Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo do Padre Alfredo J.
Gonçalves, CS
‘O mundo anda
depressa e nós não podemos parar’, alertava São João Batista Scalabrini na
segunda metade do século XIX e início do século XX. Com efeito, eram tempos de
intensa atividade e turbulência devido aos efeitos, positivos e negativos, da
Revolução Industrial. Há séculos, a filosofia, associada aos inventos
científicos e tecnológicos, vinha sacudindo o torpor da era medieval. A razão e
a técnica ganhavam a centralidade característica dos tempos modernos ou
pós-modernos. Os passos da travessia humana sobre a face da terra
experimentaram um salto sem precedentes, seja do ponto de vista da produção,
produtividade e consumo, como do ponto de vista da velocidade das mudanças em
curso.
Não sem razão,
a existência de Scalabrini, quase toda ela, coincide com o ‘século do movimento’
(Peter Gay). Movimento de máquinas a vapor, como o trem, o carro, o navio… Mas
também movimento de pessoas, tanto do campo para a cidade, quanto cruzando o
oceano em direção às terras novas das Américas. A nova produção econômica, de
caráter liberal e capitalista, necessitava transformar os camponeses em
operários para o trabalho das fábricas incipientes. Mas precisava igualmente
transformar parte deles em migrantes que pudessem engrossar o chamado ‘exército
de reserva’, fator decisivo para o lucro como motor da acumulação de capital.
Mal podia
imaginar, então, Scalabrini que a velocidade das mudanças chegasse ao grau tão
vertiginoso que hoje nos atropela e, literalmente, nos deixa para trás. Os
últimos 50 anos em particular, ou seja, desde as décadas de 1970-80, a
revolução da informática, com sua tecnologia de ponta, vem apresentando uma
avalanche de inovações que nos deixa aturdidos. E aqui não há como ignorar os
paradoxos. Por um lado, a terra e o setor agrícola nunca produziu tantas
toneladas de alimento como atualmente, de outro lado, o desperdício de
alimentos e a fome jamais atingiram tantas pessoas. Hoje, ao redor de um bilhão
de seres humanos em todo planeta sofrem de insegurança alimentar.
Depois, nunca
houve tantos meios e tanta facilidade de comunicação nas relações humanas, seja
em termos de comunicação familiar e interpessoal, seja quanto à comunicação
social, política ou cultural. Ao mesmo tempo, porém, a sensação de solidão e de
abandono nunca pareceu tão profunda e tão angustiante. As cidades e metrópoles
se converteram em amontoados de indivíduos isolados, fechados em si mesmos.
Cresce o fenômeno da ‘multidão solitária’, para usar a expressão de David
Riesman, na pesquisa e obra homônima. Em especial nas megalópoles, multidão
passa a rimar com solidão. As pessoas estão conectadas à distância, pela
Internet, mas evitam o encontro cara-a-cara, olho-no-olho. Emoções e
sentimentos acabam sendo dominados, e explorados financeiramente, pelas
gigantescas redes de telecomunicação.
Vale o mesmo
para o caso dos transportes, individuais e coletivos, terrestres e aéreos.
Crescem as técnicas que os tornam, simultaneamente, mais modernos, mais velozes
e mais confortáveis. As distâncias diminuem de forma nunca vista. Finalmente, ‘o
mundo se converteu numa aldeia global’. Mas o acesso a tais meios de última
geração, rápidos e confortáveis, torna-se um luxo de poucos. A grande maioria
da população depende do transporte público, onde é maior a aglomeração e
menores os investimentos. Daí a sensação de deslocar-se como ‘sardinhas em lata’.
Mesmo para o transporte privado, quanto mais aumenta a sofisticação, a rapidez
e o conforto do veículo, maior a probabilidade de ficar horas parado no
trânsito infernal das grandes cidades. De forma paradoxal, técnicas de ponta
paralisam os carros de luxo. Contra o que dizia Scalabrni, fica-se imobilizado
num mundo que anda depressa.
Não seria
difícil multiplicar os exemplos contraditórios dos avanços tecnológicos. Em
lugar de favorecer maior tempo de lazer e de criatividade, a Internet, o
telefone celular e agora a Inteligência Artificial (IA) parecem devorar todo
nosso tempo. Entramos no vórtice avassalador de uma pressa doentia, patológica,
onde não há tempo para afetos, laços e amizades presenciais ou duradouras. Mais
do que nunca, somos atropelados pela noção de que ‘time is money’. Tornamo-nos
marionetes da IA e dos poucos milionários ou bilionários que faturam alto com
toda essa correria. Quem sabe atualmente, se estivesse vivo, Scalabrini diria
que ‘o mundo anda demasiadamente depressa, por isso devemos parar para
reencontrar a nós mesmos, ao outro e ao totalmente Outro!’
Fonte : *Artigo na íntegra
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