segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Advento : Significado e Origem

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Todos os grandes eventos exigem uma preparação. Por isso, a Igreja instituiu, na Liturgia, um período que antecede o Natal : o Advento que, ao longo da história da Igreja, tomou diversas formas.


Receber uma visita é uma arte que uma dona de casa exercita com freqüência. E quando o visitante é   ilustre, os preparativos são mais exigentes. Imagine o leitor que numa Missa de domingo seu pároco anunciasse a visita pastoral do bispo diocesano, acrescida de uma particularidade : um dos paroquianos seria escolhido à sorte para receber o prelado em sua casa, para almoçar, após a Missa.

Certamente, durante alguns dias, tudo no lar da família eleita se voltaria para a preparação de tão honrosa visita. A seleção do menu, para o almoço, o que melhorar na decoração do lar, que roupas usar nessa ocasião única. Na véspera, uma arrumação geral na casa seria de praxe, de modo a ficar tudo eximiamente ordenado, na expectativa do grande dia.

Essa preparação que normalmente se faz, na vida social, para receber um visitante de importância, também é conveniente fazer-se no campo sobrenatural. É o que ocorre, no ciclo litúrgico, em relação às grandes festividades, como por exemplo o Natal. A Santa Igreja, em sua sabedoria multissecular, instituiu um período de preparação, com a finalidade de compenetrar todas as almas cristãs da importância desse acontecimento e proporcionar-lhes os meios de se purificarem para celebrar essa solenidade dignamente. Esse período é chamado de Advento.


Significado do termo

Advento - adventus, em latim - significa vinda, chegada. É uma palavra de origem profana que designava a vinda anual da divindade pagã, ao templo, para visitar seus adoradores. Acreditava-se que o deus cuja estátua era ali cultuada permanecia em meio a eles durante a solenidade. Na linguagem corrente, significava também a primeira visita oficial de um personagem importante, ao assumir um alto cargo. Assim, umas moedas de Corinto perpetuam a lembrança do adventus augusti, e um cronista da época qualifica de adventus divi o dia da chegada do Imperador Constantino. Nas obras cristãs dos primeiros tempos da Igreja, especialmente na Vulgata, adventus se transformou no termo clássico para designar a vinda de Cristo à terra, ou seja, a Encarnação, inaugurando a era messiânica e, depois, sua vinda gloriosa no fim dos tempos.


Surgimento do Advento cristão

Os primeiros traços da existência de um período de preparação para o Natal aparecem no século V, quando São Perpétuo, Bispo de Tours, estabeleceu um jejum de três dias, antes do nascimento do Senhor. É também do final desse século a ‘Quaresma de São Martinho’, que consistia num jejum de 40 dias, começando no dia seguinte à festa de São Martinho.

São Gregório Magno (590- 604) foi o primeiro Papa a redigir um ofício para o Advento, e o Sacramentário Gregoriano é o mais antigo em prover missas próprias para os domingos desse tempo litúrgico.

No século IX, a duração do Advento reduziu-se a quatro semanas, como se lê numa carta do Papa São Nicolau I (858-867) aos búlgaros. E no século XII o jejum havia sido já substituído por uma simples abstinência.

Apesar do caráter penitencial do jejum ou abstinência, a intenção dos papas, na alta Idade Média, era produzir nos fiéis uma grande expectativa pela vinda do Salvador, orientando-os para o seu retorno glorioso no fim dos tempos. Daí o fato de tantos mosaicos representarem vazio o trono do Cristo Pantocrator. O velho vocábulo pagão adventus se entende também no sentido bíblico e escatológico de ‘parusia’.


O Advento nas Igrejas do Oriente

Nos diversos ritos orientais, o ciclo de preparação para o grande dia do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo formou-se com uma característica acentuadamente ascética, sem abranger toda a amplitude de espera messiânica que caracteriza o Advento na liturgia romana.

Na liturgia bizantina destaca-se, no domingo anterior ao Natal, a comemoração de todos os patriarcas, desde Adão até José, esposo da Santíssima Virgem Maria. No rito siríaco, as semanas que precedem o Natal chamam-se ‘semanas das anunciações’. Elas evocam o anúncio feito a Zacarias, a Anunciação do Anjo a Maria, seguida da Visitação, o nascimento de João Batista e o anúncio a José.


O Advento na Igreja Latina

É na liturgia romana que o Advento toma o seu sentido mais amplo. Muito diferente do menino pobre e indefeso da gruta de Belém, nos aparece Cristo, no primeiro domingo, cheio de glória e esplendor, poder e majestade, rodeado de seus Anjos, para julgar os vivos e os mortos e proclamar o seu Reino eterno, após os acontecimentos que antecederão esse triunfo : ‘Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; e, na Terra, angústia entre as nações aterradas com o bramido e a agitação do mar’ (Lc 21, 25). ‘Vigiai, pois, em todo o tempo e orai, a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do Homem’ (Lc 21, 36). É a recomendação do Salvador.

Como ficar de pé diante do Filho do Homem? A nós cabe corar de vergonha, como diz a Escritura. A Igreja assim nos convida à penitência e à conversão e nos coloca, no segundo domingo, diante da grandiosa figura de São João Batista, cuja mensagem ajuda a ressaltar o caráter penitencial do Advento.

Com a alegria de quem se sente perdoado, o terceiro domingo se inicia com a seguinte proclamação : ‘Alegrai-vos sempre no Senhor. De novo eu vos digo: alegrai-vos! O Senhor está perto’. É o domingo Gaudete. Estando já próxima a chegada do Homem- Deus, a Igreja pede que ‘a bondade do Senhor seja conhecida de todos os homens’. Os paramentos são cor-de-rosa.

No quarto domingo, Maria, a estrela da manhã, anuncia a chegada do verdadeiro Sol de Justiça, para iluminar todos os homens. Quem, melhor do que Ela, para nos conduzir a Jesus? A Santíssima Virgem, nossa doce advogada, reconcilia os pecadores com Deus, ameniza nossas dores e santifica nossas alegrias. É Maria a mais sublime preparação para o Natal.

Com esse tempo de preparação, quer a Igreja ensinar-nos que a vida neste vale de lágrimas é um imenso advento e, se vivermos bem, isto é, de acordo com a Lei de Deus, Jesus Cristo será nossa recompensa e nos reservará no Céu um belo lugar, como está escrito : ‘Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que O amam’ (1Cor 2, 9).


 

A Coroa do Advento

Ela é tão simples quanto bonita : um círculo feito de ramos verdes, geralmente de ciprestes ou cedros. Nele coloca-se uma fita vermelha longa que, ao mesmo tempo enfeita e mantém presos à haste circular os ramos. Quatro velas de cores variadas completam essa bela guirlanda que, nos países cristãos, orna e marca há séculos a época do advento. A esta guirlanda dá-se o nome de Coroa do Advento.


Um antigo costume piedoso

Nos domingos de Advento, existe o piedoso costume de as famílias e as comunidades católicas se reunirem em torno de uma coroa para rezar. A ‘liturgia da coroa’, como é conhecida esta oração, realiza-se de um modo muito simples. Todos os participantes da oração colocam-se em torno daquela guirlanda enfeitada e a cerimônia tem início, Em cada uma das quatro semanas do advento acende-se uma nova vela, até que todas sejam acesas.

O acender das velas é sempre acompanhado com um canto. Logo em seguida, lê-se uma passagem das Sagradas Escrituras que seja própria para o tempo do Advento e é feita uma pequena meditação. Depois disso é que são realizadas algumas orações e são feitos alguns louvores para encerrar a cerimônia. Geralmente a guirlanda da coroa, bem como as velas são bentas por um sacerdote.


Origem

A Coroa de Advento tem sua origem na Europa. No inverno, seus ainda bárbaros habitantes acendiam algumas velas que representavam a luz do Sol. Assim, eles afirmavam a esperança que tinham de que a luz e o calor do astro-rei voltaria a brilhar sobre eles e aquecê-los. Com o desejo de evangelizar aquelas almas, os primeiros missionários católicos que lá chegaram quiseram, a partir dos costumes dos da terra, ensinar-lhes a Fé e conduzi-los para Jesus Cristo. Foi assim que, criaram a ‘coroa do advento’, carregada de símbolos, ensinamentos e lições de vida.


A forma circular

O círculo não tem princípio, nem fim. É interpretado como sinal do amor de Deus que é eterno, não tendo princípio e nem fim. O círculo simboliza também o amor do homem a Deus e ao próximo que nunca deve se acabar, chegar ao fim. O círculo ainda traz a ideia de um ‘elo’ de união que liga Deus e as pessoas, como uma grande ‘Aliança’.


Ramos verdes

Verde é a cor que representa a esperança, a vida. Deus quer que esperemos a sua graça, o seu perdão misericordioso e a glória da vida eterna no final de nossa vida terrena. Os ramos verdes lembram as bênçãos que sobre os homens foram derramadas por Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua primeira vinda entre nós e que, agora, com uma esperança renovada, aguardamos a sua consumação, na segunda e definitiva volta dEle.

  
Quatro velas

O advento tem quatro semanas, cada vela colocada na coroa simboliza uma dessas quatro semanas. No início a Coroa está sem luz, sem brilho, sem vida : ela lembra a experiencia de escuridão do pecado.

À medida em que nos aproximamos do Natal, a cada semana do Advento, uma nova vela vai sendo acesa, representando a aproximação da chegada até nós Daquele que é a Luz do mundo, Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é quem dissipa toda escuridão, é quem traz aos nossos corações a reconciliação tão esperada entre nós e Deus e, por amor a Ele, a ‘paz na Terra entre os homens de boa vontade’. 


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sábado, 28 de novembro de 2015

Misericórdia e Compaixão

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


A Igreja Católica prepara um percurso de grande importância : a celebração do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco. Trata-se de um momento especial, celebrado no âmbito das comunidades de fé, que deve ecoar em todo o mundo, para vencer as muitas violências - física e moral, a corrupção e também a permissividade que contracena com a rigidez de grupos, alimentando fundamentalismos religiosos, políticos e culturais. A vivência desse tempo é oportunidade para tratar feridas que atingem a sociedade como um todo, inclusive a própria Igreja. O remédio para essas enfermidades é a prática da misericórdia.

A audaciosa convocação do Ano Santo da Misericórdia comprova a intuição singular do Papa Francisco no exercício de sua missão. É pelo caminho da misericórdia que a humanidade alcançará as mudanças e respostas que a contemporaneidade espera, com urgência.  É remédio incidente. Pode ocorrer de se pensar, equivocadamente, que agir de modo misericordioso se trata de fraqueza e conivência. Mas, assinala o Papa Francisco, reportando-se a palavras de Santo Tomás de Aquino, que a misericórdia não é sinal de fraqueza, é qualidade da onipotência divina.

O início do Ano Santo da Misericórdia será marcado pela abertura da Porta Santa em Roma, pelo Papa, no dia 8 de dezembro. Nas dioceses do mundo inteiro, no domingo seguinte, dia 13. Essa Porta será aberta para que qualquer pessoa possa entrar e experimentar o amor de Deus que perdoa, consola e dá esperança. Isso significa que a vivência da misericórdia permite regeneração e nova compreensão da vida, um olhar compassivo sobre a humanidade, na direção de cada pessoa. Torna efetiva a possibilidade de se alcançar novos sentimentos e um jeito de viver capazes de desenhar cenários na contramão da violência, da corrupção, da luta insana pelo poder e pelo lucro.

A experiência da misericórdia alimenta a esperança. Permite a compreensão lúcida da fraternidade e da solidariedade como pilares indispensáveis da sociedade. Bases que devem substituir a lógica perversa da economia que gera ganância, raiz de um ‘desenvolvimento’ que recai como peso sobre os ombros de todos, particularmente dos pobres e indefesos. Para encontrar um rumo novo, todos são convocados a compreender que Deus é misericordioso, fonte da misericórdia. E Jesus Cristo é o rosto dessa misericórdia do Pai porque n’Ele, Jesus, a misericórdia se tornou viva, visível e chegou ao seu ápice.  Esse é o mistério da fé cristã.

Ser cristão é, portanto, contemplar o mistério da misericórdia, revelado por Jesus Cristo, fonte da alegria, da serenidade e da paz. Uma interpelação incidente, pois permite reconhecer que a misericórdia é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao encontro de todos. Pertinente é a indicação do Papa Francisco, quando sublinha que ‘a misericórdia é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação de nosso pecado’.

Coluna mestra de sustentação da Igreja, a experiência da misericórdia é indispensável para conseguir respostas novas e transformadoras, diante dos desafios da atualidade. Sem o remédio da misericórdia, crescerão os fundamentalismos, não se controlará a intolerância, haverá sempre mais polarização de grupos políticos e religiosos, um contínuo desgaste da cultura da vida e da paz. Investir na misericórdia começa pela competência indispensável de perdoar, como Jesus indicou a Pedro, ao responder a sua pergunta a respeito de quantas vezes deve-se perdoar. O perdão é núcleo central do Evangelho e da autenticidade da fé cristã. Por isso, Jesus mostra que a misericórdia não é apenas o agir de Deus Pai, mas é o verdadeiro critério para reconhecer quem são os verdadeiros filhos de Deus.

O Ano da Misericórdia, experiência de fé na Igreja, com incidência na vida das famílias e comunidades, marcado por testemunhos, significativos gestos de reconciliação e perdão, é necessário para se alcançar nova etapa no cuidado das fraquezas e dificuldades dos irmãos. Um convite para que se busque a sabedoria da misericórdia. Em lugar de violência e disputas, que surja um tempo novo, pela força da misericórdia e da compaixão. 


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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Uganda, pérola da África e terra dos mártires de Namugongo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



Uganda tem sido muitas vezes definido a pérola da África pela sua beleza natural e pelas suas potencialidades agrícolas. Com efeito, a agricultura é o pilar da sua economia, pois que o seu clima ameno e a fertilidade dos seus solos favorecem o cultivo do café e do chá de que é um dos maiores exportadores mundiais, mas também de algodão, cana de açúcar, óleo de palma, etc.

O território do Uganda, mais de 241 mil quilômetros quadrados, estende-se por um vasto planalto banhado por diversos lagos, entre as quais o Lago Vitória e o lago Kyoga. É também atravessado pelo Rio Nilo Branco.

Cerca de um milhão e meio dos 241 milhões de ugandeses, vive na capital do país, Kampala. Há notícias de que há mais de dois mil anos, o atual território do Uganda já era povoado por pigmeus e bantus twas.

A partir do século XV formaram-se reinos, o mais conhecido dos quais é o reino dos Buganda. No século XIX tanto árabes como europeus já frequentavam a região da África oriental, interessados no comercio de marfim e escravos, até que em 1860, dois exploradores britânicos descobrem as nascentes do Rio Nilo e inicia a colonização europeia da África oriental. A partir de 1894, o Uganda é transformado em protetorado britânico e como tal permanece até à independência em 1962. Alguns anos antes do início do protetorado, já tinham chegado ao país os primeiros missionários protestantes (1977) seguidos, dois anos depois, de missionários católicos que, em pouco tempo, converteram diversas faixas da população.

Durante o período de protetorado, foram postas as bases para a divisão do país, entre a zona norte e sul do Nilo. Os meridionais foram orientados para a agricultura, enquanto que os do sul (da etnia acholi e langi) para o Exército.

Com a independência, a Constituição prevê um sistema semi-federal e concede espaços importantes à elite política tradicional. Mas, o delicado equilíbrio entre o rei dos Buganda, primeiro Presidente do país independente, e o seu primeiro ministro Milton Obote dura pouco e em 1966 Obote toma de assalto o exercito e o palácio presidencial.

Em 1971, Idi Amin Dada, Chefe de Estado Maior do Exercito, destitui Obote e, temendo o predomínio dos membros das etnias acholi e langi no Exército, inicia persecuções e matanças. Expulsa do país os numerosos asiáticos que ali viviam e nacionaliza as plantações e outras atividades comerciais dos britânicos.

Entretanto, cresce a tensão entre o Uganda e a Tanzânia, país que tinha dado asilo político a Obote e recebido outros refugiados ugandeses. O conflito desemboca em guerra em finais dos anos 70.

Apoiados pelos rebeldes da ‘Uganda National Liberation Army’ (UNLA), os tanzanianos ocupam Kampala e depõem Idi Amin Dada em 1980. Milton Obote volta ao poder e tem início um período de represália contra os apoiantes de Idi Amin Dada.

No início dos anos 80, o atual Presidente Yoweri Museveni cria o ‘National Resistance Army’ (NRA) e inicia a guerrilha, à qual Obote responde com massacres em massa. A Cruz Vermelha denuncia a morte de umas 300 mil pessoas durante a chamada ‘Operação Bonanza’ em 1983. Obote é novamente destituído, desta vez pelo general acholi, Tito Okello Lurwa. Estava-se em 1985 e um ano depois o NRA de Yowere Museveni ocupa Kampala, enquanto que as forças da UNLA pró Obote se reorganizam no Sudão e no norte do país assumindo o nome de ‘Exercito Democrático do Povo do Uganda’. Em 1988 as partes em conflito chegam a um acordo de paz que prevê amnistia para todos os combatentes.

Entretanto surge uma outra figura no complicado cenário ugandês : Joseph Kony que se declarou, em finais de 1987, dotado de poderes sobrenaturais e fundou o próprio movimento, o chamado ‘Lord’s Salvation Army’, (Exercito de Salvação do Senhor) que, em 1994 mudou de nome para ‘Exercito de Resistência do Senhor’ (LRA). O objetivo dele era tomar poder e governar segundo os dez mandamentos da Lei de Deus e alguns preceitos do islã.  O LRA foi acusado de atrocidades terríveis contra a população civil e de ter recrutado para as suas fileiras crianças-soldado. Nos anos 90 dão-se muitos recontros armados entre o Uganda e países vizinhos, entres os quais o Sudão, apoiante do LRA. Aliás, pensa-se, que Joseph Kony, que a um dado momento desapareceu do mapa, esteja algures no Sudão. O seu movimento desintegrou-se e alguns dos seus generais entregaram-se ao Tribunal Penal Internacional.

Em 1995, uma nova Constituição introduz o multipartidarismo no Uganda. Contudo, só se tornará efetivo 10 anos depois. O atual Presidente Yoweri Museveni é, então, eleito formalmente em 1996 e reconfirmado outras três vezes, 2001, 1006 e 2011.

Em 1999 o Uganda, o Quenia, e a Tanzânia criaram a Comunidade Económica da África oriental.

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O Uganda, dizíamos, é também conhecido como o país dos mártires. E uma das razões que levaram o Papa Francisco a este país da África Oriental é a comemoração dos 50 anos da beatificação dos mártires  de Namugongo : este é de fato o nome do lugar onde, entre 1885 e 1886, foram martirizados 22 jovens católicos (o mais célebre dos quais é  Carlos Lwanga) e numerosos anglicanos, assim como também muçulmanos.  

A vicissitude desses jovens teve lugar durante o reinado de Mwanga, um jovem rei que, embora tendo sido educado no cristianismo, acabou por ver em católicos e anglicanos o maior perigo para o seu reino. Assim, em 1885, dá inicio a uma tremenda persecução de cristãos, que levará à morte na fogueira de Carlos Lwanga e os seus 21 companheiros, o mais novo dos quais é Kizito que tinha apenas 14 anos. Todos foram beatificados pelo Papa Bento XV em 1920 e canonizados por Paulo VI em 1964. Foi também o Papa Montini que, na sua viagem ao Uganda, em 1969, dedicou o Santuário de Namugongo, construído no lugar onde se deu o martírio de São Carlos Lwanga, a esses mártires. Eles foram os primeiros fiéis católicos africanos da África sub-sahariana a ser proclamados santos. O Martyrologium Romanum comemora cada um deles no dia da sua morte, enquanto que a 3 de Junho é a memória conjunta de São Carlos Lwanga e dos companheiros.

De salientar que os mártires anglicanos não foram canonizados por não pertencerem à Igreja católica, mas o Papa Paulo VI, na sua homilia, fez menção a eles, assim como aos mártires muçulmanos.

A Igreja no Uganda tem também na sua história, a primeira reunião do Simpósio das Conferências Episcopais da África, o SCEAM, razão que levou o Papa Paulo VI ao país em 1969, o primeiro Papa a visitar a África subsaariana. Depois, em 1993, o Papa João Paulo II visitou o país e elevou a Basílica menor a Santuário Nacional dos Mártires do Uganda. 


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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Que nos diz Santa Teresa depois do V Centenário?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Frei Patrício Sciadini, OCD,
Provincial dos carmelitas descalços no Egito


Frei Patrício Sciadini, OCD, explica as cinco mensagens que nunca podemos esquecer, sem correr o risco de nos tornar ‘robôs’ espirituais

A musica cessou. A festa terminou. A vida continua, mais rica ou mais pobre, depois de ter celebrado em tantas maneiras os 500 anos do nascimento de Santa Teresa d’Ávila? Muitas foram as mensagens bonitas tiradas dos seus escritos, muitos livros foram publicados sobre sua doutrina, sua personalidade humana, espiritual e mística. Os seus ensinamentos foram transmitidos com todos os meios de comunicação. Sem dúvida Teresa no céu deve estar feliz em ver tantas celebrações nos 5 continentes e em todas as línguas. Mas acredito que isto não constitui a felicidade dos santos no céu, que vivem em ‘eterna contemplação do face a face de Deus e intercedem por nós’. A missão dos santos, como costumava dizer a mais nobre filha de Teresa, Teresa do Menino Jesus, começa no céu onde ela, a pequena Teresa não queria ficar de braços cruzados, mas importunar Deus em favor de todos os missionários do mundo.

Teresa d’Ávila deixa cada vez mais a sua marca indelével nas almas que buscam, não um Deus distante, mas sim um Deus próximo, um Deus não ‘legalista’, mas um Deus misericordioso.  Dizem os estudiosos que a palavra misericórdia e termos afins recorrem nos escritos teresianos mais de 600 vezes. Aliás, ficou famosa a frase que ela escreveu como ‘prefácio’ à sua autobiografia, ‘cantarei as misericórdias do Senhor’. Em um e em outro lugar ela diz com verdade acertada : ‘me cansarei antes eu de ofender a Deus, que ele de me perdoar’. E ainda : ‘Deus doura os nossos pecados para que os outros, não os vejam e assim possamos fazer um pouco de bem’. Esta mulher, que soube dar uma volta por cima na mentalidade do seu tempo, que queria relegar as mulheres ‘à cozinha, fiando e tecendo, dando filhos, cuidando da casa, ou sendo freiras às vezes sem vocação, enchendo conventos e esvaziando o coração de amor e de afeto’.

Teresa não se dá por vencida. Ela toma consciência lentamente de sua missão humana, religiosa, seja no Carmelo da Encarnação antes, e depois como fundadora do Carmelo de São José, e na mesma Igreja. Não se forma nos bancos de universidade e nem de escola, não leem muitíssimos livros, mas os que leem são escolhidos a dedo, e faz que os autores se tornem seus mestres, como era o caso de Santo Agostinho que, com suas confissões, influenciam a sua visão de Deus. Sejam os livros de Pedro de Alcântara ou de Francisco de Osuna, e mais tarde o magistério oral de João da Cruz e do Padre Graciano. Teresa está atenta especialmente ao seu divino Mestre interior, Jesus, que um dia para consolá-la quando os teólogos e doutores, apavorados diante do povo que quer conhecer a bíblia, encontra uma solução : proibir a leitura da bíblia em espanhol, especialmente às mulheres. Nesta crise e revolta de Teresa, Jesus lhe diz : ‘tranqüila, eles - os teólogos, biblistas e todos os intelectuais – não me poderão amarra as mãos. Dar-te-ei um livro vivo, que sou eu mesmo!

Creio que no fim deste centenário, Teresa nos repete simplesmente cinco mensagens que nunca podemos esquecer, sem correr o risco de nos tornar ‘robôs’ espirituais e esvaziar a nossa humanidade :

1.       O ser humano não pode ser nunca descartável. Deve ser amado. Deus o criou à sua imagem e semelhança e tem feito dele a sua morada preferida, o seu ‘castelo interior’, onde ele mora não como escravo, mas como rei e príncipe. Esta consciência do ser humano templo e amigo de Deus, é fundamental sempre, mas especialmente neste mundo onde nós descartamos e vemos o outro como inimigo que deve ser eliminado e não amado.  As intuições teresianas, às vezes mal interpretadas pelos psicanalistas e os psicólogos, que veem o ser humano como ‘cobaia’ para ser estudado, tem uma força única na antropologia e na mística. Devemos ler e reler o livro ‘Castelo interior’, como autêntica auto-biografia de Teresa, e por ela deixar-nos tomar pela mão e conduzir-nos de morada em morada, até à morada central, onde habita o Rei, Jesus, ‘sua Majestade’.


2.      Sem dialogar com Deus não há felicidade. Tem-se escrito muito sobre a oração teresiana como uma belíssima história de amizade entre nós e Deus. Teresa vê a oração não como um repetir ‘orações que não têm fim’, mas como um íntimo diálogo silencioso, um estar face a face com aquele que sabemos que nos ama. Esteja claro que Teresa não é contra a oração vocal. Aliás a aprecia   desde que ela tenha três pequenas qualidades: saber com quem se fala, o que se diz e como se diz. ‘O simples movimentar dos lábios isto não chamo de oração’, nos adverte a orante Teresa. Sem ofender ninguém e com a esperança de não ser mal interpretado, eu diria que hoje se reza demais e se reza mal. Há uma indigestão de orações que em lugar de dar-nos liberdade no amor, nos escravizam. Teresa não busca na oração a sua satisfação pessoal, mas sim a glória de Deus e, por amor a Deus, é capaz de rezar sem nada sentir, e passar tranquilamente 19 anos de aridez interior, mas sendo fiel ao seu tempo de oração. Hoje redescobrir a oração é um caminho que deve ser percorrido na simplicidade e compreendendo que ‘a oração não consiste em muito pensar, mas sim em muito amar.’


3.      A santidade não consiste nas penitências, mas nas virtudes. Teresa não é amiga das muitas penitências e mortificações. Ela sabe por experiência que estas coisas não ajudam a ter uma autêntica experiência de Deus. Ela quer ver as virtudes, especialmente quatro virtudes que eram raras nos tempos de Teresa e são raras hoje : o amor a Deus, o amor fraterno, o desapego das coisas e a humildade. Sobre estas quatro colunas Teresa vai construindo toda a sua doutrina e a sua vida espiritual. O novo Carmelo que ela gera junto a João da Cruz não é feito das penitências e de negação de si mesmo, mas sim de uma nova descoberta do amor, vivido na simplicidade da vida. Admira-se pelas penitências de Pedro de Alcântara, que nem dormia e nem comia, e cuja aparência era como de raízes de árvores. Teresa não apresentava este santo e amigo como modelo nem para as monjas e nem para os frades. Teresa queria ver em cada monja e frade, e toda pessoa, bem unidas ‘Marta e Maria’, a vida ativa de disponibilidade e vida de oração e contemplação. Os livros de Teresa, depois de 500 anos, são livros de espiritualidade equilibrada, serena e tranqüila, e, como ela dizia, ‘sem bobeiras’.


4.      Uma Igreja em caminho.  Um dos nomes mais belos que a história tem dado a Teresa é a ‘andarilha’, a caminhante, a peregrina. Hoje nós ficamos espantados quando tentamos de ver como esta monja de clausura caminhou sem parar para difundir o evangelho, fazer fundações de Carmelos, anunciar com sua vida, a sua doutrina e experiência de Deus. Ela tem usado todos os meios à sua disposição no tempo. Tem mudado a Igreja com seu silêncio, com sua vida, sendo fermento de uma vida nova de oração, de humanidade, de amor. Teresa é uma revolucionária que sabe encontrar o caminho certo, as palavras certas, para mostrar que não se pode colocar ‘vinho novo em odres velhos, senão corremos o risco de perder tudo’. Amar a Igreja e caminhar ao ritmo da Igreja. Avançar o passo quando a Igreja é lenta e frear o passo para esperar que a Igreja chegue. Uma harmonia que as vezes nos falta hoje.


As lições de Teresa são sempre válidas porque são evangélicas, humanas e espirituais. É uma mestra que não passa de moda porque não diz coisa contingente do momento, mas verdades que são sempre verdades : Deus, homem, oração, Igreja, verdade. Serão sempre atuais. O que posso dizer depois da celebração dos 500 anos de nascimento de Teresa? Leiamos os seus escritos e seremos mais humanos e mais divinos! 


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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Desenvolvimento humano é chave para acabar com terrorismo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


Relançar o desenvolvimento integral do homem e defender com força a sacralidade da vida como chave para frear o terrorismo : o bispo de Niigata, no Japão, e presidente da Caritas Ásia, Dom Tarcisius Isao Kikuchi, parte dessa consideração num documento publicado após os atentados em Paris.

Uma represália violenta não resolve’ – escreve o prelado no referido documento citado pela agência missionária AsiaNews. ‘Ela pode interromper novos atentados, mas é um remédio a curto prazo. Nós, enquanto católicos, cremos que a vida humana é o dom mais precioso que nos foi dado por Deus’.


Nenhuma justificativa para ataques violentos à vida humana

Por isso – acrescenta –, não podemos concordar com nenhuma justificativa para esses violentos ataques à vida humana. Como disse o Santo Padre, ‘não há justificativas religiosos ou humanas. Isso não é humano’.

As raízes dessa violência encontram-se em nossos corações, em nossas emoções’, ressalta ainda o bispo nipônico, fazendo votos de que ‘o que ocorreu em Paris não leve a opinião pública a escolher a resposta violenta’.

Espero, ao invés, que leve as pessoas a entender que ceifar a vida humana – em todo caso e com toda justificativa – é sempre um ato contrário à vontade do nosso Deus, criador de tudo, que nos presenteou este dom precioso.’


A paz é obra da justiça

Daí, o chamado de Dom Isao Kikuchi ao ‘desenvolvimento humano integral, definido ‘chave para uma paz verdadeira’, entendida segundo a ‘Gaudium et spes’ (Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, do Concílio Vaticano II), ou seja, não ‘simples ausência de guerra, nem redução a um equilíbrio estável das forças adversas; não efeito de uma dominação despótica, mas obra da justiça’’.

Por isso, o presidente da Caritas Ásia ressalta que ‘os direitos humanos de base devem ser respeitados e colocados em prática na sociedade’, porque ‘essa é a base do conceito segundo o qual o desenvolvimento humano integral é fundamental para uma paz verdadeira’.


Crescer a dignidade da pessoa humana

O prelado recorda também o que está escrito na Centesimus Annus de João Paulo II : ‘O desenvolvimento não deve ser entendido num modo exclusivamente econômico, mas em sentido integralmente humano’, porque ‘não se trata somente de elevar todos os povos ao nível desfrutado hoje pelos países mais ricos, mas de construir no trabalho solidário uma vida mais digna, de fazer crescer efetivamente a dignidade e a criatividade de toda pessoa singularmente considerada, a sua capacidade de responder à própria vocação e, portanto, ao apelo de Deus, nela contido’.


É preciso coragem para construir realmente a paz

Espero que tenhamos a coragem de fazer cessar esse perverso ciclo de violência não com uma represália também esta violenta, mas com um processo real de construção da paz mediante o desenvolvimento humano integral’ – conclui o bispo de Niigata. 


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domingo, 22 de novembro de 2015

A educação para a virtude e a diferença entre tolerância e indiferentismo

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Paulo Vasconcelos Jacobina 


Não se cria mais tolerância quando se nega às crianças que sequer exista um bom alimento, ou uma forma mais adequada de se alimentar, para início de conversa. Ao se negar este ensinamento às crianças, não se cria uma sociedade de tolerantes, mas uma sociedade de glutões

Na sua excelente obra ‘Cristianismo Puro e Simples’, o escritor inglês C.S. Lewis imagina, num determinado momento, uma cultura em que as pessoas se sentissem atraídas por um ‘strip-tease’ culinário. O que pensar de uma cultura assim? Trata-se de um povo faminto? Não necessariamente, diz ele. E acrescenta : ‘os homens famintos pensam muito em comida, mas os glutões também. Tanto os saciados quanto os famintos gostam de estímulos novos.’

Dentro deste mesmo mote, imaginemos uma sociedade com sérios distúrbios alimentares. Todos comem sem parar, e mais, estão sempre à procura de novas formas de comer que driblem o limite orgânico e permitam continuar o máximo possível com a comilança. Neste suposto país, cientistas descobriram uma pílula que impede o organismo de absorver calorias e outros nutrientes dos alimentos, e com isso as pessoas podem comer compulsivamente sem engordar, e mesmo sem que seu corpo jamais emita sinais de saciedade. Outros cientistas, ainda, descobriram pequenos artefatos de borracha que permitem ao comilão regurgitar o alimento mastigado sem que ele sequer vá para o estômago. Logo outros pesquisadores descobrem que as pessoas já não se satisfazem com a imensa variedade de alimentos oferecidos ao seu paladar cada vez mais voraz, e descobrem que em culturas primitivas alguns povos de ilhas distantes introduziam seu alimento pelo lado inverso do organismo, descobrindo ‘prazeres’ culinários que, segundo dizem estes cientistas, foram autoritariamente reprimidos pela cultura ocidental judaico-cristã. E começa uma ‘revolução alimentar’ no ocidente. Autores descrevem as antigas práticas religiosas de jejum como próprias de uma religiosidade fanática e castradora, e teólogos vanguardistas repudiam a ideia de que o jejum, ou mesmo a temperança, fossem autênticos ensinamento de Jesus.

O papa, então, interpelado por tais teólogos, lança uma Encíclica chamada, digamos, ‘Humanae Comidae’, condenando o uso de qualquer meio artificial como pílulas e borrachas para descaracterizar os fins naturais da alimentação, e sofre agressões de bispos, teólogos e leigos do mundo inteiro, que propõem uma ‘ ’ para substituir a ideia conservadora de que a temperança fosse uma virtude. O lema desses vanguardistas é; ‘mais tempero, menos temperança’. A gula é descrita como uma ‘inclinação natural do ser humano’, e aqueles que teimam timidamente em defender a moderação alimentar, bem como a necessidade de consumir os alimentos através da extremidade superior do organismo, são rotulados de ‘gastrofóbicos’ e acusados de desprezar os avanços científicos que nos legaram a pílula antissaciedade e a bolsinha de borracha antideglutição.

Trata-se, agora, de, a pretexto de preparar nossas crianças para conviver num mundo em que cada um come o que quiser, na hora que quiser, quanto quiser e pela extremidade que quiser, de ensinar a estas crianças que não se pode fazer nenhuma diferença ética entre nenhuma dessas formas de se alimentar, e que aqueles que quiserem são livres para jejuar na sexta-feira santa e de acreditar que a temperança é uma virtude, mas, num estado laico, não podem impor isto ao restante da sociedade. E as crianças são educadas, por decisão governamental, mesmo nas escolas confessionais, para esquecer a diferença entre saciar modestamente a fome com uma quantidade adequada de boa comida, por um lado, e empanturrar-se, regurgitar e comer de novo. Os educadores – e com eles alguns líderes religiosos e mesmo teólogos – estão absolutamente convencidos de que qualquer um que ensine temperança e mesmo ascese alimentar aos seus filhos é um tradicionalista fóbico que deve ser duramente combatido. E pedem ao Papa que não somente reconheça, mas aconselhe a todos os fiéis o uso da pílula antissaciedade, das bolsinhas de borracha regurgitadoras e da alimentação pela extremidade inversa não somente como toleráveis, mas até mesmo como desejáveis – já que o uso dessas técnicas até mesmo reduziu a obesidade da população, os índices de açúcar e colesterol e, por consequência, doenças como o enfarto e a hipertensão, sem necessidade de questionamentos moralistas sobre ascese e temperança, cientificamente ultrapassados – dizem eles. A resistência do Papa neste ponto, alertam, é só uma prova de que a Igreja Católica é ultrapassada e não sobreviverá ao futuro da humanidade esclarecida.

Escritores lançam livros sobre esta ‘nova forma de comer’, e soam muito futuristas e vanguardistas para todos. Os educadores católicos temem ser ultrapassados pelas escolas laicas, que estão preparando seus alunos desenfreadamente para este mundo novo e certamente terão melhor desempenho nas provas públicas para o ensino superior. ‘Velhos preconceitos religiosos não podem prejudicar nossos alunos’, dizem. E introduzem disciplinas de reeducação gastronômica em suas próprias escolas.

Nste ponto, o grande C. S. Lewis acrescenta : ‘Não existe muita gente que queira comer coisas que não são alimentos ou que goste de usar a comida em outras coisas que não a alimentação. Em outras palavras, as perversões do apetite alimentar são raras. As perversões do instinto sexual, porém, são numerosas, difíceis de curar e assustadoras. Desculpem-me por descer a esses detalhes, mas tenho de fazê-lo. Tenho de fazê-lo porque, há vinte anos, temos sido obrigados a engolir diariamente uma série enorme de mentiras bem contadas sobre sexo. Tivemos de ouvir, ad nauseam, que o desejo sexual não difere de nenhum outro desejo natural, e que, se abandonarmos a tola e antiquada ideia vitoriana de tecer uma cortina de silêncio em torno dele, tudo neste jardim será maravilhoso.

Não é à toa que, em nossos catecismos – no tempo em que eram considerados documentos valiosos para a catequese e a educação cristã – a concupiscência alimentar está colocada no mesmo plano da concupiscência sexual. No esquema catequético da chamada ‘tríplice concupiscência’ (1Jo 2, 16-17), a gula e a luxúria estão inseridos na ‘concupiscência da carne’. Por isto, a parábola acima pode ser bem útil para entender o que exatamente está ocorrendo, hoje, no campo da educação sexual, o mote parece ser : ‘eduquemos as crianças para conviver num mundo em que não há diferenças éticas entre comportamentos sexuais, em nome da tolerância’.

Mas já não se trata de tolerar, ou seja, de aprender a aceitar que o outro é diferente e deve ser respeitado na sua diferença. Para isto (usando a mesma metáfora) precisaríamos dar às crianças, primeiro, o bom alimento, para que depois elas fossem educadas no sentido de que nem todos escolherão o bom alimento, e não devem ser repudiadas por isto. Não se cria mais tolerância quando se nega às crianças que sequer exista um bom alimento, ou uma forma mais adequada de se alimentar, para início de conversa. Ao se negar este ensinamento às crianças, não se cria uma sociedade de tolerantes, mas uma sociedade de glutões.

É claro que a concupiscência da carne é somente uma das três dimensões da concupiscência humana. E nem é a mais grave. O mais grave é que estamos ensinando, em nome da tolerância, que não temos o direito, como sociedade, de distinguir entre virtude e concupiscência, e que qualquer um que o faça é um moralista conservador ultrapassado. E promovemos a concupiscência, ensinamos a concupiscência, a título de preparar nossas crianças a viver num mundo plural. E mais, acreditamos mesmo que o avanço da ciência, no sentido de reduzir ou eliminar as consequências da concupiscência, mudam a própria moralidade das condutas concupiscentes. Isto é falso. E dizer isto não é intolerância, mas lealdade com a verdade.

Este é o último e mais profundo problema : ‘o que é a verdade?’ (Se a pergunta ‘o que é a verdade?’ deve pautar nossa educação, estamos num mundo em que Pilatos triunfou sobre Jesus). Mas um mundo relativista nega que a verdade sequer exista – e crê, portanto, que educar é simplesmente mostrar todos os fatos às crianças, para que elas próprias experimentem e construam seu próprio código moral. Não pode ser assim. Ninguém espera que seu filho se atire do último andar de um edifício para descobrir a lei da gravidade. Também não devemos ter receio de transmitir para eles os nossos próprios valores filosóficos, religiosos, éticos e culturais, ao lado do ensinamento de que devem conviver em paz com os diferentes. Porque, se não o fazemos, já não nos importamos com o desenvolvimento da capacidade de discernir, que é a essência da educação. Num mundo em que não há verdades, a rigor não há tolerância, mas indiferentismo. 


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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

'Os terroristas não têm religião'

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A lua crescente, símbolo islâmico

‘Os ataques em Paris alimentaram de novo o fantasma do chamado ‘choque de civilizações’ e a tentação de identificar o islã com o fundamentalismo e o terrorismo. Diante disso, muitos imãs e fiéis muçulmanos de todo o mundo condenaram as ações dos militantes do Estado Islâmico, observando que esses comportamentos estão longe dos preceitos da sua religião.

Uma das mais veementes manifestações veio de Ahmed Al-Tayeb, imã da mesquita de Al-Azhar, no Cairo, uma das mais altas autoridades do islã sunita : ‘Nós condenamos com força este ataque hediondo e absurdo perpetrado em nome da religião. É hora de o mundo inteiro se unir contra o terrorismo’.

Palavras duras vieram também de Hocine Drouiche, imã de Nimes e vice-presidente do Conselho de Imames da França : ‘Condenamos fortemente esses ataques criminosos. O islã é a religião da fraternidade, da abertura, do respeito. Os muçulmanos vivem com dignidade na França, na Itália, na Grã-Bretanha e em todas as nações europeias. Este ataque não pode ser feito em nome do islã, que significa vida e esperança e não ódio e morte. Hoje não é só a França que é atacada e atingida, mas toda a humanidade. Todos os muçulmanos são convidados a condenar esses ataques com manifestações e declarações, para não deixar o islã refém de ignorantes e extremistas. A maioria dos muçulmanos é tolerante e aberta. Uma minoria de extremistas não pode interromper e arruinar a nossa convivência e fraternidade’.

A condenação mais forte veio de Shuja Shafi, secretário geral do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha : ‘Meus pensamentos e minhas orações estão com as famílias das vítimas e dos feridos e com todos os franceses, nossos vizinhos. Este ataque foi reivindicado por um grupo autodenominado Estado Islâmico. Não há nada de islâmico nessas pessoas. As suas ações são o mal e se situam fora dos limites estabelecidos pela nossa fé’.

Queremos mostrar a nossa solidariedade a todos os franceses’, disse o presidente da União das Comunidades Islâmicas da Itália, Izzedin Elzir, em entrevista ao canal TV2000. ‘Esses ataques terroristas não são ataques contra os franceses, mas contra toda a humanidade. É um momento de raiva, dor e condenação total, sem rodeios, sem ‘se’ e sem ‘mas’. Estamos abertos ao diálogo com todos. Queremos deixar claro que o extremismo e o terrorismo não fazem parte do islã. Este é o papel da comunidade islâmica’.

Para Sami Salem, imã da mesquita da Via Magliana, em Roma, ‘isto não é islã, mas terrorismo. Chegou o momento de unir forças para enfrentar este monstro. É crucial explicar antes de mais que no islã não há nenhum apelo à violência nem se contempla a possibilidade de matar o próximo. Muçulmanos e cristãos têm raízes comuns. Estes são atos que nada têm a ver com a religião, que é explorada por pessoas que fazem interpretações erradas e fanáticos das escrituras sagradas’.

Nas redes sociais, milhares de muçulmanos de todo o mundo têm escrito contra a violência em Paris e compartilhado a hashtag #NotInMyName. Muitos citaram uma passagem do alcorão : ‘Matar um homem inocente é como matar a humanidade inteira’.

Há medo de que os ataques atinjam também o diálogo intercultural e alimente a intolerância religiosa, o racismo e o populismo.

Os terroristas não têm religião’ é um dos slogans mais frequentemente no Twitter. ‘Eu sou imã britânico e condeno estes ataques bárbaros. Rezo a Deus por todas as vítimas e pelas suas famílias’, escreveu Mansur Ahmad Clarke. ‘Atenção : antes de culpar os muçulmanos ou o islã pelos crimes em Paris, lembrem-se de que o Estado Islâmico já matou mais de 100 mil muçulmanos nos últimos dois anos’, escreveu um usuário chamado Ahmed.

As palavras de condenação também vêm de líderes de países muçulmanos. ‘Estes ataques são uma violação de todas as éticas, morais e religiões’, disse o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel Al-Jubeir.

O rei Abdallah, da Jordânia, expressou ‘profundo pesar e tristeza’ e sua solidariedade com a França. ‘Estes ataques não curvarão a vontade dos países que amam a liberdade’, disse o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi. O presidente iraniano, Hassan Rohani, definiu os ataques como ‘crimes contra a humanidade’.’  


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