*Artigo
de Padre José Vieira,
Missionário Comboniano
‘Foram os Maias e os Astecas que há mais de 2500 anos domesticaram o
cacaueiro e inventaram o chocolate, duas palavras que vêm do nauatle, a língua
dos Astecas mexicanos : cacahuat quer dizer suco amargo e xocolatl, água quente
ou espumosa, e usavam os grãos como moeda. Mas é na África que hoje se cultiva
cerca de 80 por cento do cacau que nos reconforta.
A Costa do Marfim e o Gana, na África Ocidental, produzem 69 por cento das
sementes de cacau que a indústria utiliza para produzir chocolates e outros
derivados. A Nigéria e os Camarões são outros dois grandes produtores,
responsáveis por 11 por cento da colheita mundial de cacau. A Indonésia, o
Brasil e o Equador também têm uma boa produção.
Os fabricantes de chocolate normalmente não imprimem nas embalagens os
nomes de dois ingredientes comuns que entram na confecção da barra : a violência e a exploração.
Em Junho, a Interpol – Organização Internacional da Polícia Criminal –
resgatou 48 crianças, com idades entre os 5 e os 16 anos, na aldeia de San
Pedro, na Costa do Marfim, de uma roça onde trabalhavam em condições
extremamente perigosas para a saúde, e prenderam 22 adultos, acusados de
tráfico. As crianças – de Burkina Faso, Guiné, Mali e da própria Costa do
Marfim – declararam à polícia que eram obrigadas a trabalhar na colheita do
cacau há mais de um ano, durante longas horas e sem remuneração.
Aliás, a Unicef, a agência da ONU para a protecção da infância, calcula que
entre 2011 e 2014 o número de crianças envolvido na cultura do cacau na região
duplicou de 800 mil para 1,62 milhões. Dessas, cerca de 176 mil foram
traficadas do Mali, Burkina Faso e Togo para trabalharem como escravas na Costa
do Marfim. Algumas foram levadas ao engano com promessas de estudos. O país até
tem uma lei bastante severa contra o trabalho infantil (penas de prisão de um a
cinco anos e multas de 700 a 2000 euros), mas é geralmente ignorada numa
cultura muito permissiva.
A produção de cacau representa o sustento principal para cerca de 14
milhões de pessoas que vivem em grande pobreza. Produzem cerca de 4,3 milhões
de toneladas por ano (3,1 milhões na África, 716 mil na América Latina e 484
mil na Ásia).
A produção do cacau é um trabalho extenuante e perigoso, feito na floresta :
as árvores são tratadas com pesticidas tóxicos e os frutos – que não amadurecem
ao mesmo tempo – são colhidos durante todo o ano à mão e abertos à catanada
para separar as sementes, fermentá-las e secá-las ao sol antes de serem
ensacadas e carregadas às costas para venda.
A indústria do chocolate gera anualmente cerca de 80 mil milhões de euros,
mas os produtores ficam com as migalhas do bolo : 4,8 mil milhões. As
chocolateiras dos Estados Unidos, Itália, Suíça e Japão repartem entre si uma
volumosa fatia de 56 mil milhões. O resto fica para os retalhistas (13,6 mil
milhões) e intermediários (5,6 mil milhões).
Os europeus conhecem as delícias do chocolate desde 1528, altura em que
Hernán Cortés ofereceu a Carlos V de Espanha algumas sementes de cacau que
trouxera do México. Hoje consomem quase metade da produção mundial dos seus
derivados.
Organizações internacionais não-governamentais (como a Anti-slavery, a Stop
the Traffik e a Fairtrade Foundation) criaram um sistema de certificação de
origem do cacau para combaterem o tráfico e uso de crianças na sua produção.
Defendem que as grandes marcas têm a responsabilidade e o poder de resolver o
problema da mão-de-obra infantil através de códigos de conduta que protejam as
crianças. E de pagarem mais aos produtores para tornar a produção do cacau
sustentável.
É a pobreza – e o baixo preço do cacau nos mercados internacionais apesar
da procura sempre maior deste produto – que obrigam os produtores,
maioritariamente pais, a empregarem mão-de-obra infantil nas roças. Cabe aos
consumidores de chocolate – branco ou negro, em pó ou em barra, doce ou amargo,
sólido, líquido ou recheado – preferir produtos certificados para obrigar as
grandes marcas a mudar de atitude e dar às crianças das regiões produtoras uma
infância feliz.’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuuyVVFuEAICMeGtNG
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