Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Mauro-Giuseppe Lepori, O. Cist.,
Abade Geral
‘Visitei
recentemente uma comunidade de monges, e durante a minha estadia pude
participar de uma conversa comunitária. O assunto era a expressão muito
original de um artista cristão. Conversava-se sobretudo sobre as imagens de
suas obras, mas sobretudo alguns dias antes tínhamos visto um vídeo sobre ele,
sobre sua caminhada humana e artística. O diálogo entre os irmãos foi muito
profundo, pois cada um tinha-se deixado tocar, muito pessoalmente, pelo
testemunho desse artista. No fim o abade disse que naquele ano, por causa da
situação criada pela pandemia, eles tinham tido poucos momentos de formação
estruturada, com convites de professores para cursos e sessões. Ele se
preocupava com a formação permanente, justamente porque ao longo de anos isso
tinha desenvolvido uma bela cultura de partilha, de diálogo, de escuta e de
palavra.
Tomei ainda
mais consciência que a formação monástica é viva e eficaz, quando encontra numa
comunidade um campo trabalhado, um campo que se deixa trabalhar para acolher a
semente, deixá-la germinar, crescer e dar fruto. Ou então, para usar uma outra
imagem talvez mais expressiva no âmbito da formação, se a comunidade se dispõe
a ser argila bem misturada, trabalhada com a água, com justa consistência, para
permitir que o oleiro lhe dê a forma bela e útil, que lhe quer dar.
Em resumo,
quando uma comunidade trabalha na sua própria conversão, quando se forma como
comunidade filial e fraterna, quando é, como diz São Bento, um espaço de
estabilidade obediente – quer dizer de silêncio, de escuta, na conversatio
morum, num caminho de conversão de comunhão, que a torna viva, então tudo
contribui para a sua formação, tudo se torna para ela e para cada membro que a
compõe, ocasião para crescer, para aprofundar e se dilatar na forma perfeita de
Cristo, o Filho bem-amado, que o Pai quer imprimir em nós, pelo dom do
Espírito. Só uma comunidade que aceita ser um campo de construção pode
tornar-se uma casa, uma morada e sobretudo um templo da presença de Deus. Sem isso,
mesmo os melhores cursos e sessões, com os melhores mestres e professores, não
conseguem formar e fazer crescer uma comunidade e seus membros.
Conheço
comunidades pequenas e frágeis que não podem mais conseguir formadores externos
e qualidade, mas que são tão unidas na humildade e no desejo de conversão, que
cada migalha de verdade, de beleza vinda não importa de onde, nem de quem, se
torna semente de formação e de edificação. Tudo nos forma se tivermos um
coração humildemente aberto para a conversão, que a conversatio monástica e
comunitária nos oferece e nos pede. Isto faz comunidades aonde se percebe o
coração meditativo da Virgem Maria, vigilante para nada perder do acontecimento
do Verbo-Esposo. Se falta esta atitude, uma comunidade pode dispor da formação
mais abundante e refinada, sem que isso a forme verdadeiramente. A melhor
semente fica estéril, se em vez de cair num campo lavrado, cair no mármore mais
precioso e polido.
Para que
qualquer formação seja fecunda, não se deve esquecer o humus, a terra. Quem não
trabalha a terra, não terá frutos no tempo desejado. E aqui está a grande
sabedoria da formação monástica : começa por baixo, para que mesmo que vem do
alto, como a Palavra de Deus e o seu Espírito, possam achar acolhimento,
abertura, quer dizer uma liberdade que pede e deseja, e que abre a porta quando
o Verbo bate.
São Bento
entendeu, na escola do Evangelho e dos Padres, que nada trabalha a terra melhor
que a vida comunitária. Viver em comunidade torna a conversão verdadeiramente
formadora. Sem um meio comunitário, que guia, cede-se à tentação, velha como o
pecado original, de querer modelar-se com as próprias mãos. Mas as nossas mãos
só fazem maquiagem, fazendo-nos olhar narcisisticamente ao espelho de nossas
ambições e vaidades. Quando, pelo contrário, a nossa liberdade consente que a
vida comunitária e a obediência nos trabalhem, para nos formar segundo o
desígnio de Deus, então, lentamente, descobrimo-nos modelados, a partir do mais
profundo de nós mesmos, para que o dom verdadeiro da nossa vida dê fruto.
Neste sentido, o
tempo de pandemia foi uma grande provação para as comunidades monásticas. Por
um lado, descobrimos, como toda a gente, os meios de formação partilhada à
distância, que oferecem às comunidades mais frágeis novas oportunidades de
formação. Mas esta oportunidade revela também um grande limite : favorece a
comunicação formadora, mas não a comunhão formadora. A formação on-line é
excelente para nos informar, mas não consegue nos modelar. É como se
aprendêssemos a teoria da olaria, mas sem sujar as mãos na argila. Mais ainda :
é como se um oleiro mostrasse à argila os gestos que a modelam, mas sem a
tocar. É preciso, então, que a argila encontre mãos que se encarreguem de a
trabalhar. E aqui voltamos à necessidade de uma verdadeira conversatio
comunitária, que aliás, se tornou particularmente sensível, quando o
confinamento obrigou as comunidades monásticas a viverem numa verdadeira
clausura.
Quando em 2020
fomos obrigados a fechar o Curso de Formação Monástica, que existia há 20 anos,
durante um mês, na Casa generalícia cisterciense em Roma, nos perguntamos se
não seria necessário substituí-lo por cursos on-line. Mas à parte a dificuldade
prática de reunir virtualmente alunos espalhados desde a Ásia às Américas, foi
evidente, para nós, que não podíamos reduzir este curso de formação a simples
aulas. Faltaria a dimensão comunitária que permite aos professores começar logo
a fazer germinar na vida real dos participantes, ensinando-lhes a dinâmica
integral da formação monástica, que não é somente semente, mas também terra que
acolhe, que não é só palavra, mas também coração que escuta para viver em
comunhão.
Quando se
medita o primeiro capítulo da Regra de São Bento, sobre os diversos gêneros de
monges, percebemos que a verdadeira diferença entre os dois bons modelos de
monges, os cenobitas e os anacoretas, e os dois maus modelos, os sarabaítas e
os giróvagos, está na escolha, ou na rejeição de se deixar formar por alguém,
que não sou eu. Os cenobitas e os anacoretas confiam o desejo de plenitude de
vida e de santidade nas mãos de Deus e de uma comunidade guiada por uma Regra e
um abade; os sarabaítas e os giróvagos seguem a tendência individualista, que
temos desde o pecado original, de não confiar a formação às mãos de um outro.
Todos são barro destinado a ter uma bela e útil forma, mas os primeiros
permitem que Deus e a comunidade os modelem, enquanto que os outros se deixam
levar, tomando a forma, sem forma, da inclinação em que escorregam. Os
primeiros confiam o seu desejo de vida e de alegria a um caminho que o realiza;
os outros confundem o desejo profundo do coração com a tendência dos instintos
e deixam-se guiar pelas próprias tendências, que não levam a lado nenhum. Pois
a tendência dos instintos é um desejo deteriorado, que se fecha sobre si mesmo,
renunciando ao infinito para o qual deveria estar tendido.
A formação
monástica, como toda a formação humana e cristã, é um assunto sério, seu
objetivo não é a perfeição do saber, incluindo o saber como fazer, mas a plenitude
da vida, para a qual fomos criados pelo Pai, resgatados pelo Filho e animados
pelo Espírito; plenitude para a qual nos é dado o Corpo do Cristo, que é a
Igreja, até à pertença imediata à comunidade, que nos foi dada, para que a
forma de Jesus se torne a substância da nossa vida em todas as suas relações.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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