quarta-feira, 30 de setembro de 2015

18 trapistas mártires serão beatificados na Espanha




‘Em 3 de outubro serão beatificados no Mosteiro de Viacoeli, na Província de Santander, Espanha, 18 mártires cistercienses. Trata-se de 16 monges da Abadia de Viaceli de Cóbreces (Santander) e de duas monjas do Mosteiro Fons Salutis de Algemesí (Valência). A Rádio Vaticano conversou a este respeito com o Prefeito da Congregação da Causa dos Santos, Cardeal Angelo Amato. Eis o que disse :

Deflagrada a perseguição, o Mosteiro de Cóbreces, na Província de Santander, que então contava com cerca de sessenta pessoas, foi invadido por milicianos vermelhos em busca de armas. Foi proibido aos monges de sair e de usar a corrente elétrica. Em 20 de agosto de 1936, Festa de São Bernardo, foi comunicada a supressão do culto católico. Não foi mais possível celebrar a Santa Missa, nem receber a comunhão. Os revolucionários requisitaram todos os objetos sacros, destruindo e saqueando tudo que encontraram de precioso ou de útil. Os monges, após um período de detenção, de interrogatórios, de humilhações e de torturas, foram todos mortos em circunstâncias e tempos diferentes, a partir do verão de 1936 até o final de dezembro do mesmo ano’.


- Quem eram estes mártires de Cristo?

Era religiosos distantes de ideologias partidárias, desejosos somente de servir o Evangelho e de edificar o povo de Deus com a oração, o trabalho e o recolhimento. Eram humildes e inofensivos. Como exemplo, contamos brevemente a vida do chefe do grupo, Padre Pio Julián Heredia Zubía, nascido em 1875 em Larrea (Avala). Aos 14 anos entrou como oblato no Mosteiro cisterciense da Estreita Observância de Val San José, em Getafe, próximo a Madrid. Após a profissão solene, foi ordenado sacerdote em 18 de março de 1899. Em 1918 foi enviado ao novo Mosteiro de Santa Maria de Viaceli e nomeado mestre dos noviços. Eles, em seu depoimento, recordam dele como um formador preparado, paciente e com uma particular devoção mariana. Mais de uma vez foi surpreendido na igreja em profundo diálogo com a Santa Virgem. Após se tornar Prior do mosteiro, que recebeu dele uma extraordinária contribuição de santidade. Apenas ao contemplar a sua face plena de bondade e sorridente, se sentiam convidados a imitá-lo, a viver em Deus e desejar ardentemente a santidade. Era entusiasta da liturgia, tornando-se dela um fervoroso apóstolo. Para ele, a liturgia era a vida da vida do monge’.


- E em relação aos outros, o que o senhor poderia dizer?

Também os outros confrades mártires, todos jovens, eram pessoas boas, humildes, generosas e totalmente abandonadas à vontade de Deus. O menor do grupo era Frei Ezequiel Álvaro de la Fuente, de apenas 19 anos, que após uma infância atribulada em família, havia encontrado na comunidade monástica a serenidade e a alegria de viver. Frei Eulogio Álvarez López tinha apenas 20 anos. Um outro jovem, Frei Álvaro González López, de 21 anos, tinha desejado tanto consagrar-se ao Senhor junto ao seu irmão José, também ele monge Viaceli. Um outro mártir, Frei Ángel de la Vega González, alheio à perseguição em andamento, pede e consegue fazer a profissão solene na Festa de São Tiago, em 25 de julho de 1936. Entre os mártires está um noviço de 23 anos, Frei Marcelino Martín Rubio, aberto e alegre, que no momento da prisão não escondeu a sua condição de religioso, e um postulante, o sacerdote Padre José Camí Camí, nativo de Aytona, Província de Lérida, assassinado pouco antes de entrar no mosteiro’.


- Como ocorreu o martírio deles?

Em tempos e lugares diferentes, do final de julho até o final de dezembro de 1936. Alguns foram fuzilados, outros foram afogados com as mãos atadas e a boca amordaçada na Baía de Santander. A morte deles foi terrível, também porque alguns deles, após terem sido atingidos pela morte, foram esmagados diversas vezes pelas chamadas máquinas da morte dos revolucionários anticatólicos. A crueldade não se deteve nem mesmo diante de monges inofensivos. Por exemplo, Irmã María Micaela foi fuzilada junto à sua irmã Encarnación às 21 horas de 10 de novembro. Tendo ficado gravemente ferida, os vizinhos ouviram os seus lamentos por toda a noite. Na manhã seguinte, os milicianos finalizaram o crime, esmagando-lhe a cabeça. A outra monja, Irmã María Natividad, foi capturada em novembro e algemada com seus irmãos, dois carmelitas e o outro, José, leigo. Descendo pelas escadas, já consciente do fim iminente, gritou : ‘Viva Cristo Rei!’. Obrigada a entrar no carro da morte, foi fuzilada no meio da estrada. O automóvel assolava após o cadáver, passando diversas vezes sobre ele e esmagando a cabeça da irmã. Dias depois ainda permaneciam manchas de sangue sobre a estrada. Nenhum sinal de respeito e de humana piedade pelos corpos mutilados’.


- O que o martírio destes religiosos representa para seus irmãos e irmãs hoje?

Os Beatos Mártires de Viacoeli e de Fons Salutis convidam hoje seus irmãos e irmãs a perseverarem na fidelidade à sua vocação, feita de oração, de louvor ao Senhor, de apoio da Igreja com o seu sacrifício cotidiano. É este um verdadeiro martírio branco testemunhado a cada dia para a edificação da Igreja e para a redenção do mundo. É o incenso abençoado que se eleva ao céu. Em segundo lugar eles exortam a manter sempre aberta a porta do mosteiro àqueles que batem para buscar conforto, assistência, ajuda. A recordação da bondade e da generosidade dos Mártires pelos mais necessitados deve continuar a reviver com a mesma magnanimidade e gentileza. Sabemos, por exemplo, que ainda hoje a comunidade, que vive de seu próprio trabalho, dá ocupação a não poucos habitantes de Cóbreces, com os quais sempre estabeleceu uma relação justa e amigável. Sabemos também, que os pobres, como da tradição, encontram sempre hospitalidade e ajuda em seus mosteiros’.’ 


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.news.va/pt/news/18-trapistas-martires-serao-beatificados-na-espanh


Bangladesh : Assassinado cooperador humanitário italiano



‘O cooperador humanitário, César Tavella, estava correndo quando três homens atiraram contra ele em um bairro de Daca, capital de Bangladesh. Os assassinos, que fugiram de moto, estão ligados a grupos de fundamentalistas islâmicos, visto que o assassinato foi reivindicado na internet por uma base local do Estado Islâmico (EI). A confiabilidade da mensagem está sendo investigada.

Tavella nasceu em Milão e trabalhava para a ONG holandesa ICCO Cooperation em um projeto no setor de agricultura e alimentação. Imediatamente ficou claro para a polícia local que o assassinato não foi uma tentativa de assalto’ : a vítima morreu antes de chegar ao hospital e havia consigo todos os seus pertences.

Teme-se agora outro ataque aos não-muçulmanos, como ameaçado pelo EI. Em Bangladesh estão presentes grupos jihadistas ligados à al-Qaeda e aos homens do califado que muitas vezes competem entre si. ‘Estamos preocupados com o crescimento da violência e do fundamentalismo no país e apelamos ao governo para que a situação não fique fora de controle’, disse à Agência Fides Dom Theotonius Gomes, bispo auxiliar de Daca, em nome da Conferência Episcopal. ‘Há uma apreensão geral com a presença do EI em Bangladesh - acrescentou -. Sabemos que é um fenômeno mundial e que grupos de militantes locais agora podem ser influenciados pela Estado Islâmico’.

Sobre a notícia do assassinato do italiano, o Bispo auxiliar de Daca destacou : ‘Estamos desapontados e amargurados. Como Igreja Católica, condenamos o gesto execrável e expressamos solidariedade à família e à nação italiana. Muitos funcionários do governo e líderes da sociedade condenaram o assassinato’.’ 


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.zenit.org/pt/articles/bangladesh-assassinado-cooperador-humanitario-italiano


terça-feira, 29 de setembro de 2015

"Patrum", o novo App dos Museus Vaticanos



‘Pouco antes da viagem do Papa Francisco a Cuba e aos Estados Unidos, foi criado o Patrum, o novo aplicativo dos Museus Vaticanos, que já conta com mais de 4 mil downloads. A ideia de Juliana Biondo, dos serviços digitais do escritório dos ‘Patrons of Art’, poderá representar uma revolução para os projetos de restauração e um atrativo para as gerações jovens. Eis o que ela falou à Rádio Vaticano a respeito desta iniciativa :

A ideia era a de criar um aplicativo que do ponto de vista do conteúdo, do desenho e do uso nos telefones celulares, fosse ‘social’, mas que também facilitasse a compreensão da história da Coleção de arte nos Museus Vaticanos e dos projetos de restauração. O App está configurado como uma barra contínua de atualizações : cada dia um conteúdo novo será publicado no aplicativo e todos ficarão disponíveis; existem ainda histórias divertidas que foram contadas pelos próprios restauradores, por exemplo, sobre a restauração do Perseu de Canova. Ou mesmo a história da Sistina, de Michelangelo e de Rafael. Depois, comentar, partilhar, colocar ‘curtir’; também entrar em contato com outras pessoas que deixam seus comentários; se pode contatar diretamente quem deixou uma mensagem. Acredito que seja uma ideia realmente interessante. Assim, a ideia era criar uma comunidade e induzir as pessoas a falarem de arte. É um App divertido, mas ao mesmo tempo intelectual e muito preciso no que diz respeito à coleção e aos Patrons’.

Os Museus Vaticanos arrecadam em torno de 80 milhões de euros a cada ano, mas bem pouco deste montante é destinado à seção dedicada às restaurações das obras de arte. De fato, a maior parte dos fundos acaba sendo destinada à manutenção do Estado Cidade do Vaticano e no pagamento dos 800 colaboradores dos Museus. Há mais de 30 anos os ‘Patrons of Arts of The Vatican Museums’, têm, portanto, a tarefa de preencher esta lacuna. A Associação se ocupa de salvaguardar e administrar as coleções presentes dentro da histórica estrutura de exposição, frequentemente através de patrocinadores estadunidenses. A cota associativa anual é de um montante de 600 dólares, como explica Juliana:

E em troca, podem vir ao Museu quando quiserem e admirar o trabalho dos restauradores enquanto é executado, podem encontrá-los, participar de eventos e encontros privativos. Poderá, num certo sentido, estar por detrás dos bastidores e o App contempla também isto, porque poderás nos contatar diretamente através do App e nós responderemos...’.

O App dá vida a uma nova rede social entre os membros, mas não somente. A família dos apaixonados pela arte crescerá e cada um, mesmo sem ser um ‘Patron’, pode contribuir discutindo ou fazendo doações a partir de 10 dólares para financiar uma restauração e salvar uma parte da cultura.  Isto deveria atrair sobretudo as gerações mais jovens.

Larry Blanford, há poucas semanas membro da família dos ‘Patrons’, manifesta o seu entusiasmo pela possibilidade de seguir de perto a atividade dos trabalhadores de restauração e de ver o ‘backstage’ artístico :

Não somente pudemos admirar algumas das magníficas obras de arte que são restauradas neste laboratório, mas o que mais me tocou foi a paixão e a energia dos restauradores. De um lado são verdadeiros artistas, por outro tem uma fé muito radicada. Conjugam, portanto, o amor pela arte com o seu amor pela fé. Como novo ‘Patron’ dos Museus foi emocionante ver a paixão e a energia com que trabalham’.

Muitos trabalhos de restauração nos Museus foram possíveis graças ao patrocínio dos ‘Patrons’. Um exemplo por excelência é exatamente o Perseu de Canova, adquirido pelo Papa Pio VII. Atualmente, muitos projetos aguardam um apoio financeiro : das insígnias etruscas (53.680 euros) até os Jardins Vaticanos, ou a necessidade das máquinas de laser para a limpeza das obras de arte (49.680 euros). Em outubro de 2016 os ‘Patrons’ publicarão o novo ‘Wishbook’, no qual todos os Departamentos dos Museus Vaticanos indicarão os trabalhos de restauração mais urgentes.’ 


Fonte :

Os Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


‘Celebramos a festa dos três Arcanjos que a sagrada Escritura menciona pelo seu nome próprio : Miguel, Gabriel e Rafael. Mas, o que é um anjo? A sagrada Escritura e a tradição da Igreja fazem-nos descobrir dois aspectos. 

Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada, com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra ‘El’, que significa ‘Deus’. Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é a existência em vista d'Ele e para Ele.

Explica-se precisamente assim também o segundo aspecto que caracteriza os Anjos : eles são mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o céu e assim abrem a terra. Exatamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do homem. De fato, Deus é mais íntimo a cada um de nós de quanto o somos nós próprios.


Como um anjo para os outros

Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles chamam-no a reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros anjos que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus.

Se a Igreja antiga chama os Bispos ‘anjos’ da sua Igreja, pretende dizer precisamente o seguinte : os próprios Bispos devem ser homens de Deus, devem viver orientados para Deus. ’Multum orat pro populo’  ’Reza muito pelo povo’, diz o Breviário da Igreja a propósito dos santos Bispos. O Bispo deve ser um orante, alguém que intercede pelos homens junto de Deus. Quanto mais o fizer, tanto mais compreende também as pessoas que lhe estão confiadas e pode tornar-se para elas um anjo um mensageiro de Deus, que as ajuda a encontrar a sua verdadeira natureza, a si mesmas, e a viver a ideia que Deus tem delas. 


São Miguel : dar lugar a Deus no mundo 

Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura sobretudo no Livro de Daniel, na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu e no Apocalipse. Deste Arcanjo tornam-se evidentes nestes textos duas funções. Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a soberba do dragão, da ‘serpente antiga’, como diz João. É a perene tentativa da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos dele.

Mas o dragão não acusa só Deus. O Apocalipse chama-o também ‘o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante de Deus’ (12, 10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece sobre cada indivíduo

É tarefa do Bispo, como homem de Deus, fazer espaço para Deus no mundo contra as negações e defender assim a grandeza do homem. E o que se poderia dizer e pensar de maior sobre o homem a não ser que o próprio Deus se fez homem? A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protetor do Povo de Deus (cf. Dn10, 21; 12, 1). Queridos amigos, sede verdadeiramente ‘anjos da guarda’ das Igrejas que vos serão confiadas! Ajudai o povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria na fé e a aprender o discernimento dos espíritos : a acolher o bem e a recusar o mal, a permanecer e tornar-se sempre mais, em virtude da esperança da fé, pessoas que amam em comunhão com Deus-Amor. 


São Gabriel : Deus que chama

Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo na preciosa narração do anúncio a Maria da encarnação de Deus, como nos refere São Lucas (1, 26-38). Gabriel é o mensageiro da encarnação de Deus. Ele bate à porta de Maria e, através dela, o próprio Deus pede a Maria o seu ‘sim’ para a proposta de se tornar a Mãe do Redentor : dar a sua carne humana ao Verbo eterno de Deus, ao Filho de Deus.

Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração humano. No Apocalipse diz ao ‘anjo’ da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos : ‘Eis que estou à porta e bato : se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele’ (3, 20). O Senhor está à porta, à porta do mundo e à porta de cada um dos corações. Ele bate para que o deixemos entrar : a encarnação de Deus, o seu fazer-se carne deve continuar até ao fim dos tempos.

Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo : dizem-nos isto os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses. Cristo bate.

Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe põem à disposição a própria carne, que lhe doam a matéria do mundo e da sua vida, servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do universo.

Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens, em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens. 


São Rafael: recobrar a vista

São Rafael é-nos apresentado sobretudo no Livro de Tobias como o Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus discípulos em missão, com a tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a de curar. O bom Samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em si é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor.

Do Arcanjo Rafael são referidas no Livro de Tobias duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demonios que, sempre de novo, rasgam e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. Na narração de Tobias esta cura é referida com imagens legendárias.

No Novo Testamento, a ordem do matrimonio, estabelecido na criação e ameaçado de muitas formas pelo pecado, é curado pelo facto de que Cristo o acolhe no seu amor redentor. Ele faz do matrimonio um sacramento : o seu amor, que por nós subiu à cruz, é a força restauradora que, em todas as confusões, dá a capacidade da reconciliação, purifica a atmosfera e cura as feridas. Ao sacerdote é confiada a tarefa de guiar os homens sempre de novo ao encontro da força reconciliadora do amor de Cristo. Deve ser o ‘anjo’ curador que os ajuda a ancorar o seu amor no sacramento e a vivê-lo com empenho sempre renovado a partir dele.

Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus. Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas materiais e que somos capazes de fazer com elas, nos tornamos cegos para a luz de Deus.

Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor, é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no sacramento da Reconciliação, no sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da palavra, é um sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de facto, o motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser curados, podemos ser remidos.


Permanecei no meu amor’, diz-nos hoje o Senhor no Evangelho (Jo 15, 9). No momento da Ordenação episcopal Ele di-lo de modo particular a vós, queridos amigos. Permanecei no seu amor! Permanecei naquela amizade com Ele cheia de amor que Ele neste momento vos doa de novo! Então a vossa vida dará fruto um fruto que permanece (Jo 15, 16).’ 


Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.pt.josemariaescriva.info/artigo/os-arcanjos-miguel2c-gabriel-e-rafael

domingo, 27 de setembro de 2015

(Re) construir com pouco


 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG


'Construir com pouco é exigência em tempo de crises, pois é o que se tem e esse pouco pode ser multiplicado. Para isso é necessário utilizar bem os recursos - de itens menores aos mais relevantes para a vida familiar, comunitária e social. A conjuntura atual passa a exigir adequações e aí reside o desafio a ser enfrentado pelas pessoas e instituições. Há grande dificuldade para encontrar o caminho das intervenções que possam fazer o pouco se tornar muito, ou pelo menos o necessário para continuar avançando. Esse raciocínio é aplicável na administração da vida pessoal, nos funcionamentos governamentais, familiares e de organizações privadas.

 Fundamenta essa constatação a dificuldade encontrada por governos para gastar menos do que arrecada.  Imersos em uma luta insana, falta lucidez para encontrar os ajustes e os alinhamentos que, com a rapidez necessária, coloquem a máquina nos trilhos. Indivíduos e famílias também vivenciam esse problema e a busca por uma solução, a partir de ajustamentos, incide sobre o estilo de vida e a readequação de prioridades. Isso, não raramente, causa incômodo e dor.  Nesse horizonte, há uma pergunta que, respondida, pode revelar o desempenho de cada pessoa e instituição na tarefa de superar a crise. Quem mudou, de maneira significativa, seu estilo de vida? Os que perderam seu emprego, certamente. Os que ganham pouco, assalariados, sem dúvida. E as faixas que estão acima dessas duas situações – pessoas que mantiveram seus altos rendimentos?  Mudaram seus estilos de vida? Em que proporção?  Em tempo de crise, diante da necessidade de se investir no âmbito social, quem tem coragem para partilhar os seus ganhos? 

Nesse tempo de carências, indicam o rumo a ser seguido os que adotam um estilo de vida simples, mesmo ganhando muito em suas instituições e empreendimentos. Depositam a sobra de seus altos salários não na própria conta, para ajuntar cada vez mais, mas em um fundo que ampara quem precisa de suporte. São pessoas que se dedicam a projetos importantes para o conjunto da sociedade. Imaginemos a força revolucionária dessas atitudes cidadãs. Trata-se, certamente, de remédio para curar males como a corrupção, a mesquinhez de disputas no interior das famílias e em outras instituições, atrasando a composição de horizontes promissores. 

Muitos são os entraves que impedem mudanças significativas nos quadros das crises. Entre eles, a falta de habilidade e sabedoria para se construir com pouco. Os números da corrupção são astronômicos. Incontroláveis e descontrolados são os gastos das estruturas governamentais e de outras instituições. Uma sociedade incapaz de disciplinar o uso de recursos, com dinâmicas que incidam nos estilos de vida de cada pessoa até nas operações mais sistêmicas, tem mais dificuldade para sair das crises. Indivíduos e grupos fecham-se na mesquinhez da defesa de interesses próprios e na indiferença em relação ao que está fora de sua zona de conforto. Terrível é  cada um esperar a solução produzida por outro. Na contramão das lamentações e distribuição de responsabilidades, todos – cidadãos, instâncias governamentais, religiosas, empresariais – devem reconhecer a importância de sua própria atuação e ajudar na edificação de uma nova realidade. 

Construir com pouco é um jogo inteligente e solidário de articular realismo com ousadia, inventividade com simplicidade, disciplina e generosidade. É cuidar do que se tem e respeitar o que é do outro, participar de modo solidário de iniciativas que busquem o bem da coletividade. Nesse caminho, vale recordar o que diz o profeta Ageu, com força de advertência e indicação de caminho : 'Acaso para vós é tempo de morardes em casas revestidas de lambris, enquanto esta casa está em ruínas? Considerai, com todo o coração, a conjuntura que estais passando : tendes semeado muito e colhido pouco; tende-vos alimentado e não vos sentis satisfeitos; bebeis e não vos embriagais; estais vestidos e não vos aqueceis; quem trabalha por salário, guarda-o em sacola furada. Subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; ela me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor'. É preciso aprender a (re)construir com pouco.' 


Fonte :  


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Nações unidas pelo bem, não pelo medo e desconfiança - Papa na ONU




Pela quinta vez um Papa visita as Nações Unidos. Na linha dos seus predecessores (Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI) Francisco exprimiu o seu apreço por esta Organização que comemora seus 70 anos de vida, considerando-a 'a resposta jurídica e política adequada para o momento histórico' que estamos vivendo, uma 'resposta imprescindível, dado que o poder tecnológico, nas mãos de ideologias nacionalistas ou falsamente universalistas, é capaz de produzir atrocidades tremendas'. 

Por isso a Igreja Católica – disse o Papa - atribui muita importância à ONU e tem muita esperança nas suas atividades. 

Como exemplo de frutos positivos destes 70 anos de vida da ONU o Papa referiu a codificação e o desenvolvimento do direito internacional, a normativa internacional dos direitos humanos, o aperfeiçoamento do direito humanitário, luzes – disse que contrastam a obscuridade da desordem causada por ambições descontroladas e egoísmos coletivos. Restam, certo, problemas graves por resolver, mas 'se faltasse toda esta atividade internacional, a humanidade poderia não ter sobrevivido ao uso descontrolado das suas próprias potencialidades'. 

Por todos estes 'avanços políticos, jurídicos e técnicos que representam um percurso de concretização do ideal de fraternidade humana', o Papa prestou homenagem a todos quantos serviram com lealdade e sacrifício a ONU nestes 70 anos, alguns dando a própria vida, como Dag Hammarskjold e inúmeros funcionários  caídos em missões humanitárias, de paz e reconciliação. 

O caminho percorrido até hoje pela ONU mostra – disse o Papa – que 'há constante necessidade de reforma para se poder chegar ao objetivo final que é a de 'conceder a todos os países, sem exceção, uma participação e uma incidência reais e equitativas nas decisões', especialmente no Conselho de Segurança, nos organismos financeiros e nos grupos e mecanismos criados para enfrentar as crises econômicas. 

'Isto ajudará a limitar qualquer espécie de abuso ou usura especialmente sobre países em vias de desenvolvimento'. 

Citando a Carta Constitucional da ONU, o Papa recordou que a tarefa desta organização é a promoção do direito e que a limitação do poder está implícita no conceito de direito. Portanto, nenhum grupo humano se pode considerar omnipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos de outros indivíduos ou grupos sociais. Acontece, porém, que hoje, 'o panorama mundial apresenta-nos muitos direitos falsos'  e muitas são as vítimas deste 'mau exercício do poder' : desde o ambiente natural a seres humanos. 

'Por isso é necessário afirmar vigorosamente os seus direitos, consolidando a proteção do ambiente e pondo fim à exclusão'. 

O Papa fala da necessidade dum verdadeiro 'direito do ambiente' e recorda que qualquer dano ao meio ambiente é um dano à humanidade, pois o homem precisa de um meio ambiente favorável para se desenvolver. Além disso, e na óptica de todas as religiões monoteístas, 'o universo provém duma decisão de amor do Criador' que permite ao homem servir-se dele sem, todavia, abusar dele e muito menos destruí-lo. 

Francisco demonstra como a destruição do ambiente a ambição egoísta e ilimitada do poder estão interligados e geram exclusão, negação total da fraternidade : 

'A exclusão econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e  um atentado gravíssimo aos direitos humanos e ao ambiente'. 

É a cultura 'do descarte' dos mais frágeis da sociedade, tantas vezes denunciada pelo Papa Bergoglio, que diz sentir-se interpelado por esta dramática situação de exclusão e desigualdade e, por isso, eleva a sua voz a favor de 'soluções urgentes e eficazes' e vê na Assembleia Mundial que tem hoje início na ONU para adoptar a chamada 'Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável'  e na próxima Conferência de Paris sobre alterações climáticas, 'um importante sinal de esperança'. 

E sem tirar nada aos compromissos solenemente assumidos, o Papa recorda aos governantes que o mundo lhes pede vivamente 'uma vontade efetiva, prática, constante, feita de passos concretos e medidas imediatas para preservar e melhorar o ambiente natural e superar o mais rapidamente possível o fenómeno da exclusão social e econômica, com as suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo prostituição, tráfico de drogas e armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada'. 

Não se pode ficar por um nominalismo declamatório ou por instrumentos de medição para tranquilizar as consciências. É preciso ser práticos, concretos e deixar-se guiar por 'um conceito perene de justiça, sabendo que antes e depois dos programas estão pessoas concretas que 'se vêemmuitas vezes, obrigadas a viver miseravelmente, privados de qualquer direito'. 

Pessoas a quem se deve permitir ser 'atores dignos do seu próprio destino' – frisou o Papa,  fazendo notar que o desenvolvimento integral e a dignidade não podem ser impostos, mas construídos em todos os ambientes da relação humana: amigos, famílias, escolas, sindicatos, províncias, países, etc. 

Isto pressupõe o direito à educação, também para as meninas. Pressupõe 'o direito primário das famílias de educar e o direito das Igrejas e de agregações sociais a apoiar e colaborar com as famílias na educação das suas filhas e filhos'. 

É tarefa dos governos garantir o mínimo absoluto a nível material e espiritual para que as famílias possam viver dignamente. E esse mínimo significa casa, trabalho, terra, água, alimentação e liberdade de espírito, que inclui liberdade religiosa, direito à educação e outros direitos civis, enfim, direito à vida… em poucas palavras direito à existência da própria natureza humana. 

A medida, o indicador mais simples da nova Agenda do Desenvolvimento deverá ser a concretização de tudo isto insistindo ainda na questão ambiental para recordar que o 'O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas também natureza'. E quando recusamos qualquer instancia acima de nós, vendo-nos unicamente a nós mesmo, começa o desperdício da criação – frisou Francisco citando Bento XVI, segundo o qual 'a defesa do ambiente e a luta contra a exclusão exigem o reconhecimento duma lei moral inscrita na própria natureza humana, que inclui a distinção natural entre o homem e a mulher e o respeito absoluto da vida em todas as suas fases e dimensões'. 

Sem o reconhecimento dos limites éticos naturais e dos pilares de desenvolvimento, o ideal de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, assim como a promoção social  e de um padrão mais elevado de vida em maior liberdade – disse o Papa referindo-se mais uma vez ao Preâmbulo da Carta das ONU – permanecem uma miragem. Pior ainda : palavras vazias servem 'como desculpa para qualquer abuso e corrupção ou para promover uma colonização ideológica através da imposição de modelos e estilos de vida anormais, alheios à identidade dos povos e, em última análise, irresponsáveis'. 

A guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão ao ambiente – frisou Francisco – dizendo que há que empregar esforços para evitar a guerra, recorrer incansavelmente a negociações, a mediadores, a arbitragens, como aliás propõe a Carta da ONU. Mas os 70 anos da ONU, e sobretudo os primeiros 15 anos deste milênio, mostram tanto a eficácia da aplicação das normas internacionais como a ineficácia da sua inobservância. 

'Se se respeita e se aplica a Carta da ONU, com transparência e sinceridade, sem segundos fins, como um ponto de referência obrigatório de justiça e não como um instrumento para mascarar intenções ambíguas, obtém-se resultados de paz. Quando, pelo contrário, se confunde a norma com um simples instrumento que se usa quando resulta favorável e se contorna quando não o é, abre-se uma verdadeira caixa de pandora com forças incontroláveis, que prejudicam seriamente as populações inermes, o ambiente cultural e também o ambiente biológico.' 

O Papa fez notar que a proliferação das armas, especialmente as de destruição massiva, como podem ser as armas nucleares, estão em contradição com os princípios da construção jurídica internacional e das Nações Unidas, tornando-as em 'Nações Unidas pelo medo e a desconfiança'. 

'É preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares, aplicando plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de Não-Proliferação para se chegar a uma proibição total destes instrumentos.' 

O recente acordo neste âmbito na Ásia e Médio Oriente é visto pelo Papa como um sinal positivo, mas as graves consequências de intervenções politicas e militares no Médio Oriente, África do Norte e outras partes da África, onde cristãos e outras pessoas são obrigadas a fugir ou a pagar com a vida, levou o Papa a apelar a um sério 'exame de consciência por parte daqueles que têm a responsabilidade pela condução dos assuntos internacionais'. 

Em todas as situação de guerras e conflitos - não só de perseguição religiosa e cultural como no caso da Ucrânia, Síria, Iraque, Líbia, Sudão do Sul e na região dos Grandes Lagos -  existem pessoas concretas de todas as idades que choram, sofrem, morrem – recordou o Papa. 

A comunidade internacional está, portanto, chamada a fazer uso de todos os mecanismos do direito internacional e o que estiver ao seu alcance para 'impedir e prevenir ulteriores violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas e para proteger as populações inocentes'. 

Outro fenômeno grave referido pelo Papa é o narcotráfico com o seu cortejo de tráfico humano, de armas, lavagem de dinheiro, exploração infantil e outras formas de corrupção que penetra todos os setores da sociedade. Uma verdadeira estrutura paralela que afeta a credibilidade das instituições. 

Francisco citou o discurso de Paulo VI, há 50 anos, mas sempre atual, para dizer que chegou a hora de se fazer uma pausa, um momento de recolhimento e reflexão, quase uma oração, e pensar de novo na nossa origem, história e destino comum, porque 'o perigo não vem da ciência nem do progresso, mas sim do homem que dispõe de instrumentos cada vez mais poderosos, aptos tanto para a ruína como para as mais elevadas conquistas'. 

Pondo mais uma vez no centro reta compreensão da fraternidade universal, a sacralidade da vida humana e da natureza, o Papa afirmou : 

'Tal compreensão e respeito exigem um grau de sabedoria, que aceite a transcendênciarenuncie à construção duma elite onipotente e entenda que o sentido pleno da vida individual e coletiva está no serviço desinteressado aos outros e no uso prudente e respeitoso da criação e do bem comum'. 

Os únicos princípios capazes de sustentar, iluminar e animar o edifício da civilização moderna são os princípios espirituais – rematou o Papa, usando palavras de Paulo VI, e dizendo que o tempo presente convida a privilegiar ações que possam gerar novos dinamismos positivos na sociedade. 

'Não podemos permitir-nos o adiamento de 'algumas agendas' para o futuro. O futuro exige de nós decisões criticas e globais face aos conflitos mundiais que aumentam o número dos e excluídos'. 

A ONU, instituição necessária, mas melhorável, como qualquer outro organismo humano, pode ser o penhor dum futuro seguro e feliz para as gerações vindouras. Mas a esta condição : 

'Sê-lo-á se os representantes dos Estados souberem pôr de lado interesses sectoriais e ideológicos e procuram sinceramente o serviço do bem comum'. 

E o Papa assegurou a sua oração e a de toda a Igreja católica à ONU, para que, com todos os Estados-Membros e cada um dos seus funcionários, preste um serviço eficaz e respeitoso à humanidade. 


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