sábado, 5 de julho de 2025

O mundo anda depressa

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Padre Alfredo J. Gonçalves, CS 


‘O mundo anda depressa e nós não podemos parar’, alertava São João Batista Scalabrini na segunda metade do século XIX e início do século XX. Com efeito, eram tempos de intensa atividade e turbulência devido aos efeitos, positivos e negativos, da Revolução Industrial. Há séculos, a filosofia, associada aos inventos científicos e tecnológicos, vinha sacudindo o torpor da era medieval. A razão e a técnica ganhavam a centralidade característica dos tempos modernos ou pós-modernos. Os passos da travessia humana sobre a face da terra experimentaram um salto sem precedentes, seja do ponto de vista da produção, produtividade e consumo, como do ponto de vista da velocidade das mudanças em curso.

Não sem razão, a existência de Scalabrini, quase toda ela, coincide com o ‘século do movimento’ (Peter Gay). Movimento de máquinas a vapor, como o trem, o carro, o navio… Mas também movimento de pessoas, tanto do campo para a cidade, quanto cruzando o oceano em direção às terras novas das Américas. A nova produção econômica, de caráter liberal e capitalista, necessitava transformar os camponeses em operários para o trabalho das fábricas incipientes. Mas precisava igualmente transformar parte deles em migrantes que pudessem engrossar o chamado ‘exército de reserva’, fator decisivo para o lucro como motor da acumulação de capital.

Mal podia imaginar, então, Scalabrini que a velocidade das mudanças chegasse ao grau tão vertiginoso que hoje nos atropela e, literalmente, nos deixa para trás. Os últimos 50 anos em particular, ou seja, desde as décadas de 1970-80, a revolução da informática, com sua tecnologia de ponta, vem apresentando uma avalanche de inovações que nos deixa aturdidos. E aqui não há como ignorar os paradoxos. Por um lado, a terra e o setor agrícola nunca produziu tantas toneladas de alimento como atualmente, de outro lado, o desperdício de alimentos e a fome jamais atingiram tantas pessoas. Hoje, ao redor de um bilhão de seres humanos em todo planeta sofrem de insegurança alimentar.

Depois, nunca houve tantos meios e tanta facilidade de comunicação nas relações humanas, seja em termos de comunicação familiar e interpessoal, seja quanto à comunicação social, política ou cultural. Ao mesmo tempo, porém, a sensação de solidão e de abandono nunca pareceu tão profunda e tão angustiante. As cidades e metrópoles se converteram em amontoados de indivíduos isolados, fechados em si mesmos. Cresce o fenômeno da ‘multidão solitária’, para usar a expressão de David Riesman, na pesquisa e obra homônima. Em especial nas megalópoles, multidão passa a rimar com solidão. As pessoas estão conectadas à distância, pela Internet, mas evitam o encontro cara-a-cara, olho-no-olho. Emoções e sentimentos acabam sendo dominados, e explorados financeiramente, pelas gigantescas redes de telecomunicação.

Vale o mesmo para o caso dos transportes, individuais e coletivos, terrestres e aéreos. Crescem as técnicas que os tornam, simultaneamente, mais modernos, mais velozes e mais confortáveis. As distâncias diminuem de forma nunca vista. Finalmente, ‘o mundo se converteu numa aldeia global’. Mas o acesso a tais meios de última geração, rápidos e confortáveis, torna-se um luxo de poucos. A grande maioria da população depende do transporte público, onde é maior a aglomeração e menores os investimentos. Daí a sensação de deslocar-se como ‘sardinhas em lata’. Mesmo para o transporte privado, quanto mais aumenta a sofisticação, a rapidez e o conforto do veículo, maior a probabilidade de ficar horas parado no trânsito infernal das grandes cidades. De forma paradoxal, técnicas de ponta paralisam os carros de luxo. Contra o que dizia Scalabrni, fica-se imobilizado num mundo que anda depressa.

Não seria difícil multiplicar os exemplos contraditórios dos avanços tecnológicos. Em lugar de favorecer maior tempo de lazer e de criatividade, a Internet, o telefone celular e agora a Inteligência Artificial (IA) parecem devorar todo nosso tempo. Entramos no vórtice avassalador de uma pressa doentia, patológica, onde não há tempo para afetos, laços e amizades presenciais ou duradouras. Mais do que nunca, somos atropelados pela noção de que ‘time is money’. Tornamo-nos marionetes da IA e dos poucos milionários ou bilionários que faturam alto com toda essa correria. Quem sabe atualmente, se estivesse vivo, Scalabrini diria que ‘o mundo anda demasiadamente depressa, por isso devemos parar para reencontrar a nós mesmos, ao outro e ao totalmente Outro! 

 

Fonte : *Artigo na íntegra

https://migramundo.com/o-mundo-anda-depressa/

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