Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Madre Maria Chantal Modoux nasceu na Suíça, na
região de Fribourg em 21 de Fevereiro de 1919. Filha de Léon Modoux e
Marie-Jeanne Crausaz Modoux, foi a mais velha de 4 irmãs. Educadora nata
formou-se no Magistério e trabalhou nesta área em várias famílias. Durante a 2ª
Guerra viveu no Vaticano como professora de crianças de uma família de
diplomatas, e depois na Espanha, em duas famílias. Vocação tardia, descobriu
seu caminho monástico com a leitura de um livro de Dom Columba Marmion, abade
do Mosteiro de Maredsous : ‘O Cristo Ideal do Monge’. Foi uma amiga, oblata do
Mosteiro de Ligugé, que lhe passou esse livro. Ao fechá-lo disse : ‘É isto e
mais nada!’. No seu processo de discernimento sobre aonde entrar, foi o
Mosteiro de Nossa Senhora de Betânia, na Bélgica, que a cativou. Entrou no dia
16 de outubro de 1951, e no dia 4 de junho do ano seguinte começava o
noviciado. Encontrou no grupo ‘dos véus brancos’ Ir. Anne Farcy, que mais tarde
seria sua companheira na fundação do Brasil. Ir. Anne era, monasticamente, a
mais velha do grupo, e era preciso obedecer-lhe. Durante o noviciado, nossa
madre foi a enfermeira do grupo. No dia 21 de agosto de 1954 fez os primeiros
votos e três anos depois, no dia 23 de agosto de 1957 fez a profissão perpétua.
Nesse mesmo ano, em novembro, partiu para o Congo Belga, onde Betânia já tinha
várias fundações. Integrou a comunidade de Kikula na região das Minas de Cobre,
na cidade de Likasi. Em 1960 o Papa João XXIII fez um apelo aos contemplativos
em favor da América Latina. A Madre, que se encontrava na Bélgica, falou numa reunião
de comunidade que esperava que Betânia respondesse a esse apelo. Estava longe
de saber que já pensavam nela para essa fundação no Brasil. Nossa Madre teria
preferido um país de língua espanhola, língua que ela conhecia, mas a escolha
foi o Brasil. Foram nomeadas 5 irmãs, sendo a Madre Chantal a responsável do
grupo. As primeiras três saíram da Bélgica de navio cargueiro em novembro de
1963. Passaram no Rio de Janeiro, desembarcaram em Santos e no começo de 1964
chegaram a Curitiba, onde existia um Mosteiro de monges franceses vindos de
Tournay, França. Existiam também os Padres MSC, vindos da Bélgica, que tinham
uma paróquia no Pinheirinho. Era bispo de Curitiba Dom Manuel d’Elboux.
As irmãs, que não tinham onde morar, separaram-se,
cada uma sendo acolhida numa casa de religiosas para também poderem aprender o
português. Entretanto os padres MSC acharam um terreno para ser comprado e logo
a construção começou. Um mosteiro muito simples em madeira, como as casas dos
vizinhos. O Pinheirinho era uma zona rural, sem eletricidade, sem água, sem
telefone. Para ir para o centro de Curitiba, que ficava a 3 Km, só havia um
ônibus por dia. O Papa Paulo VI tinha falado de uma Igreja serva e pobre, e era
isso que as fundadoras queriam. Quando os carpinteiros entregaram a chave do
mosteiro, as irmãs partiram para Petrópolis, para fazerem o curso do Cenfi
organizado pela Conferência Episcopal do Brasil para missionários estrangeiros.
Tratava- se de aprender a língua, a história e a cultura do país. Foram seis
meses duros, o método era o da repetição, aparentemente sem lógica, mas deu
frutos e as irmãs criaram ainda laços com muitos outros religiosos (as) de
várias nacionalidades. O mosteiro começou oficialmente no dia 1º de Novembro de
1965. A Madre Maria Chantal foi nomeada Prioresa, cargo que exerceu até ao ano
2000.
Os primeiros anos no mosteiro foram heróicos,
faltava tudo, e sem eletricidade rezava-se o ofício antigo de 12 salmos, à
noite, à luz de lâmpadas de querosene. Além disso, era preciso lavar a roupa e
passar a ferro com carvão, a roupa da comunidade e a da sacristia dos padres
MSC. Para conservar os alimentos era o único poço do terreno que servia de
geladeira. Esse começo coincidiu com o tempo pós concílio, um período muito
difícil para a vida religiosa e sacerdotal. Quantas pessoas a nossa Madre
ajudou a sair da crise e a retomar o caminho certo. Ela tinha grande firmeza
nos valores essenciais da vida religiosa. Era um tempo de ditadura militar, e
as irmãs não podiam escrever, como gostariam, para a Bélgica, por causa da
censura. Foram tempos de grande solidão. A Madre tinha o dom do acolhimento.
Sua escuta e empatia, sua capacidade de memória fazia que as pessoas voltassem,
sentindo-se valorizadas e únicas. Ela guardava os nomes das pessoas, suas
fisionomias e sobretudo a conversa que tinha tido. A Madre cultivava esses
laços com uma correspondência abundante. Ela escrevia muito, dormindo às vezes
só 4 horas por noite. Ela não queria que esse correio a impedisse de estar
presente nos atos comunitários. Muito cedo as pessoas descobriram o efeito de
sua intercessão e, sobretudo de sua bênção. Suas tomadas de posição, às vezes
audaciosas, sempre foram motivadas pela fidelidade ao Evangelho e pelo cuidado
da pessoa humana e nunca ‘por política’.
Em 1988 a comunidade recebeu três pedidos de
fundação de um mosteiro da parte de 3 bispos. A Madre Chantal e as irmãs
escolheram o lugar mais necessitado, mais ‘fronteira’, a Prelazia de
Itacoatiara, no Amazonas, a 4000 Km de Curitiba, onde foi fundado o Mosteiro da
Água Viva em 1989.
Em uma visita canônica, no ano de 1998, ficou
decidido que o nosso Mosteiro do Encontro deveria mudar de lugar. O Pinheirinho
tinha se tornado um grande bairro de periferia, muito populoso, barulhento e
violento. Com 80 anos de idade a Madre enfrentou a procura e compra de um novo
terreno, não muito longe de Curitiba, nem muito longe dos irmãos trapistas, que
tinham chegado em 1977. E a comunidade se mudou para o município de Mandirituba
nas vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro de 1999. A Dedicação da nova
Igreja, em agosto de 2008, foi uma grande alegria para a nossa Madre, como um
coroamento da fundação.
O lema da Madre era ‘A alegria do Senhor é a nossa
força’ do livro de Neemias 8,10. E viveu sempre essa alegria. Ela era muito
discreta sobre sua vida interior. Nunca falava de si mesma. Suas conferências à
comunidade, suas aulas sobre o Seguimento de Jesus, revelavam sua profundidade
espiritual. Seu olhar luminoso e seu sorriso tocavam as pessoas. Sua presença
fiel no Ofício Divino, na lectio, nos trabalhos comuns, nos serviços da
comunidade eram sinais do que ela vivia. Até aos 101 anos enxugava a louça e
dobrava a roupa que vinha da lavanderia. Também assumia as sobremesas da
comunidade e da hospedaria (até hoje lembradas pelos hóspedes). Na história da
comunidade se conta com humor, num diário esquecido, que uma hóspede, na
ausência da Madre, se queixava sobre o lanche do dia da Páscoa : ‘no tempo de
Madre Chantal não era assim’. Quando deixou o cargo de Prioresa em 2000, era
uma irmã na comunidade, pedindo a bênção, obediente à nova Prioresa, pedindo
licenças do dia a dia, prestando contas quando saía. A Madre era muito ciosa da
sua autonomia, mas a muita idade trouxe limites. Foi perdendo a audição e a
visão, ela que lia muito e formou a nossa biblioteca. Sempre lúcida perguntava
sobre as leituras do refeitório, e acompanhava as notícias do mundo e do país.
Sirlene, nossa incomparável amiga, foi sua cuidadora atenta e discreta, que lhe
dava muita segurança. Desde março passado, depois de uma queda, chegou o
momento para a madre de precisar ser ajudada em tudo. Sempre tinha uma irmã com
ela de dia e de noite e isso exigiu uma aceitação contínua de mais uma
diminuição. Nunca se queixou, sempre agradeceu tudo. Sua última palavra foi ‘OBRIGADA’
Para as irmãs foi uma graça estar com ela. Mesmo as irmãs que estavam servindo
outras comunidades da Congregação, voltaram à tempo e estavam presentes, o que muito
alegrou nossa madre.
A Madre era uma mulher de fé; mas seus últimos
meses foram um verdadeiro combate espiritual vivido numa certa noite escura.
Perseverava na oração : ‘estou ali como diante de uma parede’, percebia-se uma
certa angústia no rosto; às vezes dizia ‘como vai ser a morte?’ ‘o que é a vida
eterna?’ ‘Será que amo bastante Jesus’? Queria que lhe lessem o Evangelho do
dia várias vezes para ela memorizar o texto. A comunidade acompanhava-a com a
oração.
A Madre amava profundamente sua família biológica e
sua família monástica. Amava cada membro de nossas famílias e sabia os nomes de
todos os nossos sobrinhos. Amava o meio onde estamos : os vizinhos, as
crianças, o Brasil. Amava sobretudo a Igreja, acompanhava a CNBB, conhecia os
bispos pelo nome, a CRB e evidentemente a Cimbra. Tudo lhe interessava. Foi uma
grande monja, uma mulher profundamente habitada por uma Presença, com o
espírito de uma criança que se maravilhava com tudo. Amava o louvor divino. Ela
nos passou o amor pela vida monástica e a abertura ao mundo, vivida sobretudo
pelo acolhimento e pela intercessão.
Toda a comunidade se juntou à sua volta na última
noite. Cantamos o SUSCIPE da profissão e o Padre Jomar, nosso capelão, a ungiu
com o óleo dos doentes. Seu último momento foi sem agonia, sua respiração
parou, como uma vela que se consumiu amando até ao fim. Faleceu em sua cela
como ela desejava, no dia 03 de setembro de 2020, festa de São Gregório Magno.
O Padre Jomar a intitulou assim, minutos depois de sua partida ‘Madre Chantal Magna’!
Um casal amigo nos disse : ‘agora a Madre Chantal
não é só vossa, na comunhão dos Santos, ela é de todos nós’.
Agradecemos de coração todas as mensagens recebidas e temos certeza, que lá do céu, nossa Madre Maria Chantal está muito mais presente em nossas vidas e intercede por cada um e cada uma.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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