*Artigo
de Paulo Vasconcelos Jacobina
Não se cria mais tolerância quando se nega às
crianças que sequer exista um bom alimento, ou uma forma mais adequada de se
alimentar, para início de conversa. Ao se negar este ensinamento às crianças,
não se cria uma sociedade de tolerantes, mas uma sociedade de glutões
‘Na
sua excelente obra ‘Cristianismo Puro e
Simples’, o escritor inglês C.S. Lewis imagina, num determinado momento,
uma cultura em que as pessoas se sentissem atraídas por um ‘strip-tease’ culinário. O que pensar de
uma cultura assim? Trata-se de um povo faminto? Não necessariamente, diz ele. E
acrescenta : ‘os homens famintos pensam muito em comida, mas os glutões
também. Tanto os saciados quanto os famintos gostam de estímulos novos.’
Dentro deste mesmo
mote, imaginemos uma sociedade com sérios distúrbios alimentares. Todos comem
sem parar, e mais, estão sempre à procura de novas formas de comer que driblem
o limite orgânico e permitam continuar o máximo possível com a comilança. Neste
suposto país, cientistas descobriram uma pílula que impede o organismo de
absorver calorias e outros nutrientes dos alimentos, e com isso as pessoas
podem comer compulsivamente sem engordar, e mesmo sem que seu corpo jamais
emita sinais de saciedade. Outros cientistas, ainda, descobriram pequenos
artefatos de borracha que permitem ao comilão regurgitar o alimento mastigado
sem que ele sequer vá para o estômago. Logo outros pesquisadores descobrem que
as pessoas já não se satisfazem com a imensa variedade de alimentos oferecidos
ao seu paladar cada vez mais voraz, e descobrem que em culturas primitivas
alguns povos de ilhas distantes introduziam seu alimento pelo lado inverso do
organismo, descobrindo ‘prazeres’
culinários que, segundo dizem estes cientistas, foram autoritariamente
reprimidos pela cultura ocidental judaico-cristã. E começa uma ‘revolução alimentar’ no ocidente.
Autores descrevem as antigas práticas religiosas de jejum como próprias de uma
religiosidade fanática e castradora, e teólogos vanguardistas repudiam a ideia
de que o jejum, ou mesmo a temperança, fossem autênticos ensinamento de Jesus.
O papa, então,
interpelado por tais teólogos, lança uma Encíclica chamada, digamos, ‘Humanae
Comidae’, condenando o uso de qualquer meio artificial como pílulas e
borrachas para descaracterizar os fins naturais da alimentação, e sofre
agressões de bispos, teólogos e leigos do mundo inteiro, que propõem uma ‘ ’ para substituir a ideia conservadora
de que a temperança fosse uma virtude. O lema desses vanguardistas é; ‘mais tempero, menos temperança’. A gula
é descrita como uma ‘inclinação natural do ser humano’, e aqueles que teimam
timidamente em defender a moderação alimentar, bem como a necessidade de
consumir os alimentos através da extremidade superior do organismo, são
rotulados de ‘gastrofóbicos’ e
acusados de desprezar os avanços científicos que nos legaram a pílula
antissaciedade e a bolsinha de borracha antideglutição.
Trata-se, agora,
de, a pretexto de preparar nossas crianças para conviver num mundo em que cada
um come o que quiser, na hora que quiser, quanto quiser e pela extremidade que
quiser, de ensinar a estas crianças que não se pode fazer nenhuma
diferença ética entre nenhuma dessas formas de se alimentar, e que
aqueles que quiserem são livres para jejuar na sexta-feira santa e de acreditar
que a temperança é uma virtude, mas, num estado laico, não podem impor isto ao
restante da sociedade. E as crianças são educadas, por decisão
governamental, mesmo nas escolas confessionais, para esquecer a diferença
entre saciar modestamente a fome com uma quantidade adequada de boa comida, por
um lado, e empanturrar-se, regurgitar e comer de novo. Os educadores – e com
eles alguns líderes religiosos e mesmo teólogos – estão absolutamente
convencidos de que qualquer um que ensine temperança e mesmo ascese alimentar
aos seus filhos é um tradicionalista fóbico que deve ser duramente combatido. E
pedem ao Papa que não somente reconheça, mas aconselhe a todos os fiéis o uso
da pílula antissaciedade, das bolsinhas de borracha regurgitadoras e da
alimentação pela extremidade inversa não somente como toleráveis, mas até mesmo
como desejáveis – já que o uso dessas técnicas até mesmo reduziu a obesidade da
população, os índices de açúcar e colesterol e, por consequência, doenças como
o enfarto e a hipertensão, sem necessidade de questionamentos moralistas sobre
ascese e temperança, cientificamente ultrapassados – dizem eles. A resistência
do Papa neste ponto, alertam, é só uma prova de que a Igreja Católica é
ultrapassada e não sobreviverá ao futuro da humanidade esclarecida.
Escritores lançam
livros sobre esta ‘nova forma de comer’,
e soam muito futuristas e vanguardistas para todos. Os educadores católicos
temem ser ultrapassados pelas escolas laicas, que estão preparando seus alunos
desenfreadamente para este mundo novo e certamente terão melhor desempenho nas
provas públicas para o ensino superior. ‘Velhos
preconceitos religiosos não podem prejudicar nossos alunos’, dizem. E
introduzem disciplinas de reeducação gastronômica em suas próprias escolas.
Nste ponto, o
grande C. S. Lewis acrescenta : ‘Não existe muita gente que queira comer
coisas que não são alimentos ou que goste de usar a comida em outras coisas que
não a alimentação. Em outras palavras, as perversões do apetite alimentar são
raras. As perversões do instinto sexual, porém, são numerosas, difíceis de curar
e assustadoras. Desculpem-me por descer a esses detalhes, mas tenho de fazê-lo.
Tenho de fazê-lo porque, há vinte anos, temos sido obrigados a engolir
diariamente uma série enorme de mentiras bem contadas sobre sexo. Tivemos de
ouvir, ad nauseam, que o desejo sexual não difere de nenhum outro desejo
natural, e que, se abandonarmos a tola e antiquada ideia vitoriana de tecer uma
cortina de silêncio em torno dele, tudo neste jardim será maravilhoso.’
Não é à toa que,
em nossos catecismos – no tempo em que eram considerados documentos valiosos
para a catequese e a educação cristã – a concupiscência alimentar está colocada
no mesmo plano da concupiscência sexual. No esquema catequético da chamada ‘tríplice concupiscência’ (1Jo 2, 16-17),
a gula e a luxúria estão inseridos na ‘concupiscência
da carne’. Por isto, a parábola acima pode ser bem útil para entender o que
exatamente está ocorrendo, hoje, no campo da educação sexual, o mote parece ser
: ‘eduquemos as crianças para conviver
num mundo em que não há diferenças éticas entre comportamentos sexuais, em nome
da tolerância’.
Mas já não se
trata de tolerar, ou seja, de aprender a aceitar que o outro é diferente e deve
ser respeitado na sua diferença. Para isto (usando a mesma metáfora)
precisaríamos dar às crianças, primeiro, o bom alimento, para que depois elas
fossem educadas no sentido de que nem todos escolherão o bom alimento, e não
devem ser repudiadas por isto. Não se cria mais tolerância quando se nega às
crianças que sequer exista um bom alimento, ou uma forma mais adequada de se
alimentar, para início de conversa. Ao se negar este ensinamento às crianças,
não se cria uma sociedade de tolerantes, mas uma sociedade de glutões.
É claro que a
concupiscência da carne é somente uma das três dimensões da concupiscência
humana. E nem é a mais grave. O mais grave é que estamos ensinando, em nome da
tolerância, que não temos o direito, como sociedade, de distinguir entre
virtude e concupiscência, e que qualquer um que o faça é um moralista
conservador ultrapassado. E promovemos a concupiscência, ensinamos a
concupiscência, a título de preparar nossas crianças a viver num mundo plural.
E mais, acreditamos mesmo que o avanço da ciência, no sentido de reduzir ou eliminar as
consequências da concupiscência, mudam a própria moralidade das
condutas concupiscentes. Isto é falso. E dizer isto não é intolerância, mas
lealdade com a verdade.
Este é o último e
mais profundo problema : ‘o que é a
verdade?’ (Se a pergunta ‘o que é a
verdade?’ deve pautar nossa educação, estamos num mundo em que Pilatos
triunfou sobre Jesus). Mas um mundo relativista nega que a
verdade sequer exista – e crê, portanto, que educar é
simplesmente mostrar todos os fatos às crianças, para que elas próprias
experimentem e construam seu próprio código moral. Não pode ser assim. Ninguém
espera que seu filho se atire do último andar de um edifício para descobrir a
lei da gravidade. Também não devemos ter receio de transmitir para eles os
nossos próprios valores filosóficos, religiosos, éticos e culturais, ao lado do
ensinamento de que devem conviver em paz com os diferentes. Porque,
se não o fazemos, já não nos importamos com o desenvolvimento da capacidade
de discernir, que é a essência da educação. Num mundo em que não há
verdades, a rigor não há tolerância, mas indiferentismo.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http
://www.zenit.org/pt/articles/a-educacao-para-a-virtude-e-a-diferenca-entre-tolerancia-e-indiferentismo
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