem se entrega. Paradigmáticas, neste sentido, são as palavras que a
tradição do Quarto evangelho coloca na boca de Jesus : ‘Ninguém a tira de mim [a vida]. Sou eu mesmo que a dou’ (Jo
10,18a).
Como vimos, a
singularidade da existência histórica de Jesus, possibilitada pela peculiar
cooperação do Espírito Santo, alcançou sua expressão máxima no evento da cruz.
Segundo o testemunho da Carta aos Hebreus (cf. Hb 9,14), a ação do Espírito
Santo é compreendida como momento íntimo e constitutivo da suprema oblação
consumada por Jesus sobre a cruz e, portanto, como cooperação ao cumprimento de
seu sacerdócio existencial vivido como uma experiência progressiva de
obediência que Ele, enquanto Filho, devia a Deus seu Pai.
O texto da Carta
aos Hebreus, relativo à presença do Espírito Santo na hora da cruz, denota a
idéia de uma ação sacrificial que o Filho realiza por obra e inspiração do
Espírito Santo. Segundo o testemunho oferecido pelo texto, foi ‘com um Espírito eterno’ que o Cristo ‘ofereceu a si mesmo sem mancha a Deus’
(Hb 9,14). No contexto da temática sacrificial, própria da epístola, o Espírito
Santo é comparado ao fogo que consumia os sacrifícios antigos, simbolizando,
assim, a aceitação por parte de Deus do sacrifício a ele oferecido.
Estando ao
testemunho do Quarto evangelho (cf. Jo 19,30.34), o Espírito Santo é concebido
ainda como o dom por excelência que Jesus, juntamente com o Pai, oferecem na
hora da cruz, no exato momento do cumprimento da própria missão. Desta maneira,
graças à sua peculiar cooperação ao dinamismo oblativo da morte de cruz, o
Espírito Santo é entregue à Igreja, ao cristão e à cristã, à história e ao
mundo inteiro com a missão específica de interiorizar a presença salvífica de
Jesus Cristo no seio da comunidade, nos meandros da história e do cosmos e no
coração de cada pessoa humana.
A efusão do
Espírito Santo por obra do Crucificado-ressuscitado assinala, portanto, as
primícias da missão, lenta e fecunda, da ‘In-habitação’
do Espírito Santo, concebida como autêntica obra de ‘cristificação’ – no sentido de uma verdadeira ‘conformação a Cristo’ – da pessoa humana, da comunidade cristã, da
história humana e da inteira criação.
Esta conformação a
Cristo, fruto primordial do Espírito Santo, não se opera a modo de uma
massificação ou de uma uniformidade pura e simples. Na verdade, o Espírito, ao
invés de massificar, produz uma variedade enorme de dons, de ministérios, de
atividades. Ele potencializa ao máximo e no melhor dos modos a singularidade de
cada pessoa, de cada comunidade, e a peculiaridade de cada decisão humana, de
cada conexão histórica, de cada processo orgânico e natural. O Espírito
desvela, portanto, todas as possíveis virtualidades de cada realidade desde a
humana até a cósmica.
Por ter sorvido
até sua última gota nossa condição humana, corporal e histórica, Jesus
recuperou nossa mais lídima dignidade enquanto seres corpóreos e históricos. A
corporeidade é aquele elo capaz de unir mediante um vínculo estreito a
existência de cada pessoa humana à história da inteira humanidade e ainda a
todo o cosmos. Isto só é possível graças ao mistério da encarnação do Filho de
Deus culminado no evento pascal de Cristo cujo desabrochar é a efusão do
Espírito Santo, concebido como o dom que Pai e Filho juntos entregam aos
cristãos, à história e a complexidade do inteiro cosmos.
A expressão ‘corpo
de Cristo’, potencializada e expandida graças à presença e ação do Espírito
Santo, revela os reais alcances desta inter-relação a partir daquela realidade
histórica e circunstancial da ‘corporeidade de Jesus’ que dá consistência e
que, por isso mesmo, funda as demais compreensões desta expressão. Trata-se do ‘corpo
de Cristo’ concebido como expressão da vida de Jesus compreendida na totalidade
de seus gestos e de suas palavras, culminados no gesto supremo da entrega do
próprio corpo como verificação de sua inteira vida e da credibilidade de sua
mensagem.
A partir daí
emergem as demais compreensões desta expressão : ‘Corpo de Cristo’ entendido como cada pessoa que se empenha por se
conformar a Cristo, fazendo da própria vida uma oblação agradável a Deus; ‘Corpo de Cristo’ enquanto Seu corpo
histórico, a Igreja, comunidade daquelas pessoas que vivem a partir da
consciência de que a pregação e o testemunho de Jesus, que adquiriram singular
credibilidade na sua paixão e ressurreição, continuam acontecendo na história
das pessoas e do mundo; ‘Corpo de Cristo’
enquanto história que se quer construir, passo a passo, segundo os valores do
Evangelho até a plena emergência do Reino de Deus; ‘Corpo de Cristo’, enfim, enquanto inteira criação na sua
complexidade, obra que o Pai realiza mediante o Espírito Santo que in-habita o
inteiro cosmos, obra de transformação deste mundo no único ‘corpo de Cristo’.
E é precisamente
na celebração eucarística que experimentamos a relação íntima e profunda que
vigora entre estas distintas dimensões do ‘corpo
de Cristo’. O corpo de Cristo eucarístico recolhe em si todas estas
distintas dimensões lembradas acima, respeitando e valorizando cada uma delas
na sua singularidade, para fazê-las confluir na direção daquela unidade de
fundo que as sustenta.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.domtotal.com/noticia/1078674/2016/09/o-espirito-santo-e-as-reais-dimensoes-do-corpo-de-cristo/
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